Na Rio Innovation Week, Nadia Murad, vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2018, esteve assinando seu livro "Que eu seja a última: minha história de cárcere e luta contra o Estado Islâmico" e ouvindo relatos emocionados de fãs.
Nadia, uma ativista yazidi de 31 anos, sobreviveu ao cativeiro pelo Estado Islâmico em 2014, quando seu vilarejo foi invadido e muitas mulheres foram sequestradas para escravidão sexual. Após escapar e buscar asilo na Alemanha, ela fundou a Nadia’s Initiative, uma organização dedicada a apoiar sobreviventes de violência sexual e reconstruir comunidades afetadas por conflitos.
Em uma entrevista ao O Globo, Nadia refletiu sobre os últimos dez anos de trabalho, destacando a importância do autocuidado, do esporte e do amor em sua recuperação e missão contínua. Nadia esteve no Rio um dia depois do seu sequestro completar 10 anos. Para ela, nunca imaginou estar no Brasil, mas destacou a importância de contar a sua história e conscientizar a população para o problema que ainda é recorrente.
"Nunca, na minha vida, passou pela minha cabeça que um dia eu viria para o Brasil. É uma pena que, por trás disso, haja um motivo infeliz, que foi essa tragédia. Quando recebi o convite para participar da Rio Innovation Week, aceitei no ato, porque é importante que saibam sobre a violência sexual que mulheres e meninas da minha comunidade e de muitas outras são submetidas em situações de guerra. Tenho certeza que no Brasil há muitas pessoas maravilhosas, jovens, que querem nos ajudar a mudar esse cenário".
Murad relatou que sempre gostou de maquiagem e moda, mas a situação vivenciada trouxe impacto na sua autoimagem.
"Cresci amando maquiagem, adoro o universo da beleza. As meninas do meu vilarejo gostavam muito de mim, porque as encorajava a se embelezarem. Tinha o sonho de abrir meu próprio salão. Mas, quando fui capturada, passou a ser algo muito difícil para mim, porque o Estado Islâmico tinha um acervo de maquiagem para as mulheres, mas como um benefício aos homens, para sermos mais comercializáveis no mercado. Fui forçada a ser atraente para me violarem. Isso muda tudo. Deixei de me preocupar com beleza por um tempo depois que escapei do cativeiro, mas sempre foi algo que me fez bem, é onde posso brincar, quase uma terapia. [...] Depois do que aconteceu, passei a preferir vestir peças mais escuras, porque não me sentia segura, escondia-me nelas. Vi que precisava de cores na minha vida, merecia vestir roupas coloridas".
Sobre as situações de violência sofridas por mulheres na Guerra da Ucrânia e no ataque do Hamas a Israel,Murad ressalta o que considera essencial para mudar este cenário.
"Precisamos lutar pelo respeito às mulheres em tempos de paz, fazer com que elas tenham seu direitos básicos garantidos. Só assim poderemos protegê-las em zonas conflito. É hora de ocuparmos espaços e lugares de comando. Os homens têm tomado todas essas decisões por nós e, enquanto isso for uma realidade, não seremos empoderadas o suficiente para nos defendermos."
Casada com Abid Shamdeen, que também é ativista pelos direitos humanos yazidi, ela destaca como foi difícil se abrir ao amor, mas avalia positivamente a oportunidade de encontrar um companheiro que a respeite.
"Felizmente, o Estado Islâmico não conseguiu deturpar minha visão sobre o sexo masculino. Foram os homens que fizeram tudo aquilo comigo, com as minhas irmãs e a minha mãe. Mas, por outro lado, tive irmãos maravilhosos e solidários, que amavam suas esposas, respeitavam nossa mãe e cuidavam de nós. Quem me ajudou a escapar dos terroristas também foi um homem. Tive muita sorte de encontrar o meu marido, que também é um grande amigo. Ele se tornou um irmão mais velho para minhas irmãs e sobrinhas. Acho que, depois de uma experiência de tanto ódio e violência, ser capaz de amar novamente é uma das coisas mais poderosas que podem existir na vida. É transformador."