A votação ocorrida esta semana, no STF, no julgamento do chamado Marco Temporal, acendeu uma tênue luz nessa escuridão em que essa questão significativa à história da formação do Brasil foi submetida. Tenta-se negar aos nossos povos originários, às populações indígenas, o seu sagrado direito de posse e uso das terras que são suas, e que pertenceram aos seus antepassados, mesmo antes do descobrimento do Brasil.
O que essa proposta, que vem da Câmara dos Deputados desde 2007, já passou pelo Senado e agora espera definição do STF, quer é fixar a data da promulgação da Constituição de 1988 como o ponto definitivo para que os povos originários, que ocupassem as terras até essa data, possam ser considerados seus donos.
Ignora-se, com isso, que milhares de famílias pertencentes aos povos originários foram historicamente expulsas de suas terras, que seus espaços foram surrupiados por madeireiros e garimpeiros criminosos ao longo dos tempos – aliás, uma ação que até hoje permanece, como há pouco se viu nas reservas dos povos Yanomamis, cujos ocupantes foram tangidos e violentados por exploradores ilegais de madeira e de minérios, numa crise humanitária sem precedentes, levando à morte centenas de crianças, mulheres e idosos.
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Expulsos, portanto, milhares deles não estavam em suas terras à época da Constituição de 1988, assim como milhares deles estão hoje foram dos seus espaços territoriais, vitimados pela mesma bandidagem que nunca parou de atuar e para quem muitas autoridades, inclusive do judiciário, têm os olhos fechados.
Com os votos dos Ministros Cristiano Zanin e Luiz Roberto Barroso somando-se aos de seus colegas Edson Fachin, e Alexandre de Moraes, a votação contrário à tese de fixação da data de 05 de Outubro de 1988 foi agora aos 4X2, vencidos até agora os ministros André Mendonça e Kássio Nunes, que votaram favoravelmente à prevalência desse marco. Esse quadro é revelador de esperança de que o tal marco temporário não passará no STF, embora já corram propostas de que, não passado o marco de 1988, o Estado brasileiro seja obrigado a indenizar os “proprietários” que nesse período receberam títulos de posse das diversas esferas de governo.
IMPACTO AMBIENTAL
Num estágio crítico da humanidade, em que o Planeta dá sinais cada vez mais claros de derretimento, com o aquecimento global atingindo níveis inimagináveis, e em que ONU, Unesco, FAO, e tantos outros organismos internacionais recomendam aos dirigentes mundiais que “ ouçam a experiência das populações indígenas”, para que se aprenda a tratar o meio ambiente e sermos capazes de recuperá-lo, querer negar-se terras aos seus reais donos, os povos originários, parece ser um estúpido contrassenso.
Basta darmos um mínimo de atenção a um estudo divulgado neste fim de semana pelo MapBiomas – uma iniciativa do Observatório do Clima e desenvolvida por uma rede multi-institucional de universidades-, dando conta de que as terras indígenas do Brasil que permaneceram, sem ataques, nas mãos dos povos originários, tiveram menos de 1% (isso mesmo, um por cento) de sua área de vegetação nativa devastada, em 38 anos de observação. Esses estudos, desenvolvidos entre 1985 e 2022, mostram que as perdas são inferiores a um milhão de hectares, o que torna essas áreas as mais conservadas do país. As terras indígenas (TIs) ocupam 13% do território brasileiro, e contêm 112 Mha (19%) da vegetação nativa do país.
Enquanto isso, o mesmo estudo do MapBiomas revela que as terras que perderam o controle dos povos indígenas, que não estão mais sob seu domínio, quase todas tomadas por ações criminosas de madeireiros, fazendeiros e garimpeiros, levaram o Brasil a perder 96 milhões de hectares de vegetação nativa nesse mesmo período de 38 anos.
Imagens de satélite mostram que o país tinha 75% dessa vegetação em 1985, caindo para 64% em 2022, uma redução drástica de 13%, significando 52 milhões de hectares a menos, quase o tamanho de todo o território da França. Os mais impactantes desmatamentos ocorreram exatamente em reservas antes pertencentes aos povos indígenas, tomadas por organizações criminosas, às vistas das autoridades, sem maiores consequências.