Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Estudo realizado por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), de Leeds (Reino Unido) e Harvard (Estados Unidos) sugere que indicadores de poluição e de mobilidade podem também ser usados para prever o aumento no número de casos e de mortes por COVID-19.
Em artigo divulgado na plataforma medRxiv, ainda sem a revisão dos pares, os autores relatam que até mesmo reduções discretas nos índices de mobilidade e de poluição observadas na cidade de São Paulo se refletiram em queda considerável no número de novas infecções e de óbitos nos dias seguintes.
“Mas é importante ressaltar que se trata de um estudo puramente matemático”, diz Edmilson Dias de Freitas, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP) e autor do estudo, que contou com apoio da FAPESP por meio de diversos projetos (15/03804-9, 16/18438-0 e 16/10557-0).
Ao correlacionar os padrões de distanciamento social, dados epidemiológicos, de poluição e meteorológicos, autores calcularam que uma taxa de isolamento de 45,28% na capital está associada a 1.212 novos casos de COVID-19 e 44 novas mortes. Porém, quando se reduz a movimentação das pessoas, ou seja, o índice de isolamento aumenta para 50%, é possível reduzir o número de casos da doença para 438 e ainda evitar quase a metade dos óbitos.
A análise foi realizada por pesquisadores de ciências atmosféricas que integram projetos de pesquisa apoiados pela FAPESP. O índice de isolamento social do Sistema de Monitoramento Inteligente (SIMI-SP), foi acompanhado ao longo da pandemia por meio de dados não personalizados, fornecidos pelas operadoras de telefonia móvel. Além desse indicador, foi avaliado o índice de mobilidade residencial do Google.
A taxa de isolamento SIMI-SP de 45,28% é a mediana na cidade de São Paulo, índice que no estudo melhor se associou aos dados epidemiológicos da COVID-19 na cidade. No dia 16 de março de 2021, quando São Paulo entrou na fase mais restritiva e bateu o recorde de mortes por COVID-19, a taxa de isolamento foi de 42%.
“Além de encontrarmos associações estatísticas entre COVID-19 e o índice de isolamento, observamos também padrões de tempo bem demarcados. Isso quer dizer que, quando ocorreu aumento de mobilidade, pôde-se observar de quatro até nove dias depois um aumento de casos e, a partir de 18 dias, um aumento no número de mortes”, relata Sergio Ibarra-Espinosa, pesquisador do IAG-USP e autor principal do estudo.
Embora o estudo não tenha levado em conta fatores específicos da doença, os dados estão de acordo com o desenvolvimento da COVID-19. De modo geral, uma pessoa infectada pelo SARS-CoV-2 demora de quatro até nove dias para desenvolver os sintomas.
“Observam-se padrões muito claros, o que faz esse indicador importante para a formulação de políticas públicas. Da mesma forma que ele mostra que mais distanciamento social pode evitar mortes, o contrário também é verdadeiro. Quanto maior a movimentação na cidade, maiores serão os números de casos e de mortes por COVID-19, que foi o observado com o aumento da circulação de pessoas nas festas de fim de ano e outros feriados”, comenta Amanda Rehbein, bolsista da FAPESP no IAG-USP e coautora do estudo.
Pico de transmissão e potencial colapso
Os pesquisadores utilizaram dados coletados entre 27 de março de 2020 e 12 de março de 2021 (antes do pico da pandemia) e, portanto, o estudo não considera a possibilidade de saturação do sistema de saúde nem de qualquer medida em relação ao uso de máscaras, procedimentos de higiene ou auxílio financeiro para que a população permaneça em casa.
“Portanto, o impacto pode ser significativamente maior com a saturação do sistema de saúde e o comprometimento de tratamento adequado para todos os pacientes. Afinal, as relações observadas ao longo do período estudado não contaram com a falta de atendimento de emergência, sendo este um fator fundamental em relação ao número de óbitos”, afirma Freitas.
Os pesquisadores também observaram que um incremento de material particulado e ozônio na atmosfera esteve associado ao aumento de casos e mortes por COVID-19. “Não sabemos ainda o motivo dessa associação. Como se trata de uma doença respiratória pode ser que a poluição interfira no agravamento. Outra possibilidade é os índices de poluição serem indicadores de mobilidade, já que material particulado e ozônio estão associados à queima de combustível fóssil”, diz Freitas.
O artigo Association between COVID-19, mobility and environment in São Paulo, Brazil pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.02.08.21250113v1.