O grafite atrai olhares e contrasta com as cores sóbrias do meio urbano. De caráter espontâneo, surge nas laterais de edifícios governamentais, em campi universitários e em paredes ao longo de parques, rodovias, casas em ruínas ou ruas sem saída.
Constantemente usado para expressar temas como desigualdade, justiça social e identidade, essa arte adiciona um elemento de espontaneidade e liberdade de expressão no dia a dia da população. Para alguns, como o grafiteiro José Eduardo Alemão, o spray é também uma poderosa ferramenta de transformação social. Ele utiliza a arte urbana para ajudar no resgate de jovens em situação de vulnerabilidade nas periferias do Piauí.
TRANSFOMANDO VIDAS
Natural de Porto Alegre (RS) e morando há 30 anos em Teresina, Alemão decidiu implantar na capital um projeto para ensinar técnicas de grafitagem gratuitamente, com o intuito de estimular a criatividade de jovens e adultos.
As cores vibrantes e as mensagens educativas de seus grafites dão vida a diversas regiões da capital, abordando temas como amor, fé, sonhos, sustentabilidade e desigualdade social.
Ao portal Meionews.com, Alemão explicou que para muitos, o trabalho dos grafiteiros pode parecer ousado ou provocativo demais, sendo visto como amador ou inferior pela sociedade em geral. Mas ele reforça que também é um trabalho nobre, capaz de resgatar vidas, assim como a dele foi resgatada.
“Eu fui um jovem internado devido às drogas e só consegui sair delas através do grafite. Passei de 2013 a 2016 afundado nos entorpecentes”, contou.
RESGATE DAS DROGAS
Nas casas de reabilitação, ele passava o tempo livre pintando, o que despertou sua vontade de conhecer o grafite e a cultura do Hip Hop. Assim que deixou o lugar devidamente recuperado, tirou dos rabiscos o sonhos dar início a um projeto para ajudar outras pessoas a se envolverem com a arte.
“A maioria dos jovens da periferia não tem acesso à arte e cultura. Eu, que vim de uma situação difícil, sei o quanto é caro ter acesso a tintas e materiais. Com isso, tive a oportunidade de conhecer boa parte do Brasil participando de encontros e exposições”, afirmou.
Na capital piauiense, seu trabalho beneficente é formalmente solicitado por organizações não governamentais ou secretarias e recebe financiamento para sua realização. Utilizando uma abordagem baseada em apostilas feitas em parceria com órgaos educacioanis, o projeto aborda a história do grafite, do Hip Hop e da cultura periférica, com o objetivo de promover alternativas ao envolvimento com drogas e violência.
Ele já realizou projetos em colaboração com a Coordenadoria Estadual da Juventude e a Fundação Wall Ferraz, levando oficinas a outras cidades e comunidades teresinenses, como na região da Pedra Mole, considerado um dos bairros mais violentos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí (SSP-PI). Hoje, ele consegue tirar seu sustento por meio da arte e também da força de resgatar pessoas.
“Dedico minha vida ao grafite, que proporciona muita liberdade. As ruas têm uma arte democrática que oferece acesso a muitas pessoas que não têm acesso às artes plásticas, presentes em museus. O grafite me deu essa oportunidade de estar nas ruas, nas praças, mostrando um pouco da minha arte. É uma arte libertadora que ajuda a resgatar muitos jovens, como eu, da criminalidade e das drogas”, declarou.
IMPULSIONADO PELO GRAFITE
Felipe de Araújo, de 30 anos, foi um jovem que enfrentava problemas sérios relacionados à criminalidade e ao uso de drogas. Ele encontrou uma nova direção em sua vida há uma década, quando o grafite cruzou seu caminho por meio de uma oficina de arte no Conjunto Pedra Mole, onde teve a oportunidade de conhecer Alemão.
"Foi através de uma oficina de grafite no Conjunto Pedra Mole que conheci o Alemão, e isso mudou tudo, eu me achei na vida. Passei a sonhar, a conviver com as pessoas certas e ter vontade de sair daquela situação”, relatou. Hoje, Felipe está prestes a concluir seu curso de gastronomia e já realizou o sonho de abrir sua própria hamburgueria. Mesmo muito ocupado com seus novos empreendimentos, ele continua fiel à sua paixão pelo grafite e colabora regularmente com Alemão em projetos artísticos.
Gustavo Daniel Batista dos Santos, de 18 anos, estuda no terceiro ano do ensino médio no Centro Estadual de Tempo Integral (Ceti) Residencial Pedra Mole. O jovem, que é surdo, contou que a arte o ajuda na inclusão social e na forma de se expressar com os amigos. “Quando o projeto chegou na escola, fiquei muito feliz e pensei no que poderia pintar. Decidi grafitar a palavra 'Dedicação' para incentivar as pessoas a não desistirem de seus sonhos”, disse ao portal Meionews.com.
Nas oficinas de grafite, jovens encontram um espaço para contar suas histórias e paixões através da arte. "A arte me ajuda com os sentimentos", compartilha Vitória Gabriele Batista, de 16 anos.
"Ela me inspira e me permite expressar quem sou, mesmo diante dos desafios." Ketlyn Geysa Costa, de 17 anos, aproveitou a oficina ministrada por Alemão para colorir desenhos em referência a sua grande paixão, a dança.
Para ela, o grafite permite que eles compartilhem suas histórias, ideias e perspectivas com o mundo ao seu redor. “É uma maneira incrível de expressar minhas paixões e gostos pessoais”, falou. O Centro Estadual de Tempo Integral (Ceti) Residencial Pedra Mole ganhou mais cores e mais vida a partir do grafite feito pelos próprios estudantes, que receberam a instrução de Alemão.
Clarissa Santos, diretora da escola, afirmou que o engajamento e animação dos jovens foram os aspectos mais marcantes da ação do grafiteiro.
“Foi de grande importância para nós, porque trabalhou muito a questão da inclusão dos nossos alunos na comunidade escolar. Quando procurei o Alemão para fazer essa parceria, ele foi bastante solícito e isso teve grande relevância para nossa escola. Nossos alunos passaram a mostrar como viam a escola e a se sentirem parte dela. É um projeto lindo e todos gostam muito dele”, falou.