Surfistas brasileiros sobrevivem a tsunami em praia chilena das ondas gigantes

Os dois estavam em Pichilemu, praia chilena famosa por suas “ondas mutantes”, que aparecem por vezes e chegam a oito metros.

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O gaúcho Marcelo Sanvicente se apavorou e achou que o maremoto viria. O catarinense Ricardo Bordin estava descrente e subiu o morro bem devagar. Os dois estavam em Pichilemu, praia chilena famosa por suas ?ondas mutantes?, que aparecem por vezes e chegam a oito metros. Paradoxalmente, o que eles encontraram por lá foi um tsunami que atingiu a costa sul-americana há exata uma semana.

Marcelo dá o seu relato: ?Era o primeiro terremoto da minha vida, não sabia a dimensão daquilo. Fui falar com a administradora do hotel. Como ela estava em pânico, chamei os outros para subir para uma parte alta. A lua estava cheia, e o mar, calmo. De repente, uma massa de água se lançou em direção a terra. Era uma onda devastadora que cobriu uma duna. Nesse momento, a administradora surtou e, no lugar de subir o morro com o carro, pegou o sentido contrário e foi de frente para a mar. A sorte dela é que pegou a última onda. Depois, dormimos aquela noite no morro ao relento, só com a roupa do corpo, escutando a rádio local narrar o desastre e aquecidos pela fogueira. No dia seguinte, só não surfei porque o mar estava calmo.?

O maremoto arrasou 20 construções, entre restaurantes, casas de aluguel e quiosques.

A lista inclui uma ?escuela de surfe?, cuja placa com um ?wellcome? escrito em grafia errada estava jogada em meio dos destroços amontoados na praia.

A decoração sobre a típica areia cinza inclui geladeira de picolés, um motor de lava-roupas, privadas em cacos, esqueletos de guarda-sol. Para completar o cenário, cães vadios, gaivotas e abutres disputavam os caranguejos apodrecendo como vítimas não contabilizadas do maremoto.

Uma placa com o lembrete ?não jogue lixo? parece um entulho a mais na paisagem. E a coleção de pranchas rachadas compete com as algas. Uma das casas de madeira tombadas ainda ostenta uma placa de ?vende-se?, pendurada antes de sua desvalorização recente.

Um bar modernoso virou só carcaça. Dentro dele, estão rachadas as quatro jacuzzis com vista para o mar, daquelas para tomar champanhe e desfrutar da água borbulante na taça e na banheira.

Sede de campeonatos internacionais, a praia atrai surfistas de todo o mundo, principalmente norte-americanos e australianos. O UOL Notícias encontrou o canadense Nathan Bond, 25, que foi aprender surfe e espanhol, mas aprendeu também o que é um abalo sísmico. ?Eu estava na discoteca local quando veio o terremoto. Os policiais chegaram ordenando que subíssemos o morro. Eu obedeci?, disse o canadense que havia chegado uma semana antes.

Já o grupo de surfista do sul do Brasil havia chegado no dia anterior, ansioso para ver as ondulações na costa rochosa do Chile. O gaúcho Rafael Rosa tinha vindo antes e recomendado aos amigos, por ser opção barata de encontrar boas ondas. ?É o Peru ou aqui. Ir para o Havaí fica muito caro?, diz Rafael ao resumir a lógica dos surfistas que procuram as praias chilenas.

Todo verão a cidade de 8.000 habitantes atrai 100 mil pessoas. ?Ainda bem que a alta temporada já havia passado. Se fosse em janeiro, seria uma matança por aqui?, disse Viviana Ayala, da Câmara de Turismo da Prefeitura.

Há em Pichilemu uma melancolia de fim de verão. A brisa outonal já corta os bosques de pinheiros e as escarpas cheias de cactus. Só metade das casas de empanadas está aberta, e a barraca de churros nem precisou do maremoto para fechar. A única música é a que sai de um carrossel infantil. Os veranistas se anteciparam ao tsunami e voltaram para Santiago. E apenas sobraram os habitantes e os surfistas.

Outro que saiu antes foi o herói local, Ramón Navarro, considerado o melhor surfista chileno. Na noite do maremoto, ele estava voando para o México, onde ia disputar a primeira etapa do Campeonato Mundial de Ondas Grandes. Só soube da catástrofe quando chegou à cidade de Todos Los Santos e viu os havaianos desesperados pela chegada de um tsunami, que lá chegou como uma marola, mas arrasou o Chile. O pior é que só pôde falar com sua família depois da competição. Ficou em terceiro e voltou para casa com 4.000 filtros de água e três amigos norte-americanos para ajudar os atingidos pelo fenômeno natural.

Sua mulher, a filha e muitos surfistas, incluindo o campeão nacional, Diego Medina, correram para sua casa, que fica na parte alta de Punta de Lobos, praia vizinha a Pichilemu. ?Meu carro está sempre apontando para o morro. Tremeu a terra, eu corro para lá?, relata Medina, que só perdeu a cerca de sua casa.

Para Navarro, as pessoas também são as culpadas pelo desastre. ?Sinto pena que os chilenos não conheçam seu mar, quando se deve saber viver com ele. Se você constrói uma casa na areia, ela é parte do mar. São terrenos roubados do mar. Existe muita ignorância na costa?, queixou-se Ramon para a imprensa chilena.

Filho de pescador, ele nasceu em Pichimelu, um balneário que data do século 19. Dessa época, o hotel Ross não resistiu ao terremoto e retorceu ainda mais seu estilo art nouveau. Já o belvedere perdeu seus balaustres para a fúria marinha. Desde aquela época vem a atração local de piscinas de água de mar aquecida, afinal, é um calafrio entrar no Oceano Pacífico nestas latitudes e as pessoas querem se banhar em temperaturas tropicais, não glaciais.

À noite, como quando chegou o maremoto, o vento é frio, e os surfistas costumam fazer fogueiras em luaus na praia, apesar das placas proibindo. Foi uma delas que o policial militar José Arévolo teve de dispersar com um alerta de tsunami. ?O mais difícil foi avisar uns 30 jovens que estavam tocando reggae no violão à beira de uma fogueira. Tive que me aproximar e brigar. Caso contrário, não se mexiam de lá?, contou o carabinero de Pichilemu.

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