A delação que o ex-sargento da PM do Rio, Élcio Queiroz, fez perante a Polícia Federal- ontem revelada-, e a prisão, pela segunda vez, do ex-bombeiro Maxwell Simões Correia, ambos envolvidos no assassinato de vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, executados em 14 de março de 2018, levaram-me à releitura do livro A República das Milícias, um vigoroso documento produzido por Bruno Paes Manso, jornalista e respeitado pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
É nesse cuidadoso levantamento sobre as milícias que atuam no Rio de Janeiro (hoje expandidas para diversas outras partes do país), que vamos ter a exata compreensão de como se forma, age e alcança domínios inacreditáveis esse gigante poder paralelo, que se formou literalmente dentro das estruturas do Estado. Isso mesmo.
O Estado, com seu poder institucional de dar proteção aos cidadãos, responsável por sua segurança e bem-estar, é de fato, de maneira absurda e contraditória, a gigante fonte que alimenta a criminalidade, dos assassinatos à extorsão, ao roubo, mantendo sitiadas centenas de comunidades, expostas permanentemente ao medo e à violência, transformando a antiga capital do Brasil num dos lugares mais perigosos de se viver.
TODOS ENVOLVIDOS SÃO MILICIANOS
Nesse estúpido caso da morte de Marielle e de seu motorista, todos os envolvidos até agora conhecidos são milicianos. Mas, todos, sem exceção, passaram antes pelas forças de segurança pública do Estado. Foram oficiais, sargentos, soldados, bombeiros, quase todos esmerando-se em treinamento de elite, às custas das instituições governamentais, para utilizarem, depois, essa expertise custeada com o dinheiro público, a serviço do crime, deixando milhares de pessoas, nas comunidades, amedrontadas, e aprisionadas a um poder de mando criminoso. Nesse ambiente obscuro que se estabeleceu no Rio, centenas de pessoas já foram assassinadas e seus crimes permaneceram insolúveis, diante da omissão das autoridades e de uma inegável cumplicidade com os criminosos.
Élcio, o delator, aponta que Ronnie Lessa foi quem disparou a arma e matou Marielle com quatro tiros, e também seu motorista. O miliciano Ronnie é ex-policial militar e usou, na execução do crime, uma submetralhadora HK MP, com silenciadores, arma que foi roubada de um quartel do POBE após um incêndio. Revela, ainda, que quem levou a ordem a Ronnie Lessa para a execução de Marielle e de seu motorista, ou seja, quem foi o intermediário entre o mandante e o executor, foi o ex-sargento da PM Edmilson da Silva, o Macalé.
QUEIMA DE AQUIVO
Esse ex-policial, que virou miliciano, ficou preso por dois anos, por envolvimento no assassinato da ex-vereadora, foi solto sem prestar qualquer depoimento, e terminou sendo também assassinado com vários tiros, no meio da rua num bairro do Rio, num sinal evidente de queima de arquivo. Era peça importante numa investigação séria, pois ligava o atirador ao mandante.
MONITORAMENTO DE MARIELLE
Ronnie Lessa, que está preso, e de quem se aguarda delação, a exemplo de Élcio, mantinha, desde outubro de 2017, um cuidadoso monitoramento sobre os passos, as movimentações e agenda de Marielle Franco, valendo-se nessa missão dos serviços do ex-sargento Macalé. Ronnie cuidava , ao mesmo tempo, de maneira pessoal, mas com ajuda de outros elementos, de uma pesquisa para aquisição de munições e equipamentos da submetralhadora roubada do BOPE e que seria usada na execução.
MAIS UMA MORTE
Outro ex-militar carioca, o capitão Adriano Magalhães Nóbrega, também inicialmente preso por suspeita de participação no crime de Marielle, era peça importante na história, pois mantinha ligações com importantes políticos, com influência na Câmara de Vereadores e Assembleia do Rio. Após ser solto, desapareceu do mapa, refugiando-se numa fazenda no interior da Bahia. Foi executado com diversos tiros num suposto confronto com a PM baiana, em estreita ligação a PM do Rio.
ENRIQUECIMENTO PESSOAL
Uma marca visível na vida de todos esses milicianos envolvidos no crime de Marielle e Anderson, é o enriquecimento pessoal, que se dá muito estranhamente após a morte de Marielle. Élcio confessa em sua delação que estranhava a quantidade de bens nas mãos de Ronnie, como carros de luxo, lancha, camionetes blindadas, tereno de 3,5 mil metros em Angra dos Reis. O ex-bombeiro preso ontem morava numa mansão em bairro nobre, com BMW e Porsche na garagem.
O que causa enorme estranheza é que autoridades do Rio, sobretudo do Ministério Público (estadual e federal) fiquem de olhos fechados diante de tamanha exposição de riqueza obtida por meros funcionários públicos, sem nunca tomarem qualquer iniciativa de investigação.
Espera-se, agora, no desfecho dessa história de horror, que se possa, finalmente, colocar as mãos no mandante ou mandantes desses crimes bárbaros.