Com câncer em estado terminal, uma jovem americana, de 29 anos, anunciou que dará fim à sua vida em 1º de novembro de 2014. Brittany Maynard sofreu fortes dores de cabeça durante um ano. Em janeiro deste ano ela ouviu dos médicos a informação de que tinha câncer no cérebro.
Apesar de ter recebido tratamento durante meses, sua saúde continua a piorar. Por isso, ela decidiu seguir um caminho diferente.
"Depois de meses de pesquisas, minha família e eu chegamos a uma conclusão dolorosa: não existe um tratamento que possa salvar minha vida, e os tratamentos que me foram recomendados destruiriam o tempo que me resta", ela disse em um artigo que escreveu para o site da emissora CNN.
Maynard disse que, conforme seu câncer for piorando, ela pode vir a sentir dores terríveis, que mesmo as drogas mais fortes talvez não sejam capazes de aliviar.
"Posso desenvolver resistência à morfina e sofrer mudanças de personalidade, além de perdas verbais, cognitivas e motoras", afirmou.
"E, como o resto do meu corpo é jovem e saudável, posso vir a sobreviver fisicamente por um longo período, mesmo que o câncer já tenha destruído minha mente. Provavelmente, passaria semanas ou até meses sofrendo no hospital. E minha família teria de assistir a isso."
Permissão para morrer
Maynard e seu marido se mudaram da Califórnia para o Estado do Oregon - um entre cinco Estados americanos onde o suicídio com assistência de médicos é permitido.
Após se estabelecer como residente no local, ela teve de provar que tem menos de seis meses de vida.
Agora, a paciente possui uma receita médica para as drogas que usará para morrer.
Em seu artigo, ela escreveu que pretende tomá-las no dia 1º de novembro, dois dias após o aniversário de seu marido.
Maynard compartilhou sua experiência com a entidade sem fins lucrativos Compassion & Choices, que faz pressão por uma legislação que legalize a eutanásia.
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Ela também lançou uma campanha na mídia onde explica a situação junto com sua família. A campanha inclui um vídeo publicado no YouTube.
Em um determinado momento do vídeo, Maynard é vista abrindo a bolsa e retirando dois vidros que, presume-se, conteriam medicamentos para dar fim à sua vida.
"Quando eu precisar, sei que estão aqui", ela diz para a câmera.
O vídeo foi visto mais de 5,6 milhões de vezes.
Ela diz que se sente aliviada sabendo que tem a opção de morrer "nos próprios termos" e quer que outros na mesma situação tenham acesso a esta alternativa.
A campanha de Maynard reacende a polêmica sobre a moralidade do suicídio auxiliado por médicos e a perspectiva de que haja mais legalizações da prática nos Estados Unidos.
"Talvez Maynard não leve seu plano a cabo no dia 1º de novembro. Estatisticamente, a maioria dos que obtêm medicamentos para dar fim à própria vida não os utiliza, embora quase todos relatem sentir-se tranquilos sabendo que têm os comprimidos em mãos", escreve Meghan Dawn no jornal Los Angeles Times.
"Mas como ela compartilhou sua decisão com o mundo, seu legado será uma contribuição crucial para discussão a respeito de como vivemos - e morremos".
O especialista em bioética Arthur Caplan diz que a história de Maynard tem o potencial de mudar a forma como muitas pessoas, particularmente os mais jovens, vêem a questão.
"Uma geração inteira está agora olhando para Brittany e se perguntando por que seus Estados não permitem que médicos receitem doses letais de drogas para quem está morrendo", Caplan escreveu para a BBC News.
"Brittany está tendo e terá um grande impacto sobre o movimento para que medidas sejam apresentadas a eleitores e legisladores".
Capla acredita que opiniões em torno da questão do suicídio assistido podem mudar rapidamente, da mesma forma como mudaram em relação ao casamento entre homossexuais.
Reações
O blogueiro Matt Walsh escreveu na revista americana The Blaze que Maynard é "uma porta-voz muito convincente em prol do suicídio".
No entanto, ele afirma estar preocupado com a reação que ela despertou na imprensa e nas mídias sociais, onde foi unanimemente elogiada por sua coragem e postura.
"Fico aterrorizado ao pensar que meus filhos crescerão em uma cultura que venera abertamente o suicídio, com tanta paixão", ele escreve.
"Se você está dizendo que é digno e corajoso que uma paciente com câncer se mate, o que você está dizendo aos pacientes que não se matam?", indaga o jornalista.
Várias pessoas com doenças em fase terminal se pronunciaram sobre o assunto, oferecendo uma posição crítica em relação à decisão de Maynard.
"O aspecto mais difícil de um diagnóstico terminal é não saber quando se morrerá", escreve Maggie Karner, que também recebeu um diagnóstico de câncer agressivo no cérebro.
Mas Karmer diz que políticas públicas em relação ao suicídio auxiliado por médicos não deveriam ser centradas em casos extremos, como o seu e o de Maynard.
O poder (de determinar) vida e morte deve permanecer nas mãos de Deus, ela escreve.
Outra paciente, Kara Tippetts, que publicou um livro e tem um blog onde narra sua experiência com um câncer de mama em estado terminal, escreveu uma carta aberta a Maynard pedindo que ela reconsidere sua decisão.
"O sofrimento não é a ausência do bem, não é a ausência da beleza, mas talvez possa ser o lugar onde a beleza verdadeira possa ser conhecida", ela escreve.
"Contaram uma mentira para você, uma horrível mentira ao dizerem que a sua morte não será bonita, que o sofrimento será grande demais".
Ela diz que médicos que receitam remédios para pôr fim à vida de pacientes estão dando as costas ao juramento de Hipócrates, um juramentop solene feito por médicos em suas cerimônias de formatura.
Um dos trechos do juramento diz: "Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém".
Tippetts conclui: "Serei parceira do meu médico na minha morte, será uma jornada bela e dolorosa para nós todos. Mas, ouça-me - não é um engano - a beleza nos encontrará naquele último respirar".
Segundo registros, 1.173 pessoas já se valeram do Death with Dignity Act (Ato pela Morte com Dignidade) para solicitar receitas de drogas letais no Estado do Oregon.
Deste total, 752 pacientes usaram medicamentos para morrer.
Maynard diz que planeja gravar um depoimento em vídeo para os legisladores da Califórnia, que nesse momento discutem uma lei similar para regulamentar o suicídio com auxílio médico.
Se tudo seguir conforme seus planos, há grandes chances de que sua mensagem seja entregue aos legisladores postumamente.
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