A possível implementação de uma tarifa de 200% sobre o vinho europeu, proposta pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, preocupa produtores do setor, que já enfrentam uma queda significativa no consumo. Na França, a crise levou até mesmo à remoção de videiras, financiada pelo governo, como forma de reduzir a produção diante da baixa demanda. Com informações da Folha de São Paulo.
Na Cave Héraclès, maior cooperativa de vinhos orgânicos da França, os estoques de produção do último ano seguem lotados, enquanto uma nova safra começa a brotar na região de Occitânia e em outras partes da Europa. Com a incerteza sobre as tarifas, exportadores tentam antecipar remessas aos Estados Unidos, mas vinícolas já relatam uma redução drástica nos pedidos do mercado americano. Diante disso, parte da produção pode acabar armazenada por tempo indeterminado ou até mesmo ser convertida em álcool para fins industriais.
Impacto imediato e impasse comercial
Jean Philippe Julien, presidente da cooperativa que reúne cerca de 80 mil viticultores no sul da França, destaca a urgência da situação: “Nossa próxima colheita está chegando, mas nossos tonéis ainda estão cheios. Precisamos liberar espaço até julho, mas agora os compradores dizem para esperarmos”.
A incerteza gerada pela possível tarifação já impacta o comércio. Importadores norte-americanos demonstram cautela, evitando novas compras até que a situação se defina. Segundo Ignacio Sánchez Recarte, secretário-geral do Comitê Europeu das Empresas de Vinho (CEEV), a interrupção dos embarques para os EUA já representa perdas semanais de aproximadamente € 100 milhões (US$ 107 milhões).
O setor vinícola europeu enfrenta um cenário de queda global no consumo, mesmo com a produção registrando seu menor nível em 60 anos. O comportamento dos jovens consumidores também influencia o mercado, com a preferência crescente por outras bebidas alcoólicas ou pela redução do consumo de álcool. Para mitigar a crise, a União Europeia liberou cerca de € 120 milhões em incentivos para vinicultores franceses que optem por reduzir sua produção.
Efeito Trump e o futuro das exportações
Com a proposta tarifária de Trump em discussão, produtores europeus se veem sem respostas claras sobre seus impactos e como calcular o valor de venda dos vinhos. Empresas como a Sogrape, maior exportadora de vinhos de Portugal, anteciparam envios para garantir estoques nos Estados Unidos. Já vinícolas francesas, como o Château de Fieuzal, em Bordeaux, adotaram a mesma estratégia, mas agora aguardam novos desdobramentos.
Se confirmada, a tarifa tornaria inviável a manutenção das exportações para os EUA. Adrian Bridge, CEO da Fladgate Partnership, empresa responsável por marcas tradicionais de vinho do Porto, alerta para o impacto: “Seria o fechamento imediato do mercado americano para os vinhos europeus”, afirma.
O mercado dos EUA representa cerca de 30% das exportações de vinho da Europa. Com a ameaça de uma tarifa elevada, produtores já avaliam estratégias como a conversão do excedente em outros produtos alcoólicos, a venda de garrafas com descontos ou até mesmo a redução da capacidade de produção para as próximas safras.
Negociações e tentativas de solução
A proposta da tarifa de 200% seria uma resposta de Washington à intenção da União Europeia de taxar o bourbon americano a partir de 14 de abril. Autoridades europeias buscam alternativas para evitar a retaliação, considerando concessões que possam amenizar o impasse comercial.
Jérôme Bauer, presidente da federação francesa de produtores de vinho e destilados (CNAOC), defende uma solução diplomática e trabalha para convencer líderes da União Europeia a remover o bourbon da lista de retaliação. “Ninguém sai ganhando com esse conflito. Queremos resolver isso de maneira inteligente”, argumenta.
Enquanto isso, a Comissão Europeia já propôs medidas emergenciais para minimizar os impactos no setor vinícola, como incentivos financeiros, campanhas de marketing e estímulos ao enoturismo. No entanto, ainda não há prazo para a implementação dessas ações.
O setor segue em alerta, aguardando a definição das tarifas e seus desdobramentos para o comércio internacional de vinhos.