Cientistas e ambientalistas que falam agora à imprensa, apontam o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, como parte importante na culpa pelas mudanças climáticas que favoreceram as tragédias que se abatem sobre o Estado. Dizem que desde 2019 o governo estadual enfraqueceu as normas ambientais, eliminando pontos importantes da legislação até então vigente. Isso permitiu que crescessem as brechas para uso de áreas de preservação, e se afrouxasse o controle do poder público sobre atividades com alto risco de degradação.
Diante do que acontece, é louvável o trabalho que tem sido feito para dar assistência à população do Rio Grande do Sul, atingida por essa catástrofe sem precedentes na história do Estado. É notável a imensa solidariedade que para lá foi transportada por pessoas de todas as partes do país, num imenso voluntariado, assim como o empenho de autoridades, a partir da Presidente da República, para que não falte apoio a essa gente sofrida.
O que se vê ali é uma gigantesca corrente de união nacional, na tarefa inicial, urgentíssima, de socorro a quem perdeu tudo, de consolo a quem perdeu seus entes queridos, mas, num segundo momento de reconstruir o que foi e ainda está sendo destruído.
Mas me parece urgente que todos reconheçam que esse episódio não é um ”desastre natural”. Essa era a forma com que autoridades e pessoas comuns costumeiramente tratavam esse tipo de ocorrências, pelo simples fato de que os estragos aconteciam por obra da “natureza”, pela força das chuvas, do transbordamento de rios e lagos, da elevação do nível dos mares, sem controle pelos humanos.
Rio Guaíba após chuvas intensas na região da Usina do Gasômetro, cartão-postal de Porto Alegre - Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil
No caso presente, vê-se provado que essa questão gravíssima não pode jamais ser “naturalizada”. O que os céus estão fazendo, derramando água de maneira incomum, encontra resposta clara na ação dos humanos sobre a Terra, que a cada instante é golpeada pela mão do homem, no seu ímpeto de plantar, colher e lucrar, tendo para tanto que destruir, aí sim, o que antes era simplesmente “natural”, as nossas reservas de florestas e biomas.
Eram esses elementos nativos, originais, que foram progressivamente sendo dizimados, varrendo-se o chão de qualquer vestígio que impedisse o desfile glorioso das máquinas pesadas e equipamentos sofisticados, das motoserras, na ânsia de ocupação territorial, pelo lucro a qualquer custo. Com isso, perdeu-se o equilíbrio que ambiente exigia fosse preservado.
Os episódios mortais registrados nas regiões serranas do Rio de Janeiro, nos anos 2010 e 2011, ou em São Sebastião, em São Paulo, em 2023, somam-se aos infortúnios que agora atingem o Rio Grande, numa demonstração de que o chão foi preparado para não suportar a força das torrentes, servindo de áreas propícias, desimpedidas, para a passagem da tragédia das águas.
É urgente, sobretudo às autoridades, que ao reconhecer essa realidade, adotem-se planos sérios e consistentes para aos poucos ir-se salvando o que ainda resta e recuperando o que for possível do que foi dizimado. Ainda há esperança, mas é preciso coragem e boa vontade para a tarefa da restauração.