No dia 6 de agosto de 2001, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, recebeu um relatório confidencial das ameaças representadas por Osama Bin Laden e sua rede terrorista, a Al Qaeda. O "informe diário presidencial" daquela manhã ? o documento ultrassecreto preparado pelas agências de inteligência dos EUA ? trazia o agora infame título: "Bin Laden está determinado a atacar nos EUA". Poucas semanas depois, em 11 de setembro, a Al Qaeda alcançou aquele objetivo.
No dia 10 de abril de 2004, a Casa Branca, sob o governo Bush, tirou a classificação de "secreto" daquele informe diário ? e somente daquele ? em resposta à pressão da Comissão do 11/9, a qual investigava os eventos que levaram ao ataque.
Membros do governo rejeitaram a importância do documento dizendo que, apesar do título de cair o queixo, tratava-se apenas de uma avaliação da história da Al Qaeda, não o aviso de um ataque iminente. Embora algumas críticas considerassem tal afirmação absurda, uma leitura atenta do documento mostra que o argumento tinha alguma veracidade.
Isto é, a menos que fosse lido em conjunto com os informes diários anteriores a 6 de agosto, os que a administração Bush não divulgou. Embora tais documentos ainda não sejam públicos, eu li trechos de muitos deles, em conjunto com outros registros recentemente rebaixados da classificação de secretos, e cheguei a uma conclusão inevitável: a reação do governo ao que Bush ouviu nas semanas precedentes àquele informe deplorável refletia significativamente mais negligência do que o revelado. Em outras palavras, o documento de 6 de agosto, com toda a polêmica que provocou, não é nem de longe tão chocante quanto os anteriores.
Os avisos diretos a Bush sobre a possibilidade de um ataque da Al Qaeda começaram na primavera de 2001, no Hemisfério Norte. Em 1º de maio, a CIA avisou a Casa Branca a respeito do relato de que "um grupo atualmente nos Estados Unidos" estava planejando uma operação terrorista. Semanas depois, a 22 de junho, o informe diário afirmou que os ataques da Al Qaeda poderiam ser "iminentes", embora a inteligência sugerisse que o intervalo de tempo fosse flexível.
Entretanto, membros do governo consideraram o aviso apenas um ruído. Um funcionário das agências de inteligência e um membro do governo Bush me disseram durante entrevistas que os líderes neoconservadores que recentemente haviam assumido o poder no Pentágono alertavam a Casa Branca de que a CIA fora enganada; segundo essa teoria, Bin Laden estava apenas fingindo planejar um ataque para o governo desviar a atenção de Saddam Hussein, visto pelos neoconservadores como uma ameaça maior.
De acordo com essas fontes, os funcionários da inteligência protestaram, afirmando ser ridícula a ideia de que Bin Laden, um fundamentalista islâmico, conspirasse com Hussein, um leigo iraquiano, mas, mesmo assim, as suspeitas dos neoconservadores terminaram levando a melhor.
Em resposta, a CIA preparou uma análise praticamente suplicando para a Casa Branca aceitar como real o perigo de Bin Laden.
"Os EUA não são o alvo de uma campanha de desinformação de "Usama" Bin Laden", afirma o informe diário de 29 de junho, usando a transliteração governamental do prenome de Bin Laden.
Ocupando mais de uma página, o documento recitava boa parte dos indícios, incluindo uma entrevista daquele mês com um jornalista do Oriente Médio, na qual auxiliares de Bin Laden alertavam sobre um futuro ataque, além da pressão competitiva que o líder terrorista estava sentindo, dado o número de islamistas sendo recrutados pela região separatista russa da Chechênia.
E a CIA repetiu os avisos nos informes seguintes. Agentes ligados a Bin Laden, segundo relato de 29 de junho, esperavam que os ataques planejados para curto prazo tivessem "consequências dramáticas", incluindo grande número de vítimas. A 1º de julho, o informe afirmou que a operação fora atrasada, mas "irá ocorrer brevemente". Alguns informes voltaram a lembrar Bush que a data do ataque era flexível e que, apesar de algum atraso percebido, a investida planejada estava a caminho.
Ainda assim, a Casa Branca não tomou atitudes significativas. Agentes do Centro de Contraterrorismo da CIA ficaram furiosos. Duas pessoas presentes numa reunião do grupo de contraterrorismo, em 9 de julho, afirmaram durante entrevista que um agente sugeriu que a equipe pedisse transferência, assim outra pessoa seria responsabilizada quando o ataque acontecesse. Segundo contaram, a sugestão foi rejeitada porque não haveria tempo para treinar outra pessoa.
Naquele mesmo dia na Chechênia, de acordo com dados de inteligência que analisei, Ibn al Khattab, extremista conhecido pela brutalidade e ligações com a Al Qaeda, declarou a seus seguidores que em breve eles ouviriam ótimas notícias. Em 48 horas, segundo um agente da inteligência, a informação foi repassada à Casa Branca, fornecendo mais elementos em apoio os avisos da CIA. Ainda assim, os alarmes não foram acionados.
Em 24 de julho, Bush foi notificado de que o ataque continuava sendo preparado, mas que este havia sido adiado, quem sabe por alguns meses. Porém, o presidente não achava que os informes sobre ataques potenciais fossem suficientes, segundo declaração de um agente de espionagem, e, em vez disso, solicitou uma análise mais ampla da Al Qaeda, suas aspirações e história. Em resposta, a CIA se pôs a trabalhar no informe de 6 de agosto.
Após o 11/9, membros do governo Bush tentaram rebater a crítica de que haviam ignorado os avisos da CIA, afirmando não terem sido informados quando e onde o ataque aconteceria.
Isso é verdade, até certo ponto, mas a afirmativa não aborda o principal. Durante todo aquele verão, aconteceram eventos que poderiam ter denunciado os planos, se o governo estivesse em alerta máximo.
Na verdade, até mesmo enquanto o informe de 6 de agosto era preparado, Mohamed al Kahtani, saudita que teria recebido um papel a desempenhar nos ataques de 11/9, foi detido num aeroporto em Orlando, Flórida, por um agente alfandegário desconfiado, e deportado a 4 de agosto.
Duas semanas depois, outro conspirador, Zacarias Moussaoui, foi preso por acusações ligadas à imigração em Minnesota após provocar suspeitas numa escola de voo. Porém, os pontos não foram ligados e Washington não reagiu.