Preconceito e discriminação, que são pilares notáveis da violência contra as mulheres, são hoje um problema não apenas crescente no Brasil e em quase todo o mundo, mas condições que a cada dia ganham chancela de normalidade em parte significativa do consciente coletivo. E isso não é papo de feminista, ou apenas uma percepção sem fundamento na realidade.
Relatório elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que ontem foi divulgado, revela que a desigualdade de gênero e a violência contra a mulher é algo tolerado no planeta terra, mesmo já percorridos mais de 20 anos do século 21. É isso que está comprovado: 25% da população (isso mesmo, um quarto entre todos) consideram “justificável” a agressão de um homem contra a sua própria esposa.
O relatório foi construído com base em dados extraídos de 80 países e indica outras conclusões alarmantes, como a de que 9 em cada 10 pessoas nutrem preconceitos fundamentais contra as mulheres e 58% consideram que a mulher não deve ter o direito de decidir se quer ou não ter filhos. Isso quem deve decidir é o homem.
Igualdade de gênero ainda está distante
Essas e outras desconcertantes revelações do relatório fazem a ONU concluir que a igualdade de gênero está anos luz de distância e que serão necessários 300 anos para que o mundo alcance, talvez, essa condição de igualdade. Para obter esses resultados, o relatório analisou quatro aspectos da vida das mulheres, relativamente aos homens-Integridade física, Educacional, Política e Econômica-, com dados da Avaliação de Valores Mundiais, um projeto internacional que estuda como os valores e as crenças são diferentes ao redor do mundo.
Outro ponto bastante significativo da pesquisa, que vai além da constatação do problema, é a indicação de que não houve progresso a respeito da retração do preconceito contra as mulheres em uma década. Em um desses tópicos, a pesquisa indicou que 69% da população mundial acreditam que os homens são melhores líderes políticos que as mulheres, por exemplo, ou que a garantia dos mesmos direitos para mulheres na democracia é essencial apenas para 27% dos entrevistados.
Além disso, quase metade da população (46%) acredita que os homens têm mais direito a um emprego, enquanto 43% sustentam que os homens são melhores líderes empresariais. Além disso, cerca de 28% avaliam que a universidade é mais importante para os homens do que para as mulheres. A pesquisa também detalhou as dimensões do preconceito por países. No Brasil, por exemplo, observou-se que 84,5% das pessoas têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres; 75,56% dos homens e 75,79% das mulheres têm preconceitos em questões de violência de gênero e direito de decisão sobre ter filhos.
Sucesso das mulheres
É notório que as mulheres brasileiras alcançaram muito sucesso nos últimos anos, sobretudo a partir da década de 70. Aos poucos foram invadindo as universidades, no trabalho foram conquistando cargos de chefia, e saíram às ruas em busca de mais liberdade, mais igualdade profissional, mas viram, entretanto, que haveriam de travar uma batalha imensa contra o preconceito e a discriminação social. Há contra elas um machismo severo, histórico e crescente, entranhado na cabeça da maioria espantosa de homens, que enxergam as mulheres como ameaças, e nunca como companheiras, solidárias e parceiras em suas carreiras e na vida pessoal.
Cada avanço acusado pela mulher chega diante da constatação de que novas batalhas terão que ser vencidas, pois o preconceito é covarde, silencioso, até se transformar em violência. E as diversas formas de violência contra as mulheres, notadamente registradas no próprio ambiente do lar, garantem a certeza de que são as mais gritantes formas de discriminação, que afetam não apenas o corpo feminino, mas atingem sua saúde mental, obriga-as a ausências nos locais de trabalho, geram constrangimento e humilhação diante dos filhos, e comprometem sua liberdade.
Violência e o PIB
No Brasil, pesquisas revelam que este tipo de ação violenta compromete 10,5% do Produto Interno Brasileiro (PIB), com gastos de saúde e faltas no trabalho. E grande parte dos crimes acontece no próprio ambiente familiar, o que intimida as denúncias e atrapalha a punição, embora se saiba que hoje em dia o número de denúncias tem crescido nas centrais de atendimento, porque parece estarem as mulheres mais dispostas a denunciar os abusos que sofrem.
Diante de tanto, só nos resta concluir que somos uma humanidade em larga decadência. Uma lástima.