Em seu laboratório na Universidade de Princeton Samuel Wang procura por informações básicas sobre como funcionam os cérebros dos seres humanos e dos cachorros. Wang, 42, professor associado na universidade, também dedica seu tempo a divulgar os avanços de sua especialidade, a neurociência.
"Welcome to Your Brain", livro que ele lançou no ano passado, foi escolhido como "melhor livro científico de 2009 para o público jovem", pela Associação Americana para o Progresso da Ciência. No próximo semestre, ele oferecerá um curso inédito no programa de graduação de Princeton, chamado neurociência e a vida cotidiana. Segue abaixo uma versão editada de uma conversa de quatro horas.
P. O senhor fala com fervor quase evangélico sobre seu trabalho. Por que se tornou neurocientista?
R. Em 1985, eu era aluno do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e estava fazendo um curso de mecânica clássica e outro de introdução à biologia celular. E me lembro de perguntar ao professor de Física sobre correções de segunda ordem na dinâmica de Lagrange. Ele respondeu que "sim, isso já chegou a ser pensado", e despejou um monte de equações no quadro negro. Quando fiz uma pergunta ao meu professor de biologia sobre neurotransmissão, ele fez uma espécie de careta e respondeu que "ninguém sabe a resposta para isso". Foi uma ótima sensação! Foi muito bom fazer uma pergunta básica e descobrir que a resposta não era conhecida. Por isso, a neurociência me pareceu o melhor caminho a seguir.
P. E agora o conhecimento se expandiu?
R. Expandiu-se muito. Nos anos 80, sabíamos algumas coisas sobre como os neurônios individuais, as sinapses e o cérebro - ou pelo menos certas de suas regiões- funcionavam. Hoje, temos os meios de saber como eles todos funcionam em forma de sistema, unidos. O que mudou foram os avanços em biologia molecular, genética e tecnologia obtidos nesse meio-tempo.
Nos anos 80, a melhor ferramenta para o estudo de circuitos neurológicos era extrair um pedaço de tecido e observar neurônios individuais. Agora podemos observar múltiplos neurônios, e ver de fato como as células conversam umas com as outras. A ressonância magnética funcional, ou FMRI, permite que observemos o que está acontecendo no nível do cérebro como um todo. Nos últimos três anos, surgiu um campo conhecido como "conectomia", que envolve pesquisas de mapeamento de todas as conexões encontradas em uma dada amostra de tecido.
Existe também a optogenética ¿algo que venho fazendo bastante-, na qual expressamos alguma proteína fluorescente em uma amostra de tecido que permite observar células individuais, e contemplamos as mudanças. Um dia desses, fui a uma aula de psicologia e percebi uma maneira de transformar em experiência aquilo que havia escutado na classe.
O colega em questão estava falando sobre o processo decisório, e teorizou que fosse orientado, em parte, pela liberação de dopamina. E eu disse a ele que tínhamos a capacidade de elevar subitamente o nível de dopamina em um circuito neurológico - que podíamos imitar aquela liberação de produtos químicos em tubo de ensaio.
E isso significa que é possível trabalhar em laboratório com essas ideias teóricas. As pessoas que trabalhavam em neurociência 30 anos atrás eram inteligentes mas não dispunham da instrumentação que permitisse testar suas ideias. Isso só se tornou possível nos 10 últimos anos. E é uma sensação muito diferente.
P. O seu laboratório está desenvolvendo algumas dessas novas tecnologias?
R. Sim. Estamos desenvolvendo maneiras de observar o tecido do cérebro enquanto ele está pensando. As ferramenta são ópticas, tais como os microscópios que construo para observar e manipular a função sináptica. No meu laboratório, podemos manipular determinadas partes de um circuito à razão de milhares de vezes por segundo. Isso fica bem perto de emular funções cerebrais reais.
P. O senhor está estudando a estrutura dos cérebros caninos. Como esse projeto surgiu?
R. Minha mulher e eu levamos nosso cachorro, um pug, para uma cirurgia de espinha. No consultório do veterinário, havia todas aquelas imagens de ressonância magnética disponíveis, centenas delas, e comecei a pensar que os cachorros não têm suas fichas médicas protegidas por cláusulas de confidencialidade.
Foi como descobrir uma mina de ouro para dados. Nós contatamos muitos veterinários, em Long Island e Maryland, e pedimos que doassem imagens de ressonância magnética para criarmos um grande banco de dados. Estamos procurando por um elo entre o tamanho do cérebro de um cachorro e as características daquela raça específica. Os sheep dogs australianos e os poodles são capazes de realizar tarefas bastante complexas. Já o meu pug, embora seja muito fofo, não é lá tão inteligente.
Ma verdade existe muita literatura científica sobre as características das diversas raças, seu temperamento e nível de inteligência. Por isso, comparamos as ressonâncias magnéticas aos estudos e estamos tentando identificar as correlações estruturais.
Trata-se de uma imensa oportunidade de estudar um relacionamento entre a estrutura do cérebro e o comportamento. Estamos tentando determinar se encontraremos um córtex maior ¿a parte do cérebro que cuida da solução de problemas e abriga a inteligência- nas raças que funcionam melhor na solução de problemas, ou se poderíamos encontrar uma amígdala maior, relacionada a respostas emocionais, em cães conhecidos como nervosos ou agressivos.
P. Existem implicações para os seres humanos, nisso?
R. Não está claro até o momento. Os cachorros são muito mais variáveis do que nós. Os cães podem variar por um fator de 60 em termos de massa corporal e por um fator de três em tamanho de cérebro. Essa espécie de variação não é algo que se encontre comumente entre os seres humanos. Comparados aos cães, somos todos parecidos. Não existe diferença notável entre o cérebro de Einstein e os cérebros dos não Einsteins.
P. O senhor diz que a ressonância magnética funcional mudou a pesquisa cerebral. Mas considera que existe a possibilidade de que alguns pesquisadores a estejam analisando de forma exagerada?
R. Há quem a veja como uma nova frenologia. Em uma revista científica, um relatório recente trazia a alegação de que era possível distinguir entre o cérebro de um conservador e o de um liberal pela FMRI. Eu fico com vontade de gritar quando leio essas coisas. O estudo envolvia número muito pequeno de pessoas e informava muito pouco sobre o processo mental subjacente à formação de nossas opiniões políticas.
P. Quando o senhor fala sobre seu trabalho a pessoas que conhece em ocasiões sociais, como reagem?
R. Elas se interessam muito. Há grande fascínio para com a neurociência, porque o cérebro determina quem somos. O problema é que existem todos esses mitos. O mais comum é o de que utilizamos apenas 10% de nossos cérebros. Isso começou com Dale Carniegie, o criador do movimento de autoajuda, mas é completamente falso. A prova é que se qualquer parte do cérebro sofre danos, usualmente surgem sintomas sérios. Uma redução de 5% seria terrível.
A segunda coisa que me perguntam é se fazer sudoku os ajudará a manter a mente em forma. Respondo que não, mas que exercícios físicos podem ajudar. Depois querem saber se tocar Mozart para um bebê vai torná-lo mais inteligente. Digo que os bebês são bons em aprender com o seu ambiente, mas apreciar Mozart vem mais tarde.
P. Retomando a sua decisão juvenil de abandonar a Física pela neurociência. Algum arrependimento?
R. Nunca. Meus pais, que eram imigrantes, não compreenderam, na época. Agora meu pai se orgulha de mim. Mas minha mãe realmente queria que eu fosse médico. Mesmo depois que conquistei meu doutorado ela continuava querendo. Uma vez me mandou um folheto de uma escola de medicina no Caribe onde eu poderia me tornar médico em apenas um ano.
Ela morreu alguns anos atrás. Nunca conseguir explicar direito a ela o que faço. Esse foi um dos motivos para que eu escrevesse "Welcome to Your Brain". Queria demonstrar de que forma a neurociência se manifesta na vida cotidiana.