Daqui a três semanas, o Papa Francisco abrirá as portas do Vaticano para receber bispos do mundo inteiro. A pauta do sínodo — como é conhecido o encontro, que se prolongará durante todo o mês de outubro — é a Amazônia, que, devido à sequência de desmatamentos e queimadas, tornou-se onipresente no noticiário mundial recente.
Distribuída por nove países, a floresta é a casa de 34 milhões de pessoas, das quais 3 milhões de indígenas, de 390 grupos étnicos. O atentado à sua subsistência é uma das principais preocupações da Santa Sé . Outra é a presença dos religiosos na região.
Secretário especial do sínodo, o monsenhor peruano David Martínez ressalta que "não queremos ser uma Igreja de visita". Por isso, em um documento preparatório, a assembleia sugere dar "um rosto amazônico" à catequese , capacitando os indígenas a catequizarem dentro de suas comunidades. Desta forma, superariam a dificuldade de acesso dos sacerdotes.
— Os bispos mostraram que havia uma certa debilidade em manter-se constantemente em um local — explica Martínez. — Queremos que essas populações indígenas assumam papel de artífices da Igreja. Que não são sejam apenas receptores da mensagem, mas também mensageiros.
Morador de Cobija, na Bolívia, o padre Juan Elias, de 42 anos, conseguia ir, em média, duas vezes por ano à comunidade Tacana, localizada no país, próximo à fronteira com Peru e Rondônia. Elias diz que os moradores o chamam para visitar doentes e fazer a primeira eucaristia das crianças. Neste ano, ele intensificou as visitas aos tacanas —foram seis até agora— e já conta com reforços em sua paróquia.
— Agora, temos mais dois párocos, que também visitam comunidades — revela. — O sínodo aumentará a presença da Igreja ante os indígenas. Estamos perdendo fieis. Em Tacana, dez anos atrás, 80% da população era católica. Hoje, é metade. Muitos tornaram-se protestantes, e já apareceram malandros que se apresentam como pastores evangélicos, tiram dinheiro da população e vão embora.
Segundo o documento que será levado ao sínodo, as comunidades amazônicas são "povos das águas", que dependem da "inundação, refluxo e período de seca". Este processo, porém, está comprometido por práticas como a intensificação do desmatamento e a contaminação de rios por causa da exploração petrolífera e mineral, entre outros fatores.
'Obrigada a poluir'
A economia da comunidade Tacana gira ao redor do cultivo da castanha, entre janeiro e março. O baixo rendimento das castanheiras e o avanço das atividades da estatal de petróleo boliviana YPFB levaram a população a recorrer a atividades ilegais para sobreviver, como afirma Teorísia Castellon, de 37 anos. Ela integra uma cooperativa de famílias que garimpam em águas próximas à comunidade.
— Toda a população se dedica às castanheiras de janeiro a março, mas, depois disso, não há o que fazer —explica. —Tenho cinco filhas, uma na universidade. Preciso de dinheiro para sustentá-la. Sou obrigada a poluir.
O brasileiro Darwin Mosqueira, de 26 anos, também trabalha com a exploração do garimpo. Diante da penúria dos tacanas, ele cogita voltar ao Acre, sua terra natal: – Meu pai veio para cá quando eu tinha 13 anos porque achava que seria mais fácil enriquecer na Bolívia. Agora, é diferente. Estou indeciso entre ficar ou viajar para o Acre, onde soube que houve muitos incêndios.
Dona de um restaurante informal em Los Mercedes, um dos quatro territórios tacanas, Lutero Cartagena, de 31 anos, cultiva mandioca e sabe que as refeições que serve estão contaminadas com mercúrio. — O governo veio aqui há seis anos e nos prometeu água potável. Até agora, nada.
Um dos retratos da depredação da Amazônia por "grandes interesses econômicos" —na definição dos organizadores da assembleia dos bispos— é a Transoceânica, uma rodovia que integra o Brasil ao Oceano Pacífico, passando pelo Peru.
No país andino, a via passa ao largo da reserva natural Tambopata. Na última década, mais de cinco mil mineiros instalaram-se ali, transformando a floresta em crateras.
— Recuperar um centímetro de profundidade do solo pode demorar até cem anos. Imagine o estrago provocado pelo garimpo, que removia até 30 centímetros em um dia só — lamenta o agrônomo Juan Carlos Navarro. —Somente este ano, em fevereiro, houve uma operação militar para retirar estes mineiros, mas eles simplesmente atravessaram a Interoceânica e começaram a prejudicar o solo do outro lado, que não é uma reserva natural.
A poucos quilômetros de distância do garimpo, o povoado indígena Arazaire teme efeitos que podem estar ligados à chegada da rodovia, como o aparecimento de criminosos.
— Perdemos 10 hectares de nosso território para a Interoceânica. Nosso rio está contaminado de mercúrio usado em mineração — lamenta Marcia Tije, de 51 anos, a terceira das seis filhas de José Tije Huaraho, de 83; elas dividem a liderança da comunidade. — Com as mudanças climáticas, tivemos de adaptar o uso do nosso solo. Agora, não podemos cultivar constantemente na mesma área, sob o risco de desgastá-la.
O monsenhor Martínez lembra que os problemas na Amazônia têm conexão com o resto do mundo não apenas pelos seus efeitos, mas pelas causas, que ele atribui ao estilo de vida atual.
— Os problemas que se manifestam aqui são visíveis em todo o mundo, como a conexão entre gasto de energia e o consumo indiscriminado de produtos minerais. E, no final, a culpa cairá sobre um terceiro, provavelmente um pobre que está no meio da serra peruana tentando sobreviver.
Identidade Cultural
Ele revela que, desde o início do século XX, missionários europeus tentam atenuar os males causados pela indústria da borracha à população indígena.
— Foi uma intervenção patética e desastrosa (na cultura dos nativos) — avalia. — Os povos indígenas já passaram por situações terríveis. Demorou muitos anos até encontrarem suas vozes. Fico feliz em ver que agora estão cada vez mais preparados para contar suas histórias. Alguns são políticos, educadores, profissionais de saúde.
O documento preparatório do sínodo ressalta que a ocupação demográfica da Amazônia foi marcada pela colonização e escravidão indígena, forçando povos a se refugiarem no interior da selva. Foi o caso da tribo Arahuaca, que, na primeira metade do século passado, deixou o Norte do Peru e instalou-se em outros três pontos até chegar, na década de 1980, à reserva de Boca Pariamanu, no Sul do país.
Os arahuacas foram escravizados na cultura de produção da borracha e, depois, perseguidos por uma tribo rival. Formada por cerca de cem pessoas, a comunidade dividiu seu território de 4.300 hectares para diversos fins, como a agricultura, conservação florestal e turismo. Ainda assim, convivem com outras ameaças que também serão debatidas no sínodo, como a perda da identidade cultural. A população local tem apenas uma escala primária.
Aqueles que avançam nos estudos são levados para um internato em uma cidade próxima, e já houve casos de estudantes que se envolveram com drogas. —Não confiamos em pessoas que não conhecem a nossa realidade — admite Adela Sherly, de 23 anos, mãe de Valesca, de 4. – Também estamos perdendo nosso idioma. Só cinco pessoas o conhecem. Outros têm preguiça de aprender.