De acordo com a ONU, para alcançar índices ideais de doação de sangue, é necessário que 3 a 5% da população de um país seja doadora. Porém, apenas 1,6% dos brasileiros doa sangue, segundo dados do Ministério da Saúde. Esse número poderia ser maior, se não fosse por um detalhe: no Brasil, homens homossexuais só podem fazer doação sanguínea após um ano sem manter relações sexuais com outro homem.
Embora cerca de 10% da população brasileira seja LGBT, os 12 meses de abstinência sexual são parte do conjunto de regras sanitárias que visam proteger o receptor da transfusão de possíveis infecções.
A situação já foi ainda mais grave: até 2004, homens que fazem sexo com homens (HSH) eram proibidos de doar sangue. A Portaria nº 2712, de 12 de novembro de 2013, seguindo a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) sobre a restrição de HSH, estabelece que todas as amostras de sangue sejam analisadas e que os doadores sejam de baixo risco.
O Ministério da Saúde e a Anvisa reforçam que orientação sexual não deve ser usada como critério para selecionar doadores e que as regras não são discriminatórias. Enquanto isso, a restrição se mantém. A justificativa é de que homens que admitem transar com homens são “temporariamente inaptos”, uma vez que têm mais chances de serem portadores de uma doença infecciosa e de seus exames apresentarem resultados negativos, ainda que carreguem algum vírus.
A desconfiança dos resultados se dá por causa da janela imunológica no caso de infecção pelo vírus da aids. Entre o momento da infecção e a produção de marcadores detectáveis pelos testes de laboratório pode haver um intervalo de 14 a 30 dias. Como precaução, é recomendado aos os hemocentros que façam triagens, entrevistas e analisem as amostras de sangue de todos os doadores.
Tecnicamente, o critério de seleção deve recusar a prática sexual de risco e não a orientação sexual ou identidade de gênero. A contradição é aparente: a recusa do sangue doado por homens gays vai contra a noção de que as regras não excluem doadores de acordo com sua sexualidade.
Como protesto à situação, a All Out, um movimento global de defesa dos direitos LGBT, colocou em prática uma ação criada pela agência Africa em parceria com a Truckvan. Um caminhão circula por São Paulo com centenas de bolsas de sangue cenográfico que representam os 50 mil litros que os hemocentros do país deixam de receber diariamente e estampa a mensagem “O Brasil desperdiça mais de um caminhão cheio de sangue todo dia por puro preconceito”.
Países como Argentina, Chile e México já se atualizaram quanto aos seus procedimentos e aplicam as mesmas regras a doadores de qualquer orientação sexual. O maior país da América Latina, porém, não demonstra indícios de mudança.