A narrativa oficial era clara: o secretário estadual da Justiça definiu o crime como tentativa de assalto; Byrd e Melanie Billings, pais de 13 crianças adotivas com necessidades especiais, teriam sido mortos, em sua casa a alguns quilômetros de Pensacola, porque eram ricos.
Mas Rick Outzen, blogueiro e editor de um boletim informativo semanal local, ouviu falar de história bem mais sinistra. Poucos dias depois dos homicídios, em 9 de julho, alguém contou a ele que Billings havia sido dono de um clube de striptease mal afamado, e que tinha fama de impiedoso no segmento de automóveis usados.
Outras fontes, que insistiram em que seus nomes não fossem revelados, informaram que os sete acusados do crime haviam contado à polícia que eram assassinos de aluguel. "Só eu tenho essa história", Outzen recorda ter pensando, enquanto escrevia. "Será que isso significa que estou errado?"
Ele decidiu publicar, depois de consultar um advogado. E com um post de 277 palavras em seu blog, em 19 de julho, Outzen, 52 anos, um antigo contador que de vez em quando se esquece de remover as etiquetas de suas camisas novas, se tornou participante controverso em um caso que atraiu atenção internacional.
A cobertura que ele conduziu até o momento, com atualizações quase diárias em seu blog, atraiu pautas do site The Daily Beast e colaboradores voluntários de fora da Flórida, mas também refutações de veículos de mídia rivais e uma ameaça de processo da parte de Henry Cabell Tice, um vendedor local de carros usados que não foi acusado dos homicídios e nega as alegações de Outzen de que poderia estar conectado ao caso.
Inicialmente, até os amigos do blogueiro temiam que sua paixão pelo caso o tivesse levado a exagerar naquilo que escreve. Mas passadas seis semanas dos homicídios, Outzen ainda não precisou retirar nada daquilo que escreveu.
O xerife do condado de Escambia, David Morgan, declarou em entrevista que Outzen havia ajudado as investigações e que suas fontes anônimas estavam em geral corretas: sobre um cofre que os assassinos parecem ter ignorado no interior da casa dos Billings e continha US$ 164 mil em dinheiro; sobre a reputação dúbia de Billings; e sobre Leonardo Gonzalez Jr., que a polícia identificou como chefe da quadrilha de invasores e que Outzen definiu como um antigo professor de defesa pessoal que no passado trabalhou para Tice.
Morgan não confirmou que alguém teria pago entre US$ 20 mil e US$ 50 mil pelo assassinato dos Billings, como Outzen alega, mas afirmou que a polícia está investigando a alegação. "Se eu não acreditasse que a alegação tem alguma validade, não a estaria considerando", disse Morgan. Outzen diz que se sentiu confirmado.
Kevin Doyle, editor do Pensacola News Journal, disse que Outzen na verdade estava tirando vantagem de seu apoio aberto a Morgan na eleição de 2008 e dos padrões jornalísticos mais frouxos que se aplicam ao seu blog. No entanto, aos olhos de muitos moradores locais, o trabalho dele se tornou um exemplo de jornalismo cidadão, que troca a objetividade pelo amor a uma comunidade, exibido online de maneira combativa.
"Nem sempre concordo com ele, mas é como se fosse a consciência da comunidade", diz Mort O"Sullivan, presidente da Câmara de Comércio da baía de Pensacola. "As pessoas confiam em que Rick estará lá, nos pressionando de maneiras que nem sempre consideramos confortáveis". Essa necessidade de pressionar, dizem os amigos de Outzen, deriva em parte de uma infância passada em Greenville, Mississipi, nos anos da luta pelos direitos civis. Filho mais velho de um agente de seguros, Outzen considera seu bisavô como inspiração. "Ele foi o primeiro, e último, prefeito católico de Greenville", diz Outzen. "Foi expulso da cidade pela (Ku Klux) Klan".
Outzen decidiu fundar seu boletim noticioso semanal, o "Independent News", 10 anos atrás, depois que a empresa petroleira para a qual ele havia trabalhado desde a década de 80 foi vendida. Joe Scarborough, hoje repórter da TV MSNBC, iniciou um boletim concorrente alguns meses mais tarde e, quando as duas publicações e fundiram, em 2001, ele e Outzen tiveram um desentendimento só sanado recentemente.
Notícias sobre crime nunca foram a área de interesse de Outzen. No boletim noticioso e em seu blog, criado em 2005, ele em geral critica funcionários eleitos por não beneficiarem o centro da cidade. Em entrevistas, afirma que o caso Billings, e a ideia de um homicídio encomendado, o fascinaram porque "não consigo suportar a ideia de que alguém encomende um homicídio e escape impune".
Mas em seus mocassins arranhados e com uma risada que faz a barriga chacoalhar, ele não parece pertencer naturalmente ao mundo escuso que homens como Billings, Gonzales e Tice habitam.
É um lado de Pensacola que raramente ganha atenção. Ao lado da base da marinha, na qual o senador John McCain treinou como piloto, longe do velho centro da cidade, fica o que os moradores definem como "cidade do carro" -quarteirões inteiros ocupados por lojas de carros usados, com pavimentos rachados e placas alegres oferecendo financiamento facilitado. Foi lá que Billings fez fortuna, dizem antigos associados, financiando lojas de carros usados e outros empreendimentos. A certa altura, ele chegou a emprestar alguns milhares de dólares a Gonzalez para que este abrisse uma academia de artes marciais.
A companhia de Billings, Markham Auto Sales, não se destaca muito. A placa azul brilhante na fachada é a única coisa que parece nova, e o terreno tem espaço para cerca de 35 carros. Ao lado fica um escritório com revestimento bege, a Worldco Financial Services, registrada sob o nome de Ashley Markham, uma das filhas de Billings.
Robert Beasley, advogado da família Billings, diz que seu cliente "jamais fez algo de antiético; mas ele esperava receber de volta o dinheiro que emprestava, e isso ocasionalmente causava hostilidades".
No ano passado, Billings acusou Tice de dar 12 cheques sem fundo à Worldco, no valor de mais de US$ 17 mil; o caso serviu de base a uma acusação de roubo que as autoridades fizeram contra Tice na semana passada. O acusado afirmou em mensagem de e-mail que era inocente e explicou que "esses cheques deveriam ser mantidos como caução até que eu pudesse depositar dinheiro para cobri-los". Beasley, que reconhece ter dado informações a Outzen porque respeita seu papel nas causas locais, disse que dois outros vendedores de carros usados próximos a Tice deviam bastante dinheiro à Worldco. "É um submundo", disse Outzen, em passeio de carro pela área. "Uma subcultura".
Em breve, alguns de seus hábitos serão expostos. Um júri de instrução indiciou Gonzalez e seis outros homens por homicídio doloso e assalto. Esta semana, as autoridades devem liberar mil páginas de depoimentos dos acusados, relatórios policiais, fotos e vídeos de câmeras de vigilância sobre o crime.
O xerife Morgan disse que antecipa fazer novas detenções. "Quentin Tarantino não conseguiria inventar uma história como essa", afirmou. Talvez não. Mas Outzen vai acompanhá-la porque, como disse, "essa é minha cidade".