Pressionadas, as grandes empresas de tecnologia como Google e Facebook têm anunciado medidas com as quais prometem minimizar o problema da desinformação espalhada em suas plataformas, em especial na eleição do Parlamento Europeu, em maio. As iniciativas, porém, são consideradas insuficientes por especialistas e pela Comissão Europeia, que nesta terça-feira (29) disse que as companhias, principalmente o Facebook, precisam fazer mais para combater a disseminação de notícias falsas ou terão de enfrentar a regulação. No caso da empresa de Mark Zuckerberg, o aviso é mais enfático, justamente um dia depois de a rede social alardear, mais uma vez, uma série de iniciativas para combater as fake news.
Na divulgação sobre os primeiros relatórios dos signatários do Código de Prática sobre Desinformação – Google, Facebook, Twitter, Mozilla e associações que representam o setor publicitário –, de outubro de 2018, a Comissão Europeia mostrou que não caiu na conversa do Facebook. Assinalou que, no geral, houve avanços, tais como a remoção de contas falsas e a limitação da visibilidade de sites que promovem a desinformação. No entanto, destacou o órgão executivo da União Europeia (UE), são necessárias medidas adicionais para garantir a total transparência dos anúncios políticos até ao início da campanha para a eleição do bloco. Em 2019, haverá ainda pleitos locais na Bélgica, Dinamarca, Estônia, Finlândia, Grécia, Polônia, Portugal e Ucrânia.
Coube a Julian King, comissário europeu de segurança, mandar um duro recado ao seu compatriota Nick Clegg, o ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido recém-nomeado diretor de assuntos globais do Facebook, que na segunda-feira (28) anunciou medidas que incluem até mesmo um "sala de guerra" contra notícias falsas, em Dublin, na Irlanda, nos moldes da montada para as eleições no Brasil e nos Estados Unidos, no ano passado, que mostrou ser muito mais uma ação de marketing do que uma arma verdadeiramente letal à desinformação.
King foi ácido ao se referir às medidas do Facebook e deixou clara a sua frustração com a empresa do Vale do Silício. "O ideal, o que teria sido ainda melhor, é que eles [Facebook] tivessem sido capazes de informar essas medidas para nós como parte do processo de relato [dentro do previsto pelo código assinado no ano passado]”, disse. O ideal, enfatizou o comissário, é que a companhia norte-americana tivesse fornecido números comparativos de desempenho. “Estamos ansiosos para que eles façam isso".
King reclamou ainda que pesquisadores independentes não têm acesso aos dados do Facebook – "Precisamos fazer algo sobre isso" – e que o site ainda hospeda contas falsas em demasia. "O Facebook está trabalhando com verificadores de fatos terceirizados; e isso é ótimo", disse. "Mas eles estão fazendo isso em sete estados-membros. Precisamos fazê-lo em todos os estados-membros."
De forma geral, o comissário disse que a UE continua preocupada com o ritmo do progresso que, nessas questões, precisa ser mais rápido. “Não podemos nos dar ao luxo de acordar depois da eleição para descobrir que poderíamos e deveríamos ter feito mais. Precisamos agir agora", afirmou. “Os signatários tomaram medidas, como dar às pessoas novas formas de obter mais detalhes sobre a origem de uma história ou anúncio. Agora, devem se certificar que essas ferramentas estejam disponíveis para todos na UE, monitorar sua eficiência e se adaptar continuamente aos novos meios novos meios para disseminar a desinformação. Não há tempo a perder”, reforçou Andrus Ansip, comissário do bloco europeu para o mercado digital.
Sistema de alerta rápido
A preocupação é tanta que a UE pretende lançar um sistema de alerta rápido para detectar notícias falsas, dentro do “Plano de Ação” global contra a desinformação anunciado no ano passado. O projeto tem por base uma “plataforma digital segura”, com as informações apresentadas em “fontes abertas” para impedir “tentativas coordenadas de agentes estrangeiros” para manipular o debate político. “O sistema estará pronto por volta de março”, disse a porta-voz da Comissão Europeia, Maja Kocijancic.
Está prevista também a criação de uma rede de verificadores de fatos, a partir de um financiamento inicial de 2,5 milhões de euros. “Dois terços dos europeus estão preocupados que seus dados pessoais sejam usados para dirigir as mensagens políticas que veem [nas plataformas]”, lembrou Julian King em discurso no final de 2018. “Não podemos permitir que a internet se torne um faroeste onde vale tudo.” O sucesso dos projetos, porém, depende da colaboração de empresas como Google, Facebook e Twitter.
Passos para trás
Nas críticas que fez nesta terça-feira ao Facebook, King não fez referência explicita aos problemas da rede social com iniciativas que garantem mais transparência. Mas eles existem. No fim do ano passado, o jornal The Guardian informou que integrantes e ex-integrantes do projeto disseram que a colaboração produziu resultados mínimos e que perderam a confiança no Facebook.
A empresa, segundo esses profissionais, recusou-se repetidamente a divulgar dados significativos sobre os impactos de seu trabalho, o que seria motivo suficiente para romper o acordo. "Eles não estão levando nada a sério. Estão mais interessados em parecer bem e passar a responsabilidade adiante. Eles claramente não se importam [com as ‘fake news’], disse Brooke Binkowski, ex-editora no Snopes, um dos sites de verificação de fatos parceiros do Facebook. Na semana passada, o site Poynter relatou que o conteúdo de memes cuja falsidade é atestada por verificadores pode ser replicado sem a devida marcação de que é falso.
Recentemente, o Facebook fez outra alteração que, na prática, inviabilizou o trabalho feito por ONGs para monitorar anúncios políticos e denunciar possíveis irregularidades. Uma dessas organizações é a ProPublica, que desenvolveu uma ferramenta para permitir que o público veja exatamente como os usuários do Facebook estão sendo direcionados pelos anunciantes.
Há um ano e meio, a organização sem fins lucrativos com sede em Nova York que produz jornalismo investigativo de interesse público, vem construindo um banco de dados pesquisável de anúncios políticos e dos segmentos da população que os anunciantes estão pagando para alcançar. Isso foi feito a partir do recrutamento de milhares de voluntários que instalaram uma extensão de navegador da web.
Em um comunicado à ProPublica, o Facebook disse que a mudança foi feita para simplesmente impor seus termos de serviço. “Melhoramos regularmente as formas como impedimos o acesso não autorizado de terceiros, como plugins de navegadores da Web, para manter as informações das pessoas seguras", disse a porta-voz do Facebook, Beth Gautier. "Essa foi uma atualização de rotina e aplicada a plugins de bloqueio de anúncios e de anúncios, que podem expor as informações das pessoas a agentes mal-intencionados da maneira que eles não esperavam." Mas o mais recente movimento do Facebook, informou a ProPublica, afetou também a extensão desenvolvida pela organização. Além disso, a mudança ocorre alguns meses depois que executivos do Facebook pediram à organização para encerrar seu projeto de transparência de anúncios.
Em paralelo, o Facebook lançou um arquivo de anúncios políticos norte-americanos, que a empresa diz ser uma alternativa à ferramenta da ProPublica. No entanto, afirmou a organização, o arquivo de publicidade do Facebook está disponível somente em três países, não divulga dados importantes de segmentação e não inclui todos os anúncios políticos veiculados nos Estados Unidos. Apenas neste mês, a ProPublica diz ter notado quatro grupos exibindo anúncios que não estão no arquivo do Facebook.
Tática da consolidação
Outras mudanças e intenções reveladas pelo Facebook nos últimos dias têm recebido críticas, tal como a ideia de integrar WhatsApp, Instagram e Facebook Messenger. “Mais uma vez, Mark Zuckerberg parece priorizar seus próprios objetivos em prol da consolidação do poder sob a população e seus dados”, disse o senador democrata Richard Blumenthal ao The Verge. A medida também foi criticada por reguladores da União Europeia.
Embora cada um dos aplicativos permaneça, por enquanto, independente, a junção tem um objetivo principal, escreveu o editor do site Monday Note, Frederic Filloux: tornar impossível a separação do gigante social. Nos últimos anos, destacou o jornalista, a Facebook Inc. conseguiu integrar discretamente sua máquina de publicidade. “Uma integração de todas essas infraestruturas é provavelmente uma tentativa do Facebook de superar os reguladores norte-americanos e europeus”, afirmou Filloux.
A tática de consolidação é, segundo o editor do Monday Note, bem conhecida entre os gigantes da tecnologia. Algumas semanas atrás, Richard Kramer, fundador da Arete Research, comentou sobre como o Google unificou boa parte de seus negócios, permitindo que anunciantes comprem um pacote – YouTube, busca, Google Maps e outros serviços – de maneira unificada. “Agora vemos isso acontecer no Facebook, aproximando os componentes da plataforma. O Facebook está passando de uma empresa de produtos para uma empresa de plataforma que será difícil de desagregar”, disse Kramer.
Democracia direta
Frederic Filloux, entretanto diz que a novidade do Facebook que parece ser mais nociva é o serviço para que seus usuários possam criar petições online: Ações da Comunidade. O recurso, informou o site especializado em tecnologia e comunicação TechCrunch, começará a ser distribuído primeiro nos Estados Unidos e permitirá que os usuários marquem em suas petições funcionários e organizações públicas. A rede social diz que o sistema, que competirá com sites como o Change.org, permitirá que as pessoas advoguem “por mudanças em suas comunidades e se associem a autoridades eleitas e agências governamentais para chegar a soluções para os problemas da comunidade”.
Na mira do Facebook, disse Filloux, está o Change.org e seus 200 milhões de usuários. E algo parecido ao que a Snap Inc. experimentou alguns anos atrás quando a empresa não estava disposta a vender seu negócio ao Facebook pode se repetir. “O resultado de sua recusa foi que Zuckerberg está sufocando a empresa até a morte”, afirmou o jornalista, para em seguida alertar que o maior problema não é esse.
Neste momento, disse o jornalista, em todos os países que lidam com a nova onda de populismo, a maior preocupação é a defesa da democracia representativa contra o conceito de referendos populares em que qualquer grupo de cidadãos poderia lançar o que vier à mente para uma votação pública. “A consequência mais terrível seria ver as leis fundamentais que resistiram a oscilações políticas serem colocadas na urna de maneira manipulada”, advertiu.
Filloux salientou que, visto da sede do Facebook, o serviço Ações da Comunidade será usado para pressionar por um banco de parque ou um novo sistema de coleta de lixo, e haverá advogados que traçarão diretrizes precisas e globais para evitar qualquer abuso. Mas os grupos de interesses mais extremos e organizados irão aproveitar a plataforma com propostas relativamente mundanas que, de fato, carregam uma agenda oculta. “Veremos uma quantidade considerável de legislações que foram tomadas como certas graças a décadas de processos democráticos sendo reconsiderados por grupos que se aproveitam de tendências ou emoções populares. Todos podem ver a estrada escura e torcida à frente. Menos, aparentemente, o Facebook”. A única resposta da rede social, disse o jornalista, é se tornar o vetor do movimento de democracia direta. “As ações recentes do Facebook são um exemplo perfeito de puro cinismo ou desconexão da administração do Facebook com a realidade do mundo”.