Violência escolar mais do que triplica em 10 anos no Brasil

País enfrenta onda de ataques a instituições de ensino e aumento preocupante de casos de agressão entre estudantes e professores

A violência escolar triplicou em 10 anos no Brasil | Foto: Senado Federal
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Nos últimos 10 anos, o Brasil vive uma escalada de violência dentro das escolas. De acordo com dados do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), o número de vítimas de violência interpessoal em ambientes escolares saltou de 3,7 mil, em 2013, para 13,1 mil, em 2023. As informações são da Revista Fapesp.

Os registros contam com alunos, professores e outros membros da comunidade escolar, e apontam para um cenário cada vez mais alarmante, que, segundo especialistas, é impulsionado por discursos de ódio, desvalorização do magistério e falhas estruturais no enfrentamento da intolerância nas instituições de ensino.

 violência autoprovocada

A explosão da violência autoprovocada – que envolve automutilação, ideação suicida e tentativas de suicídio – também chama atenção. Esse tipo de agressão aumentou 95 vezes no período analisado, revelando o peso do sofrimento silencioso que muitos estudantes carregam diariamente. 

Segundo o economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a radicalização política a partir de 2013 teve impacto direto nas relações interpessoais. “A convivência se deteriorou. Quando figuras públicas relativizam a violência, isso encoraja comportamentos agressivos”, diz.

Ataques letais e bullying se tornaram mais comuns

O Ministério da Educação reconhece quatro grandes tipos de violência escolar: os ataques premeditados, a violência interpessoal, o bullying e a violência institucional — esta última associada à exclusão sistemática promovida pela própria escola, como o uso de materiais que ignoram ou distorcem temas ligados à diversidade racial e de gênero.

Relatório recente do Atlas da Violência 2024, elaborado com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), mostra que o percentual de alunos que relataram sofrer bullying subiu de 30,9% (em 2009) para 40,5% (em 2019). Também aumentou o número de estudantes que deixaram de ir à escola por medo: em 2019, 11,4% dos alunos do ensino fundamental relataram insegurança — mais que o dobro dos 5,4% em 2009.

A violência no ambiente familiar também exerce influência. Em 2009, 9,5% dos estudantes de capitais brasileiras disseram ter sofrido agressões por parte de familiares nos 30 dias anteriores à pesquisa. Em 2019, o índice foi de 16,1%. “Esses jovens muitas vezes reproduzem na escola as agressões que sofrem em casa, como forma de defesa e de afirmação de identidade”, explica Cerqueira.

Negligência institucional agrava o problema

Na avaliação da psicóloga Angela Soligo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o problema não é apenas comportamental — ele é também institucional. “A desvalorização da atividade docente, a descontinuidade das políticas públicas e a precarização da infraestrutura escolar tornam o ambiente ainda mais hostil”, afirma. Ela coordenou uma pesquisa nacional sobre violência e preconceito na escola e alerta para o descumprimento das leis federais que exigem o ensino de história da África e dos povos indígenas nas escolas. “A representação equivocada de certos grupos sociais perpetua estigmas e reforça desigualdades.”

Para a pedagoga Telma Vinha, também da Unicamp, há um abismo entre a percepção dos alunos e a dos gestores escolares. Estudos do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) revelaram que 40% das escolas afirmam não registrar nenhum tipo de violência, enquanto parte significativa dos estudantes relata conflitos frequentes. “Os adolescentes raramente contam suas experiências de agressão a adultos. É preciso escutá-los”, afirma Vinha.

Outro problema é a banalização do conceito de bullying, que, segundo Soligo, muitas vezes é utilizado para camuflar episódios de racismo, machismo e homofobia. “A mediação entre agressor e vítima pode resolver desavenças pontuais, mas, se não há debate estruturado sobre as raízes desses conflitos, o ciclo se repete”, alerta.

Ausência de respostas coordenadas

Com a falta de preparo das secretarias de educação para lidar com conflitos ligados a preconceitos estruturais e a ausência de políticas integradas de escuta e acolhimento, o ambiente escolar torna-se ainda mais vulnerável. Os dados, as análises e os depoimentos indicam que o problema vai além de meros episódios isolados: trata-se de um fenômeno multifatorial que precisa ser enfrentado com medidas estruturais, escuta ativa, valorização dos profissionais da educação e enfrentamento direto aos discursos de ódio que contaminam os espaços escolares.

Desde 2001, ao menos 47 pessoas morreram em decorrência de ataques letais a instituições de ensino no Brasil. Mais do que números, esses casos representam o fracasso coletivo em garantir o que deveria ser o mínimo: segurança, respeito e dignidade no ambiente escola.

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