Mulher tem doença rara cujos ossos se multiplicam dentro do corpo

A doença afeta uma pessoa em cada dois milhões

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Jeannie Peeper, chamada carinhosamente de Pipa, sofre de fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP), doença genética extremamente rara, que afeta uma pessoa em cada dois milhões. A doença promove o desenvolvimento de ossos adicionais em locais onde deveria haver músculos e outros tecidos moles.

A mãe de Jeannie disse que desde cedo percebeu que ela não era como igual aos outros filhos, pois ela não conseguia abrir a boca como os irmãos e começou a sofrer inflamaçõpes na parte posterior da cabeça aos três meses.

"Ela tinha cinco anos quando nos disseram que ela não chegaria à adolescência", conta a mãe da mulher que hoje tem 59 anos.

"Meu marido e eu não sabíamos o que fazer", emociona-se a mãe ao recordar a fase difícil.

Mas Jeannie acabou passando a primeira infância como qualquer outra criança.

"Eu não sabia que tinha um problema até completar oito anos. Lembro perfeitamente que acordei um dia de manhã e não conseguia movimentar a mão esquerda."

"Nossos ossos estão constantemente crescendo e consertando a si próprios. Na verdade, nosso corpo renova o esqueleto totalmente a cada dez anos", explica a médica Gabriel Weston, que apresenta a série de TV da BBC Incredible Medicine (medicina incrível, em tradução livre).

No caso de Jeannie, porém, tal processo está desequilibrado: alguns tecidos de seu organismo, como músculos e tendões, se calcificam e se transformam em osso.

Por isso, qualquer pancada é um perigo para ela - enquanto pessoas comuns ficam com marcas roxas que depois desaparecem, o corpo de Jeannie reage diferente e faz com que cresça um osso sobre outro já existente.

Estas ossificações aparecem nas articulações em locais onde não deveriam estar, fazendo com que o corpo dos doentes fique cada vez mais rígido. 

Jeannie, em 1987, entrou em contato com outras pessoas que sofriam da mesma doença que ela e com isso criou uma comunidade de pacientes que compartilhavam as mesmas questões: queriam saber por que seus corpos eram diferentes e se haveria alguma cura. Eles então procuraram um especialista com respostas e acabaram encontrando um médico que precisava justamente de pacientes para estudar a doença.

Fred Kaplan é um cirurgião ortopédico da Filadélfia, nos Estados Unidos, que se interessou pela fibrodisplasia ossificante progressiva desde o começo da sua carreira médica.

"A FOP é a pior e mais catastrófica doença com a qual me deparei em todos meus anos de formação e residência médica. E não podia fazer nada a respeito", disse Kaplan à BBC.

Foi assim que o cirurgião decidiu dedicar sua vida profissional à investigação dessa rara enfermidade. 

Kaplan visita com frequência o museu Mutter da Filadélfia (EUA) para observar o esqueleto de Harry Eastlack, o paciente com FOP mais conhecido da Medicina, que morreu em 1973, aos 39 anos, e doou seus ossos à ciência.

"Cada vez que vou lá, aprendo algo novo", afirmou Kaplan.

Para poder investigar possíveis causas do transtorno, o médico precisava estudar o maior número possível de pacientes, e o grupo de apoio criado por Jeannie surgiu como oportunidade única.

"Todos os pacientes que vi tinham uma má formação no dedão do pé. O interessante é que esse dedo é a última parte do esqueleto que se forma no embrião", conta Kaplan.

"É como se o corpo chegasse ao final do processo de formação do esqueleto, não fizesse direito essa parte e então decidisse formar um segundo esqueleto", diz o médico.

Análises de ossos de pacientes com FOP mostram que todos têm uma quantidade excessiva de uma proteína envolvida na criação dos ossos.

A produção dessa proteína é determinada pelos genes. Por isso os pesquisadores começaram a considerar que a doença pudesse estar relacionada a um problema genético. 

Conexão inimaginável

Revendo a bibliografia médica existente, Kaplan encontrou um estudo que identificava um gene como o causador de uma doença semelhante, mas em galinhas.

Kaplan estava convencido de que tinha que fazer uma conexão entre aquelas duas enfermidades.

Ele decidiu então examinar o DNA de seus pacientes, para ver se eles apresentavam problema no mesmo gene.

"É o típico momento 'eureca' com que todos os cientistas sonham, mas que poucas vezes se concretiza", disse Weston, apresentadora da BBC.

Mas daquela vez Kaplan encontrou exatamente o que procurava: o mesmo erro nos genes de todos seus pacientes.

"Era como um único erro de ortografia em todo o código genético", resume Weston.

"Uma letra entre seis bilhões. Isso não é uma agulha no palheiro, mas é uma agulha em seis bilhões de palheiros", compara o médico.

"Foi uma descoberta incrível, que mudou tudo", reconhece o pesquisador.

'Não podia acreditar naquilo'

Uma das primeiras pessoas que Kaplan chamou para dar a notícia foi Jeannie Peeper. 

"Eu estava feliz, não podia acreditar naquilo", lembra Jeannie.

"Disse a ele que aquele era o maior presente - a descoberta do gene durante o transcurso da minha vida", continua.

"Acho que ela estava chorando do outro lado do telefone", disse o médico.

Segundo Kaplan, teria sido impossível estudar a doença sem a ajuda de Jeannie.

Graças à determinação de Kaplan e Jeannie houve um grande avanço na compreensão de uma doença muito complexa, e em um intervalo muito curto de tempo.

Embora não haja uma perspectiva de cura, descobrir um tratamento efetivo para a FOP seria apenas o início de muitos avanços médicos. O trabalho de Kaplan pode ser a chave para o desenvolvimento de tratamentos de problemas comuns dos ossos, como fraturas e osteoporose.

"Frequentemente pensamos que as doenças comuns nos ajudam a entender as raras, mas na verdade é o contrário: são as raras que nos ajudam a entender as comuns", disse Kaplan.

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