O Fundo Monetário Internacional (FMI) avaliou nesta terça-feira (31) que o sistema financeiro brasileiro permanece saudável e bem regulamentado, enfatizando porém que o governo precisa estar alerta para não ser "vítima do sucesso" das próprias políticas que evitaram efeitos mais graves da crise internacional.
Em uma avaliação periódica do sistema brasileiro, o Fundo disse que o setor "é estável, mas a expansão acelerada do crédito nos últimos anos pode gerar riscos" para a economia.
"Existe o risco de que o sistema financeiro (brasileiro) se torne vítima de seu próprio sucesso", disse o chefe da missão de avaliação, Dimitri Demekas. "A expansão acelerada do crédito nos últimos anos apoiou o crescimento da economia interna e o aumento da inclusão financeira, mas essa expansão também pode gerar vulnerabilidades."
Além disso, o país está "preso" em um cenário de taxas de juros elevadas e prazos curtos que prejudica o financiamento privado de longo prazo, avalia o relatório do Programa de Avaliação do Setor Financeiro (FSAP, na sigla em inglês).
O FSAP é um mecanismo de monitoramento cuja missão foi despachada para o Brasil pela última vez em 2002.
Desde 2010, na esteira da crise econômica, o FMI estabeleceu que a verificação seja obrigatoriamente realizada a cada cinco anos em 25 países de importância "sistêmica", ou seja, onde uma crise financeira tem o potencial de se espalhar para outros mercados.
Sobre o Brasil, o Fundo avalia que o risco sistêmico é "baixo" por causa de regulamentações "sólidas" e dos colchões de liquidez obrigatórios nos bancos. Estas políticas "inteligentes" e proteções embutidas fizeram com que o setor no país superasse "muito bem" a crise mundial iniciada em 2008, avaliou o Fundo.
Entretanto, olhando para o futuro, o país se beneficiará de reformas para "suportar uma variada gama de possíveis choques", nas palavras de Demekas.
A avaliação dos técnicos do Fundo é que, se o sistema financeiro brasileiro foi capaz de suportar com sucesso a crise mais recente, isto não indica que teria igual desempenho em uma crise financeira no futuro.
Financiamento privado
O relatório sugere algumas reformas mais imediatas para aumentar a segurança do sistema e fortalecer os mecanismos de ajuda aos bancos, assim como outras de efeitos mais distantes no horizonte, para "aumentar a contribuição do setor financeiro para o crescimento do Brasil no longo prazo".
Em particular, o Fundo discute um tema "desenvolvimentista", o fortalecimento dos mecanismos de financiamento privado no longo prazo.
Para o FMI, o governo deve repensar a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - que proveu uma espécie de "quase-estímulo fiscal" durante o momento mais difícil da crise, mas que no longo prazo pode acabar sufocando o desenvolvimento do sistema.
"O BNDES deve mudar na direção de apoiar o financiamento com base no mercado e o desenvolvimento do mercado de capitais", avaliam os técnicos.
O relatório reconhece que o banco é um "pilar" do desenvolvimento brasileiro, mas afirma que à medida que a economia do Brasil cresce, "as restrições de financiamento vão limitar cada vez a sua capacidade de ser o único financiador dos investimentos de investimentos de longo prazo".
Para o FMI, o banco pode ajudar a desenvolver o mercado através de financiamentos conjuntos e de uma gradual retirada das operações de financiamento direto de grandes companhias, como a Petrobras e a Vale, capazes de levantar recursos facilmente no mercado.
Dívidas e riscos
É a primeira vez que o Brasil permite a publicação das conclusões do Programa FSAP. Para o FMI, isto reflete a confiança do país no seu crescimento, seu papel como uma das maiores economias do mundo, e inclusive um "amadurecimento" de sua relação com o Fundo.
O Brasil é o segundo país latino-americano a ser avaliado, depois do México.
Os principais riscos são as chamadas "vulnerabilidades domésticas" geradas principalmente pelo crescimento do endividamento dos consumidores.
O relatório lembra que há "indícios" de tensão em alguns setores e classes de ativos, com destaque para o endividamento das famílias e o rápido aumento dos preços dos imóveis nas principais regiões metropolitanas, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Por outro lado, estes riscos são mitigados pelo ainda baixa proporção da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) - algo em torno de 50% -, uma "supervisão bancária robusta" e "elevados níveis de proteção em termos de capital e liquidez nos bancos".
"Mas é preciso manter a vigilância, aperfeiçoar os dados e estar pronto para intervir e controlar essas fontes de aquecimento se necessário", recomendou o relatório.
A avaliação aponta que outra "vulnerabilidade doméstica" poderia vir atrelada à redução dos juros.
"À medida que os juros no Brasil continuarem a cair e se aproximar de níveis internacionais, a demanda dos investidores internos por rendimentos mais elevados altos pode levar a uma subestimação do preço do risco e à formação de bolhas de preço de ativos", disse o relatório.
"Um novo conjunto de riscos pode ser vislumbrado no horizonte, o que exigirá um monitoramento cuidadoso daqui em diante", disse Demekas.
O documento também lembrou que a economia brasileira está suscetível às mesmas vulnerabilidades de outros países emergentes, sobretudo a volatilidade em torno das exportações de commodities.