MPE denuncia Wilson Martins
Deusval Lacerda de Moraes
Pós-Graduado em Direito
A grande maioria dos brasileiros clama por reforma no seu sistema institucional para adequar a sua estrutura organizacional ao Estado Democrático de Direito. No Piauí, as instituições funcionam de forma precária e por isso os que estão à sua frente devem se esforçar estoicamente para mostrar à sociedade que elas estão realmente em sintonia com o ordenamento jurídico nacional. Tratando-se das eleições de 2010, várias ações foram ajuizadas na Justiça Eleitoral contra a coligação vencedora, encabeçada pelo então candidato a reeleição ao governo do Estado Wilson Martins, e que até agora está homologada como se a vitória triunfasse na maior lisura democrática do mundo.
Mas, eis, que, embora tardiamente, ocorreu investigação que descobriu a ponta do iceberg. Pois segundo o Jornal O GLOBO, de 23 de setembro de 2014, em matéria de Gabriela Valente com o título “Candidato ao Senado no Piauí é denunciado pelo MPE por caixa 2 e compra de votos”, o Ministério Público Eleitoral (MPE) denunciou o ex-governador Wilson Martins (PSB) por caixa dois e compra de votos na campanha eleitoral de 2010. A Justiça Eleitoral recebeu a denúncia. Segundo a investigação da Polícia Federal e do MPE, a qual O GLOBO teve acesso, um esquema de financiamento paralelo de R$ 3,5 milhões ajudou a eleger o pessebista.
Noticia a matéria de O GLOBO: “A ação penal eleitoral – que chegou à Justiça quatro anos depois do início das apurações – diz que um esquema de lavagem de dinheiro foi montado em conluio com a Fundação Francisca Clarinda Lopes, com sede em Teresina. A instituição foi abastecida com R$ 3.521.832,42. Desses recursos, R$ 1.572.417,64 não tem identificação de origem e destino”. Continua o MPE: “Tais recursos irrigaram as contas da fundação que atuou como uma espécie de ‘operadora financeira paralela’, no âmbito da campanha”. A denúncia foi aceita pelo juiz eleitoral José Vidal de Freitas Filho.
Para o MPE, foi comprovado uso de dinheiro público de prefeituras comandadas pelo PSB, estatais e do próprio governo do Piauí. Um dos exemplos é o pagamento de um convênio de R$ 350 mil firmado pelo Ministério do Turismo com dinheiro do Estado e não da União. A par disso, afirma ainda o MPE: “O modus operandi evidencia um esquema de lavagem de dinheiro que constitui na ‘injeção’ de recursos públicos retirados das contas das prefeituras comandadas pelo PSB (partido do então candidato ao cargo de governo), de empresas públicas estatais e do próprio tesouro estadual; bem como recursos privados de origem não sabida carregados para as contas da Fundação e dissimulados como prestação de serviços desta ao governador-candidato (Caixa dois de campanha), formalmente legalizados pelo contrato de prestação de serviço firmado entre ambos, quando na realidade serviram para encobrir o fato de que a campanha eleitoral de Wilson Martins foi custeada em boa parte por verbas públicas”.
Além do caixa dois, segundo a PF e o MPE houve compra de votos. A matéria esclarece: “Na época, quatro funcionários do comitê foram presos em flagrante num busca e apreensão de provas em véspera do segundo turno de 2010. Em meio aos materiais de campanha, foram encontrados recibos de pagamentos, relação de eleitores, fichas de R$ 10 e R$ 20 timbradas pela fundação, vales transportes, além de cópias de documentos pessoais e títulos de eleitor e faturas de consumo de água e energia. Para o MPE, ficou caracterizado o crime de corrupção eleitoral e abuso do poder econômico”.
Conforme também O GLOBO, o defensor de Wilson Martins informou que já foi apresentada defesa que comprova que não houve irregularidades na campanha de 2010. Ressaltou ainda que as contas do candidato foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Pois se as constatações acima não são irregularidades, o Brasil, no seu direito positivo e na sua processualística, percorre na contramão, pois o que era para ser irregular termina sendo regular e, inversamente, o que era para ser regular pode se tornar irregular, decepcionando grande parcela de cidadãos responsáveis que aspira viver em um meio sob o império da lei e não num reino de impunidade.
Sobre as contas aprovadas do denunciado, não pode ocorrer no sistema judiciário pátrio se considerar lícito o que se apresenta delituoso. Descoberto o dano a posteriori, traz a lume a infração suscitada mesmo com aprovação circunstancial para decisão terminativa. Surgido o fato novo – que, nota-se, neste caso não é tão novo assim -, o que foi legitimado de pleno direito se desconstitui por ser ilegalidade clarividente, sobretudo tratando-se dano moral e material coletivo, ou seja, contra o Estado do Piauí.
É bom lembrar que a Justiça do Piauí foi apontada como a menos eficiente do Brasil, consoante o “Relatório Justiça em Números 2014”, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e veiculado pelo Jornal O Dia de 24 de setembro de 2014. O Tribunal de Justiça do Piauí é considerado de pequeno porte e no cálculo do Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus) de 2013, a Justiça Estadual do Piauí aparece com 42,1% de eficiência. Esse é o pior índice entre os tribunais de pequeno porte e também na comparação entre todos os tribunais de justiça do País.
Assim, o Piauí precisa exercer em sua plenitude o Estado Democrático de Direito, como a igualdade de todos perante a lei, não permitindo que alguns sejam mais iguais do que outros; a garantia da ampla defesa, mas condenando os culpados independentes da classe social; a valorização da ética e da honestidade na condução da coisa pública; a punição aos desvios do dinheiro público; a independência do Judiciário, restando dependente apenas dos saberes e da coragem dos magistrados na aplicação da lei. Mas para atingir elevado progresso é indisfarçável valorizar a justiça, democracia, cidadania, legalidade, moralidade, civilidade, igualdade, eficiência, enfim, tudo que diz respeito ao enobrecimento da pessoa humana e das instituições republicanas, evitando consumar-se o que disse o filósofo alemão Georg Lichtenberg: “Quando os que comandam perdem a vergonha os que obedecem perdem o respeito”.
As opiniões aqui contidas não expressam a opinião no Grupo Meio.