Fazer Medicina ainda compensa? Proliferação de faculdades preocupa especialistas

Com mais de 175 mil alunos só em faculdades particulares, graduação em medicina movimenta bilhões, mas gera dúvidas sobre formação e mercado de trabalho

Aula prática do curso de Medicina da Unifor | Foto: Ares Soares/Divulgação
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Nos últimos anos, o número de cursos de medicina explodiu no Brasil. Atualmente, o país conta com 390 faculdades da área, sendo mais de 80% delas particulares, muitas com mensalidades que superam os R$ 7 mil. Essa expansão, impulsionada por políticas públicas como o programa Mais Médicos, abriu espaço para o crescimento de gigantes do ensino privado, como Ânima, YDUQS e Afya.

Medicina virou negócio?

A Afya, por exemplo, fundada em 1997 no Tocantins, abriu capital na bolsa de Nova York em 2019 e já investiu mais de R$ 3,2 bilhões na compra de faculdades. Hoje, é a maior operadora de cursos de medicina do Brasil. O setor, mesmo em um cenário de queda geral na procura por ensino superior, se manteve em alta, sustentado por fatores como o prestígio social da profissão, a flexibilidade de remuneração e o mercado de trabalho aquecido.

Expansão x qualidade

Apesar da forte procura, especialistas e reguladores estão preocupados com a qualidade do ensino. Desde 1990, o número de faculdades quintuplicou, e, em 2018, o Ministério da Educação suspendeu a abertura de novos cursos por cinco anos. A intenção era frear o crescimento e garantir mais rigor na avaliação.

Mesmo assim, muitas instituições recorreram à Justiça e conseguiram liminares para abrir cursos ou ampliar vagas. Em 2023, das 6,3 mil novas vagas abertas, 3,5 mil foram criadas por meio de decisões judiciais. O Ministério da Educação notificou seis universidades em 2024 por operarem sem autorização oficial.

Para o professor Mario Roberto Dal Poz, da UERJ, a judicialização enfraquece o controle de qualidade:

"Muitas vezes, ao chegar à Justiça, se permite a abertura sem critérios técnicos bem definidos."

Avaliação e futuro

Atualmente, o desempenho dos cursos é medido principalmente pelo Enade, feito ao fim da graduação. Mas especialistas defendem um acompanhamento contínuo, com visitas presenciais e avaliações em etapas, como proposto recentemente pelo Inep.

Há ainda quem defenda um “exame de ordem” para médicos, nos moldes da OAB para o direito. Dal Poz, no entanto, alerta que essa medida poderia ser “muito limitante” e penalizar formandos de cursos mais fracos.

Vale a pena?

Diante de mensalidades altíssimas e investimentos que ultrapassam os R$ 500 mil, muitos estudantes começam a se perguntar se ainda compensa fazer medicina. Há receio de que a oferta excessiva de profissionais pressione os salários, como já ocorreu em outras áreas.

Estudos apontam que, com a saturação do mercado, a valorização das vagas pode cair, assim como as mensalidades. Relatório do BTG Pactual de 2024 cita que faculdades passaram a cobrar menos, acendendo o sinal de alerta entre investidores.

Para o pesquisador Bruno Luciano de Oliveira, da UFMA, o problema não é a presença do setor privado, mas a falta de critérios claros.

"O que se cobra é transparência e compromisso com a formação dos estudantes. Existem boas experiências na rede particular, mas é preciso regular bem."

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