Não é exagero dizer que a "Marcha do Progresso”, publicada pela primeira vez em 1965, é uma das representações mais mal-interpretadas de todos os tempos. Muito disso se dá por concepções erradas sobre a teoria da evolução desenvolvida pelo biólogo britânico Charles Darwin.
Para começar, o verdadeiro nome da ilustração é Estrada até o Homo Sapiens e sua versão original conta com 15 integrantes, não apenas seis. A imagem foi criada pelo artista russo Rudolph Zallinger para ilustrar as ideias do antropólogo norte-americano Francis Clark Howell em um dos 25 volumes da coleção literária Life Nature Library.
Na obra, Howell não usa a imagem com intuito de mostrar que os seres humanos evoluíram a partir de macacos e nem queria colocar o Homo sapiens como "a versão final" de uma longa linha evolucionária. Ao contrário: no texto do livro, o antropólogo evidencia sua crença de que as espécies compõem uma "árvore da vida".
Além disso, em sua versão original, a ilustração é apresentada com explicações adicionais sobre cada um de seus integrantes, o que facilita sua interpretação correta. Nessas anotações, inclusive, Howell explica que alguns primatas ali ilustrados nem mesmo estão na linhagem direta de antepassados dos Homo Sapiens.
Com o passar do tempo, entretanto, a imagem começou a ser lida de maneira incorreta. É comum vermos ela sendo utilizada para ilustrar a "transformação" do macaco em humano, passando a ideia de que há uma hierarquia entre os seres vivos na qual alguns organismos são "simples" e outros, "sofisticados". O desenho também dá a impressão de que entre o surgimento de uma espécie e outra há um "salto" evolutivo drástico, ou seja, não há intermediários entre elas.
O principal motivo por trás dessa leitura equivocada é a má compreensão da teoria da evolução de Darwin. Por isso, é essencial entender alguns pontos sobre a seleção natural proposta pelo britânico:
Revendo conceitos
A teoria de Darwin diz que todos os seres vivos têm um ancestral em comum que passou por pequenas mudanças (hoje conhecidas como mutações genéticas). Quando essa alteração era favorável para a sobrevivência do organismo em seu meio, aumentava suas chances de sobreviver e gerar descendentes. Já quando era desfavorável, o ser vivo tinha maior probabilidade de morrer antes de ter filhos, impedido que a mutação fosse passada para outros.
Esse processo ocorreu milhares de vezes por milhões de anos e levou à aparição de inúmeras espécies. As mais adaptadas ao ambiente sobreviveram, geraram descendentes e passaram suas mutações adiante. As menos adaptadas tiveram pouca ou nenhuma prole e foram extintas.
Tendo tudo isso em mente, fica mais fácil entender por que a ideia de "Marcha" está errada. Em primeiro lugar, não existem "saltos" drásticos entre espécies como sugere a imagem: centenas, ou talvez milhares, de pequenas mutações são necessárias durante muitas gerações para que surja uma nova espécie.
Outro erro é a ideia de que a natureza é organizada de forma hierárquica: ela funciona de maneira eficiente e, muitas vezes, a eficiência é sinônimo de "simplicidade", pois aumenta as chances de sobrevivência. Sendo assim, nenhuma espécie é mais "sofisticada" que a outra — todos os seres vivos que prosperam estão no topo de suas linhagens, pois são capazes de sobreviver e gerar descendentes.
Por fim, a ideia de linearidade da "Marcha do Progresso" é muito simplista. Como o próprio Darwin explicou em seus livros, para representar a evolução de uma espécie é preciso considerar as longas linhagens de ancestrais, cujas mudanças passaram por gerações e garantiram sua sobrevivência e reprodução.
Um dos modelos mais utilizados hoje é a chamada árvore filogenética, na qual cada bifurcação representa um ancestral comum entre duas ou mais espécies e cada extremidade mostra a última espécie proveniente na linhagem analisada.