Há quase 40 anos, o Japão construiu um grande experimento subterrâneo, a um quilômetro de profundidade, na mina de Kamioka. Buscava registrar a desintegração de um próton, algo que a teoria a respeito das partículas elementares do universo diz ser impossível.
A matéria da qual somos feitos nós e tudo o que nos cerca é estável porque os prótons, presentes em todos os átomos, também o são. Entretanto, algumas das teorias que buscam melhorar o modelo atual da física de partículas, de modo a unificar todas as forças do universo – uma tarefa que obcecou Einstein –, dizem que há muito tempo os prótons poderiam se desintegrar.
Para observar aquele fenômeno era necessário introduzir um monte de prótons num entorno onde pudessem ser vigiados. Um próton tem uma vida média de pelo menos 1.034 anos, de modo que observar sua desintegração seria, se é que ela existe, um fato raro.
Uma forma acessível de reunir uma quantidade de partículas que aumentasse as chances de sucesso seria construir um grande tanque de água que, como o resto da matéria, é composta por prótons. Ao seu redor, colocaram numerosos detectores de luz para capturar o rastro da hipotética desintegração.
Observar aquela desintegração teria sido como viajar ao alvorecer do cosmos, quando ainda era extremamente quente, e seria a prova de que, sob energias muito elevadas, as três forças fundamentais que hoje conhecemos – a nuclear fraca, que explica a radiatividade; a nuclear forte, que mantém os átomos unidos; e a eletromagnética – seriam uma só. Entretanto, o projeto, batizado como Kamiokande, não alcançou esse objetivo. No caminho, os cientistas japoneses descobriram o potencial daquele observatório para estudar os neutrinos, e Masatoshi Koshiba, diretor dos experimentos em Kamioka, recebeu o Nobel de Física de 2002 pelo descobrimento, em 1987, dos primeiros neutrinos cósmicos.
Há alguns dias, a revista Nature noticiou que, segundo cientistas que participam do projeto, o Japão vai se lançar novamente ao desafio que não conseguiu completar nos anos 1980. O Governo prevê destinar um investimento superior a 2,7 bilhões de reais para construir o Hyper-Kamiokande, o maior detector de neutrinos do mundo. Seu tanque em forma de tambor, com 71 metros de altura e 68 de diâmetro, terá capacidade para 260.000 toneladas de água extremamente pura. Kamiokande tinha capacidade para 3.000. Além de procurar a desintegração do próton, as dimensões do novo observatório permitirão detectar grandes quantidades de neutrinos procedentes do Sol, de raios cósmicos ou de supernovas, e também de um acelerador de partículas que os produza artificialmente para analisar suas características.
“O projeto tem um potencial, possivelmente, maior que o dos grandes aceleradores atuais”, aponta Luis Labarga, professor da Universidade Autônoma de Madri. Ele é o coordenador da participação espanhola no projeto e já colaborou com o Kamiokande, o primeiro grande observatório de neutrinos japonês.
A partir de agora, como em outros grandes projetos científicos, será buscada uma cooperação internacional. Takaaki Kajita, ganhador do Nobel de Física pelo estudo dos neutrinos com o Kamiokande e líder do Hyper Kamiokande, já teve reuniões com representantes políticos espanhóis, e tanto a Universidade Autônoma de Madri como o Laboratório Subterrâneo de Canfranc (LSC) têm contatos estreitos com os cientistas japoneses. “Não há nada de oficial, mas há interesse mútuo e seria importante nossa participação na construção dos experimentos, que façamos os próprios cientistas e nos quais seja relevante a participação de empresas privadas espanholas, que têm capacidade para isso”, acrescenta.
Juan José Gómez Cadenas, diretor do experimento NEXT no LSC, cujo objetivo é demonstrar que o neutrino é sua própria antipartícula, considera que a aprovação do orçamento para o Hyper Kamiokande “é uma notícia excelente do ponto de vista científico, não só para os japoneses”. As informações obtidas pelo novo observatório poderão ser complementadas com as oriundas do NEXT.
A teoria prevê que no universo primitivo a quantidade de matéria era idêntica à de antimatéria, mas algo aconteceu pouco depois do Big Bang que inclinou a balança a favor da matéria. O estudo dos neutrinos em Canfranc e no observatório nipônico ajudará a explicar por que há matéria e, afinal, por que existe o universo tal qual o conhecemos – incluindo os seres humanos.