Os mercados emergentes enfrentam um momento difícil, marcado por preços de commodities em queda, desaceleração do comércio global e menor apetite dos investidores por ações e bônus desses países. A combinação parece formar uma “tempestade perfeita” para essas economias, tendo como pano de fundo a alta iminente dos juros nos EUA e as incertezas sobre o ritmo de crescimento da China, acentuadas pela mudança na política cambial chinesa na semana passada. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que os emergentes vão crescer 4,3% neste ano, o resultado mais fraco desde os 3,1% de 2009, no auge do impacto da crise global.
O diretor-geral-executivo do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Hung Tran, lembra que o dólar mais forte e o temor quanto à expansão chinesa pressionam para baixo a cotação das commodities, produtos com grande peso na pauta de exportação de muitos emergentes. Segundo ele, a mudança promovida pelo banco central chinês, que levou a uma desvalorização do yuan, reforça essa tendência. “São fortes ventos contrários ao crescimento de muitos desses países.”
A expectativa da maior parte dos analistas é que não haja uma grande desvalorização do yuan daqui para a frente. No entanto, a alteração no sistema de fixação do câmbio, que dá maior papel do mercado para definir a cotação da divisa, provocou quedas nos preços de commodities e levou à desvalorização das moedas dos emergentes na semana passada.
Em relatório divulgado neste mês, o IIF se pergunta se esse grupo de países enfrenta uma “tempestade perfeita”, enumerando fatores que conspiram contra o crescimento e afetam as perspectivas para o mercado financeiro. Um deles é a desaceleração do comércio global, que perdeu fôlego desde a crise financeira de 2008. Segundo o IIF, a expansão em 12 meses está na casa de 1,5%, bem abaixo da média anual de 7% de antes da crise.
Com a valorização do dólar e o menor crescimento chinês, as commodities têm sofrido bastante. O FMI prevê que os preços desses produtos ficarão quase 16% menores neste ano do que no ano passado, excluindo o petróleo. Nesse cenário, qualquer enfraquecimento adicional das importações chinesas prejudicará ainda mais os emergentes que exportam esses bens. Em julho, as compras externas da China caíram 8,1%, indicando a falta de força da economia do país.
Com o bom crescimento dos EUA e a perspectiva de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) eleve os juros ainda neste ano, talvez já em setembro, a moeda americana tem se fortalecido. Estudo recente de economistas do FMI mostra que, nos períodos de valorização do dólar ocorridos entre 1970 e 2014, o crescimento dos mercados emergentes se desacelerou. Segundo o relatório, a moeda americana mais forte tem um efeito negativo sobre a renda, reduzindo o poder de compra das exportações, especialmente para quem vende commodities.
À medida que a moeda dos EUA se aprecia, os preços desses produtos em dólar tendem a cair, lembram os autores. Isso ofusca qualquer impacto expansionista produzido pela desvalorização do câmbio nos emergentes, segundo o estudo. O relatório nota que o dólar parece estar num ciclo de valorização desde meados de 2014. “Baseada nas nossas estimativas históricas, a probabilidade do dólar permanecer apreciado no curto e no médio prazos é alta, superior a 80%”, afirmam os economistas Pablo Drick, Nicolas Magud e Rodrigo Mariscal. “Nessas circunstâncias, os preços de commodities tendem a continuar fracos.”
O IIF destaca que está em curso um rebalanceamento da carteira dos investidores, dado o cenário de crescimento mais expressivo nos EUA e de expectativa de alta dos juros pelo Fed. Tran afirma que, nos últimos meses e trimestres, os capitais têm saído de ativos de emergentes, como ações.
O economista do IIF ressalta ainda a elevação do endividamento do setor privado em muitos desses países. Desde 2008, a dívida das empresas não financeiras dos emergentes subiu de 60% para 80% do PIB, com a fatia de títulos em dólar aumentando de 10% a 15% para mais de 40%. Nesse quadro, a valorização da moeda americana e a alta dos juros pelo Fed são riscos para essas companhias. Elas podem ter dificuldade para refinanciar seus débitos, num momento em que muitas veem as suas receitas em dólares encolherem, devido à queda de preço de commodities.
O Barclays, por sua vez, observa que o aperto monetário nos EUA ocorrerá num cenário de enfraquecimento da atividade econômica em muitos emergentes. O Brasil vai bastante mal entre as maiores economias da América Latina, diz o banco. Há ainda sinais de desaceleração em países da Ásia. Reflexo do mau desempenho da China, a atividade manufatureira em países como Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Indonésia está em contração, segundo números do índice dos gerentes de compra (PMI, na sigla em inglês), observa o Barclays. A exceção é a Índia.
Tran afirma que, além desses desafios mais amplos, vários países emergentes importantes enfrentam desafios específicos. No Brasil, a crise política interfere nos esforços de ajuste da situação fiscal, enquanto a Turquia enfrenta um quadro de incerteza política, com politização das decisões econômicas, diz o IIF. A Rússia, por sua vez, sofre com a queda dos preços de petróleo e o efeito das sanções dos EUA e da União Europeia, por causa das tensões com a Ucrânia.
Nesse cenário, é importante adotar políticas econômicas saudáveis para reduzir as vulnerabilidades, como os déficits fiscais e externos e a inflação elevada, assim como promover uma agenda de reformas para melhorar o crescimento, afirma o IIF. Para Tran, a Índia é um exemplo claro nessa direção, assim como a Polônia e as Filipinas.