Numa pequena rua escondida atrás de uma movimentada freeway de Pasadena, cidade ao sul da Califórnia, uma casa chama atenção pelo aparente matagal que toma sua entrada e esconde a residência ao fundo. Porém, olhando de perto, não se trata de mato e sim de um jardim urbano de delícias: só da calçada, dá para ver pés de goiaba, sálvia, sabugueiro e até abóbora. As informações são do UOL.
A propriedade de 800 metros quadrados se chama Urban Homestead e guarda quase metade do terreno para plantações. É um espaço pequeno e apertado e, ainda assim, extremamente produtivo. Em 2010, produziu três toneladas de comida, incluindo 90% da dieta vegetariana da família Dervaes, que mora aqui desde 1985.
Hoje, o foco é menos em quantidade e mais na sustentabilidade do negócio: a fazendinha em plena metrópole vende para restaurantes, organiza cestas de orgânicos, recebe escolas e oferece cursos. Na pré-pandemia, fazia entre US$ 5 mil e US$ 10 mil por mês. Com a pandemia, os restaurantes sumiram, mas as cestas triplicaram para 150 por semana.
"É uma missão para minha família", disse a Ecoa Anais Dervaes, 46, que cuida do espaço ao lado dos dois irmãos, Justin e Jordanne. "Somos um modelo para como as cidades deveriam mudar e para o que as pessoas deveriam fazer. Talvez não tanto quanto fazemos, mas o suficiente para estar mais próximo de seus alimentos e não a centenas de milhas de distância."
O patriarca e idealizador do projeto é Jules C. Dervaes Jr. (1947-2016), que quando jovem passou a procurar meios alternativos de vida, cansado do consumismo e embalado pelo movimento hippie de volta à terra. "Ele queria saber de onde vinha sua comida, queria viver de maneira simples", lembra a filha, que foi educada em casa com seus irmãos.
Nos anos 1970, Jules se mudou para uma vila abandonada na Nova Zelândia, onde Anais nasceu. Depois, voltou aos EUA para morar numa fazenda de 10 acres na Flórida. Quando veio para a Califórnia para estudar, Jules reduziu o tamanho da empreitada para poder comprar a casa própria, a residência atual, construída no começo do século 20, a poucos metros da freeway. Jules foi de 10 acres para um décimo de um acre.
A reportagem visitou a Urban Homestead para ver o que é possível plantar em 400 metros quadrados e colheu algumas dicas para quem quiser transformar o gramado de casa em muito mais do que só uma plantação de alface.
Jardim das delícias
Justin, 42, cuida do dia a dia da fazenda e liderou o passeio pela propriedade. Começamos pelo jardim em frente à casa, que um dia foi um gramado verdinho, destruído pelo pai em 1990. Ele colocou uns 15 cm de jornal e "mulch" (manta vegetal) sobre a grama, esperou decompor e plantou flores silvestres. Depois, foi completando com plantas medicinais e comestíveis.
Caminhamos pela minifloresta provando frutas e folhas. "Esse aqui é um feijão-de-lima, pode abrir e comer", disse Justin. "Esse aqui é um 'cucamelon', uma mistura de melão com pepino; experimenta. Aqui é erva-doce de bronze, sente o cheiro."
Ele para num cantinho para mostrar uma pequena árvore de cidrão ("lemon verbena", usado para óleos), uma das primeiras coisas que o pai plantou que ainda continua por aqui. Ele também arranca uma folhinha de um manjericão que chama de "blue african" (Ocimum kilimandscharicum).
"Temos uns 50 pés desse manjericão. Uma pessoa comum não precisa de tanto, mas somos um negócio", explica. "Os chefs pagam 25 centavos por ramo e usam para decorar pratos. Agora que os restaurantes sumiram, não sabemos ainda o que vamos fazer com tanto."
Para chegar até uma jabuticabeira, passamos por um pé de figos e de molokhia (folhas de juta), pela planta suculenta da pitaia, por videiras de amora e vasos de erva mate e ya?on (tubérculo sul-americano). "Temos uma cliente brasileira que compra nossas jabuticabas", contou. A árvore tem dez anos e só deu fruto faz alguns meses.
Nem tudo dá colheita suficiente para venda, como a pitaia, e algumas são plantadas como experiência, como arroz, para mostrar aos estudantes que visitavam semanalmente na pré-pandemia. Mas os figos, eles vendem todos. Justin pega um do pé. É doce e bom demais.
Anais Dervaes dá dicas para começar do zero
1- Faça sua pesquisa
Cada terreno é diferente, pesquise o tipo de solo, os ângulos e os possíveis problemas", ela diz.
2 - Comece pequeno
As pessoas olham para nós e querem algo igual. Bem, levamos 30 anos para chegar aqui. Não era nada assim no início.
3 - Sem medo de errar
Às vezes, é preciso apenas fazer e aprender errando. Nós ainda erramos e seguimos aprendendo. Você não pode ter medo de fracassar.
4 - Organize seu tempo
Uma fazenda urbana toma muito do seu tempo. Então aprenda a ser eficiente e organizado.
5 - Encontre sua turma
Não faça sozinho. Encontre uma comunidade na sua região ou online para pedir ajuda, se lamentar e comemorar. Saiba que não está sozinho.
Pasadena, cidade modelo
Pasadena, a 20 km do centro de Los Angeles, é conhecida pela Parada das Rosas, um evento com carros alegóricos repletos de flores, que acontece todo inverno desde 1890. Na época, suas terras eram tomadas por frutas cítricas que inspiraram nomes de avenidas como Bosque das Laranjas, uma travessa da rua da Urban Homestead.
Hoje, a cidade repleta de casarões e ruas arborizadas oferece uma série de estímulos ecológicos aos seus 137 mil habitantes, algo de que a família Dervaes tira proveito. Eles dizem que sua conta de água é menos de US$ 1.000 por ano, abaixo da média de uma família americana.
A água das torneiras e da máquina de lavar são reaproveitadas no jardim da frente, num sistema instalado gratuitamente pela cidade. A prefeitura também dá árvores frutíferas aos residentes e compensação para quem substituir gramados por jardins de plantas nativas e tolerantes à seca.
"Somos abençoados de morar em Pasadena, um lugar que abraça pessoas como nós", disse Anais.
Colmeias, galinhas e patos
No quintal atrás da casa, o cenário é menos floresta e mais fazenda, com diversos plantadores enfileirados, repletos de folhas para saladas, um dos best-sellers da família (a caixa com 450 gramas custa US$ 16 — cerca de R$ 85). Há alface, coentro, kale, dente-de-leão e vários outros verdes, além de rabanete, berinjela, abóboras.
A entrada da garagem também está tomada de containers: são diferentes tipos de pimentas. Já a garagem, cujo telhado está coberto de painéis solares, serve de espaço para eventos, workshops e para organizar as cestas semanais (custam entre US$ 25 e US$ 35 - R$ 133 a R$ 186), montadas com alimentos adicionais de outras fazendas urbanas.
No quintal, também ficam espalhadas cerca de 10 colmeias, e há um espaço com 12 galinhas e alguns patos. A irmã Jordanne, 37, é quem cuida do galinheiro e explica que nem sempre elas produzem ovos.
"Elas pastam o quanto querem e botam quando querem. Devo gastar mais cuidando delas do que ganho, mas é minha jornada, amo minhas galinhas e gosto de ensinar as pessoas quando elas visitam", disse Joanne. "Não dá para ficar rico fazendo isso de forma sustentável."
Truques da fazendinha
Para dar conta de produzir tanto num espaço tão apertado, a família aprendeu alguns truques, como, por exemplo, plantar diversas coisas juntas. Tomates protegem do sol a couve kale, enquanto abóboras tromboncino crescem sobre erva-cidreira e amor-perfeito, flores comestíveis e uma das principais colheitas do projeto (a caixa com cerca de 50 flores sai por US$ 10 - R$ 53).
"O pacote de semente pode dizer para plantar com dois pés de distância, mas isso é para espaços abertos, com tratores. A natureza não funciona assim", disse Anais. "As plantas também funcionam como 'mulch' e cobrem todo o solo, evitando exposição e evaporação. Economizamos água. E você vai aprendendo: se for perto demais e começar a morrer, você arruma na próxima."
Justin também usa uma técnica chamada de "compostagem local" para manter o solo saudável, na qual apenas revira a terra após a colheita. "Temos uma terra muito boa porque estamos sempre gerando solo com toda a compostagem que fazemos", disse o irmão, que demonstra a técnica num dos inúmeros vídeos no canal do YouTube da fazenda.
"Estamos plantando no mesmo local faz 25 anos e a terra só fica melhor. Em agricultura convencional, monocultura, a terra só piora, você esgota o solo."
Não que tudo seja flores. "Por anos tivemos colheitas ruins de tomate. Tivemos também problemas com pragas, como ácaros. É sempre um desafio. Não existe garantia na lavoura", comenta, olhando para céu e lembrando dos incêndios e da seca que castigam a Califórnia.