Deusval Lacerda de Moraes
Pós-Graduado em Direito
Demorou. Foram quatro longos anos. O dia 4 de abril de 2014 passa a ser data histórica no calendário do Piauí. Não merece ser feriado estadual, mas será um marco inesquecível para a nossa sociedade e que deve ser comemorado com muita alegria. Pois é o dia em que chegando ao auge da saturação do seu governo, mas camuflado no eufemismo de pré-candidato ao Senado da República, o governador Wilson Martins (PSB) renunciou ao governo do Estado e, com isso, leva com ele ciclo governamental em que a maioria dos coestaduanos não suportava mais, uma vez que, sob o seu jugo, o Piauí marcou passo político, administrativo e historicamente.
Com a coisa pública, fez coisas do arco da velha. No Karnak, inverteu os valores de família, pois em vez de cuidar da família piauiense cuidou da própria família. Talvez baseado na concepção de que família só tem valor pelo poder que ostenta, aí utilizou o poder público para promovê-la. E em plena luz do dia, como se exercesse governo em que os governados não tivessem a capacidade de reflexão nem o direito de achar nada. E foi assim do começo ao fim do mandato. Em ações orquestradas que tinham como objetivo elevar a família ao pedestal que não fez por onde, mas através de malabarismos governativos a projetou politicamente sempre com o apoio irrestrito dos subjugados.
A sagração público-governamental-familiar atingiu o paroxismo quando o então vice-governador Wilson Martins elegeu a esposa Lilian Martins a deputada estadual e, no governo, nomeou-a secretária de Saúde (com dois filhos aprovados em concurso do órgão no mesmo período) e a bancada governista aprovou seu nome para conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Piauí, bem como a sobrinha Jandira Martins se tornou prefeita de Santa Cruz do Piauí, que é filha do irmão Rubem Martins que foi o todo-poderoso secretário do Desenvolvimento Rural e agora é pré-candidato a deputado estadual, como também o sobrinho vereador e presidente da Câmara Municipal de Teresina, Rodrigo Martins, que é pré-candidato a deputado federal.
Na era Wilsão o Piauí decaiu, principalmente na esperança. Vivemos na época da consolidação do Estado Democrático de Direito, que tem o papel preponderante de criar novas expectativas no seio das camadas populacionais mais humildes, sobretudo nos segmentos que já haviam, até, perdidos a esperança. Pois sabemos que no sistema organizacional de Estado vigente no País, nessas categorias populares as ações coletivas transformadoras só chegam através das políticas públicas apregoadas nas plataformas de governos ou então pela via da responsabilidade social e da filantropia que geralmente são escassas e rarefeitas.
No campo da cidadania foi um fiasco, extinguiu as coordenadorias dos Direitos Humanos e Fome Zero e, por outro lado, a violência grassou no Estado que, segundo a Pesquisa Nacional de Ataques a Bancos, o maior avanço nos assaltos e tentativas de roubos em agências e postos bancários em 2013 foi no Piauí, com crescimento de 235,29%, que também disparou em homicídios, fato que demonstra a selvageria em que vivemos e que por isso voltamos ao tempo de Murici: Deus por todos e cada um por si.
A pobreza ampliou no Estado. Pois é difícil na tradicionalidade política nacional governo atacar essa área a contento. Porque precisa de ações conjugadas e gasta muito. E para o governante atender essa faixa social somente com idealismo e humanismo, ou melhor, com comprometimento com os menos favorecidos, pois, com rara exceção, os partidos políticos convencionais preveem apenas nas diretrizes programáticas, visto que as siglas partidárias que se interessam por esse segmento do povo costumam nascer do trabalhismo, ou seja, da classe trabalhadora ou do trabalhadorismo.
Outro setor que o governo do Piauí desprezou foi o industrial. Não houve no tal governo plano para o desenvolvimento do setor manufatureiro. Além de voltar a ser o pior PIB per capita do Brasil, abaixo até da República do Congo, segundo o presidente da Associação Industrial do Piauí (AIP), Joaquim Costa Filho, a vizinha cidade de Timon/MA oferece melhores condições para implantação de plataformas industriais do que o próprio Piauí, em razão de não haver propriamente um governo, mas arremedo de governança, que os seus beneficiários desejam o seu prosseguimento unicamente pelos espaços políticos pessoais ou familiares alcançados.
Pois se o presente desandou, o futuro é incerto, visto que o governo endividou o Estado e comprometeu as suas finanças e por sua vez a capacidade de investimentos. O que é inaceitável. Pois uma das vantagens da democracia é exatamente o freio para não se cometer excessos à frente da Administração Pública. Isto é, em que os representantes da sociedade que têm a função fiscalizadora dos atos do Executivo entram em ação, e não coparticipantes do descalabro. Por isso, uma lição: os piauienses que assumirem responsabilidade no Estado devem se depurar para abdicarem dos interesses pessoais em supervalorização dos interesses estaduais. Ou seja, não podem participar do público com a intenção no particular. E é fácil distinguir: o público sempre será o público e o resto sempre será o resto, não sendo permitido se amasiar.
Sobre a política propriamente dita também deixou a desejar, porque não houve um alinhamento político-ideológico do governo no sentido de direcionar as ações públicas visando um projeto de Estado. Os dois primeiros anos da administração não existiram produtivamente. O restante foi atabalhoado, descoordenado, sem planejamento pelo fato de se guiar por investimentos contraídos por empréstimos que foram aplicados mais para fins eleitoreiros (com obras inacabadas) em redutos dos candidatos ocupantes dos cargos. Ademais, o governante foi eleito por alguns partidos políticos e saiu do governo com outros aliados. Foi candidato a governador com os políticos coligados e no meio do caminho se juntou aos adversários da eleição, fato que se tornou confusa a sua política e por isso está parecida também com o malfadado Samba do Crioulo Doido
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