Há cerca de um ano, o brasileiro André Ryuji Abe Lage, 14, e um grupo de amigos foram detidos pela polícia por atos de vandalismo - eles picharam muros e quebraram vidros da janela de um prédio na cidade de Ikeda, província de Gifu, região central do Japão.
Como ainda tinha 13 anos na época, ele não foi a julgamento. Mas recebeu como punição seis meses de visitas periódicas, junto da família, a uma clínica psicológica.
André não entrou para as estatísticas policiais. Mas poderia se não fosse a intervenção dos pais, professores e até da própria polícia.
"Entendi que o que estava fazendo era algo errado e que poderia cometer crimes mais graves no futuro", contou o jovem à BBC Brasil.
Segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Polícia, no primeiro semestre de 2011, 54 jovens brasileiros entre 14 e 19 anos de idade foram julgados no Japão.
Dentre os crimes, um foi considerado hediondo, 34 foram furtos e o restante foi classificado como envolvimento com drogas.
No mesmo período, segundo registros, entre mais de 90 mil menores detidos em todo o Japão, 360 eram estrangeiros.
O número, apesar de ser muito pequeno em relação aos infratores japoneses, é representativo por ser o menor em dez anos.
Durante uma década, de 2001 a 2010, os brasileiros lideraram o ranking de delinquência juvenil por nacionalidade, à frente de chineses e coreanos.
Em 2002, ano em que a curva de criminalidade brasileira atingiu seu ápice, 406 adolescentes brasileiros foram alvo de inquérito policial.
Desde então, o número foi caindo ano a ano. No primeiro semestre de 2010, por exemplo, um total de 81 jovens brasileiros foi levado a julgamento.
CRISE ECONÔMICA
Mas a maior queda aconteceu após a crise econômica de 2008/2009, quando mais de cem mil brasileiros voltaram para o Brasil.
Em 2007, havia 316.967 brasileiros residentes no Japão. Em 2009, o número caiu para 297.456 e, segundo os últimos dados do governo, reduziu-se ainda mais em 2011, totalizando 215 mil brasileiros.
Segundo dados de 2006, havia 18.150 brasileiros com idade entre 15 e 19 anos no Japão. Esse número caiu para 10.326 em 2010.
No entanto, para Angelo Ishi, sociólogo e professor da Universidade Musashi, não se pode limitar a causa da queda no número de delitos cometidos por jovens brasileiros à redução populacional.
"Um número maior de pais se conscientizou sobre a necessidade de se comunicar mais com os filhos, e também de monitorá-los", sugeriu o estudioso à BBC Brasil.
"Outra explicação é de que os jovens perceberam que a polícia japonesa é extremamente eficiente para prender quem comete um crime."
Maria Shizuko Yoshida, 59, presidente da Associação das Escolas Brasileiras no Japão (AEBJ), lembra também que o tempo médio de permanência do brasileiro no país aumentou em relação ao passado, o que facilitou a adaptação à sociedade japonesa.
"Sentir-se mais inserido significa entender melhor as regras, os costumes e a cultura e dominar melhor o idioma falado no país", explicou.
Outros fatores, como programas de reinserção escolar do governo japonês, prevenção de crimes pela polícia japonesa e projetos de organizações sem fins lucrativos também contribuíram para a queda.
"Todos os projetos, tanto os de iniciativa pública como privada, contribuíram de alguma forma. Se não foram capazes de ajudar diretamente a queda, no mínimo, serviram para prevenir um possível aumento na delinquência e criminalidade", lembrou Ishi.
CAUSAS
A religiosa Yoshico Mori faz, há mais de dez anos, visitas mensais ao Reformatório de Kurihama, na província de Kanagawa, lugar que já chegou a abrigar mais de 30 brasileiros em meados da década de 2000.
"Hoje, graças a Deus, tenho apenas dois jovens para visitar por mês", disse aliviada.
Num caso recente, ela ajudou um jovem de 19 anos, recém-saído do reformatório, e que estava sendo deportado. O rapaz foi encaminhado para um albergue em São Paulo, que o ajudou a conseguir emprego.
"Ele teve mais de cinco pais diferentes durante sua vida e, no tempo em que ficou preso, a mãe não o visitou e nem quis ajudá-lo na volta ao Brasil", lamentou Yoshico.
Para a voluntária, que criou o Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão (Sabja) em 1998, a principal causa da criminalidade juvenil brasileira no país é justamente a desestruturação familiar.
"Muitos vieram para o Japão pensando apenas no trabalho e no dinheiro e acabaram deixando a família em segundo plano", opinou.
Ishi concorda. "Muitos pais taparam o sol com a peneira ao acreditar que o fato de deixarem as crianças sob cuidados de terceiros, ou pior, longe do olhar de qualquer adulto, não traria consequências graves."
Ele explica que a sociedade japonesa gira em torno do ambiente escolar. "Então a criança tem de encontrar seu espaço na escola ou ela fica literalmente deslocada, marginalizada do sistema."
E o sociólogo vai mais longe. Para ele, todos têm a sua parcela de culpa. "O governo japonês também não criou uma política migratória abrangente ao abrir as portas para os brasileiros em 1990, ou seja, fingiu não estar enxergando que os decasséguis tinham filhos e que precisavam de educação como qualquer outra criança."
MAIORIDADE PENAL
No final de 2001, o Parlamento japonês aprovou um projeto de lei que reduziu de 16 para 14 anos a idade mínima a partir da qual um jovem pode ser considerado criminalmente responsável.
A revisão da lei, originalmente promulgada em 1949, representou uma grande mudança em relação ao objetivo inicial de reabilitar os infratores juvenis, mais do que puni-los.
A modificação foi feita após uma série de crimes brutais que marcaram a sociedade japonesa, todos cometidos por adolescentes. Naquele ano, um estudante de 17 anos matou a mãe a golpes de raquete.
Um mês antes, outro jovem de 17 anos, doente mental, sequestrou um ônibus e matou uma passageira idosa a facadas.
Mas o crime mais marcante aconteceu em 1997, quando um garoto de 14 anos matou um colega de 11. Depois, ele o decapitou e pendurou a cabeça no portão da escola onde estudavam.
Na comunidade brasileira, um dos crimes mais marcantes foi o que envolveu o jovem Herculano Lukocevicius, de 14 anos, espancado até a morte por um grupo de jovens japoneses em outubro de 1997.