Após semanas de intensos bombardeios israelenses iniciados em 7 de outubro de 2023, a reconstrução da Faixa de Gaza apresenta-se como um dos maiores desafios de engenharia e assistência humanitária do século XXI. Com uma população de 2,3 milhões, o território viu sua infraestrutura ser devastada por ataques que deixaram mais de 157 mil palestinos mortos ou feridos, a maioria mulheres e crianças.
Além das perdas humanas, a destruição atingiu milhares de casas, escolas, hospitais e sistemas essenciais, agravando a crise humanitária. Acusações de genocídio contra Israel foram encaminhadas ao Tribunal Internacional de Justiça, e líderes como Benjamin Netanyahu enfrentam mandados do Tribunal Penal Internacional.
ESCALA DE DESTRUIÇÃO
A extensão da destruição em Gaza é comparada a tragédias históricas como os bombardeios de Hiroshima e Dresden. Relatórios da ONU indicam que aproximadamente dois terços das construções do território sofreram algum dano.
“Esses 66 por cento dos edifícios danificados na Faixa de Gaza representam 163.778 estruturas no total. Isso inclui 52.564 estruturas que foram destruídas, 18.913 severamente danificadas, 35.591 estruturas possivelmente danificadas e 56.710 moderadamente afetadas”, detalhou um levantamento do Centro de Satélites das Nações Unidas (UNOSAT).
O norte de Gaza foi especialmente atingido, com cerca de 82% das residências destruídas. Paralelamente, 80% a 96% dos ativos agrícolas foram dizimados, comprometendo a segurança alimentar local.
OS CUSTOS DA RECONSTRUÇÃO
Estimativas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) colocam o custo da reconstrução em mais de 40 bilhões de dólares. Apenas a recuperação inicial, focada em serviços básicos, pode consumir de 2 a 3 bilhões de dólares e levar entre três e cinco anos.
Balakrishnan Rajagopal, Relator Especial da ONU sobre Habitação, alertou que, devido às condições impostas pela ocupação e bloqueios, a reconstrução completa pode levar até 80 anos.
ENTULHOS, SEGURANÇA E LOGÍSTICA
Outro obstáculo é a quantidade massiva de escombros, estimada em 42 milhões de toneladas, segundo o PNUMA. Essa cifra supera em 14 vezes o volume de detritos gerados por conflitos regionais nos últimos 16 anos.
“Este é um processo que levará enormes esforços e talvez anos para ser concluído. Equipamentos e combustível devem ser permitidos para ajudar a agilizar a remoção de entulho”, explicou Shaina Low, consultora do Norwegian Refugee Council (NRC).
Além disso, há o risco de munições não detonadas. De acordo com o Serviço de Ação contra Minas da ONU (UNMAS), cerca de 7.500 toneladas de explosivos ainda ameaçam os moradores, e sua neutralização pode levar 14 anos.
DIREITOS DE PROPRIEDADE E MORADIA
Outro ponto crítico envolve os direitos de propriedade. Muitos lotes são historicamente herdados por várias gerações, e a reconstrução precisa levar em conta as necessidades das famílias deslocadas.
“Em prédios de apartamentos de vários andares, a questão será como garantir espaço suficiente para as famílias que retornam quando você não tem espaço vertical”, alertou Low.
UM FUTURO PARA GAZA
A liderança da reconstrução ainda é incerta. Países como Catar, Arábia Saudita e EUA são potenciais financiadores, mas especialistas insistem na centralidade da população local no processo.
“Deve ser um esforço liderado pelos palestinos de Gaza, centrado em seus direitos humanos e necessidades”, enfatizou Low.
Para Fadi Shayya, urbanista e professor, a reconstrução de Gaza precisa preservar sua identidade cultural e histórica, em vez de se transformar em um projeto de mercado que ignore seu passado. “O que foi destruído não foi apenas pedra… mas todo um tecido social e urbano, toda uma paisagem”, concluiu Shayya.