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Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Morte da policial Vaneza põe no foco as milícias do Rio

Um livro de Rafael Soares atesta que essa cumplicidade entre Estado e o crime não existe por acaso

Na tarde deste domingo foi sepultado no Rio de Janeiro o corpo da policial militar Vaneza Lobão, que aos 31 anos de idade e há 10 anos compondo os quadros da PM carioca, foi assassinada, de forma brutal e covarde, em frente à garagem de sua residência, recebendo vários tiros de fuzil, disparados, conforme suspeita do próprio governador do Estado, Cláudio Castro, por integrantes das milícias. 

A policial assassinada atuava na 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar(subordinada à Corregedoria-Geral da Polícia Militar), trabalhando no setor dedicado especialmente à investigação de milicianos e contraventores. Os bandidos que a assassinaram, quando ela tentava sair da garagem com seu carro, estavam todos encapuzados, usavam um carro preto e armas pesadas.  

Desde a morte e até o sepultamento, não faltaram manifestações das autoridades de que haverá rapidez na investigação, que os criminosos serão descobertos e pagarão por seu crime, que a Polícia Federal vai também atuar na investigação. O que espanta, contudo, é que venha do próprio governador do Estado o entendimento sobre a autoria, de que “há indícios fortes de que sejam milicianos que ela investigava”. 

Semelhança com o caso Marielle

Isso se torna muito mais grave por vir da maior autoridade do Estado, a quem cabe o comando de todo o sistema policial. Há mais cinco anos, bem próximo, aliás, de completar o 6º ano, a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, foi assassinada por milicianos, com autoria material creditada ao ex-PM Ronnie Lessa, mas até hoje, a despeito de inflamadas manifestações e reiterados compromissos de autoridades, os mandates do cruel assassinato nunca foram descobertos. E se descobertos foram, ninguém até hoje teve a coragem de revelar seus nomes.

Em todo esse longo período de suposta apuração do crime, o sistema policial não deu conta de encontrar os mandantes do assassinato. E sabe-se que no mapa da investigação existem não apenas milicianos, mas ex-policiais que ainda mantém força dentro das corporações e políticos influentes, alguns até históricos, com desempenho notável na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa e em esferas superiores de Brasília, inclusive autores de condecorações à “bravara” de ex-policiais, com é o caso de homenagens ao próprio Ronnie Lessa. 

Estudioso explica 

Dois livros recentes sobre a atuação das milícias no Rio de Janeiro trazem documentos contundentes e revelações espantosas acerca do poder que esses grupos exercem no Rio. O jornalista Rafael Soares, que levou mais de 10 anos pesquisando, juntando material, ouvindo pessoas, para montar um desses livros “Milicianos!” ( o outro é “República das Milícias”, de Bruno Paes Manso), publicado neste ano de 2023, diz que a relação “praticamente simbiótica entre a polícia e a milícia garante o funcionamento harmônico dessa engrenagem criminosa.” 

E afirma: ”O braço armado do Estado não encara os paramilitares como criminosos, mas como parceiros. E não é que ignorem que a milícia domina os territórios à força, fazendo seus moradores de reféns. As escutas feitas pelo GAECO mostram policiais pedindo ajuda a paramilitares para solucionar crimes, fazendo bico como guarda-costas para milicianos e frequentando suas festas nas favelas.” 

No livro, Rafael Soares atesta que essa cumplicidade entre Estado e o crime não existe por acaso: hoje, agentes egressos das forças de segurança, muitos ainda na ativa, estão por todo o organograma da quadrilha, da base ao topo.  

Uma das descobertas mais chocantes no livro “Milícias”, é a que conta a trajetória de Ronnie Lessa, que apesar de ter sua trajetória na PM marcada por uma série de denúncias de crimes – de tortura a homicídios- nunca foi investigado ou punido. Pelo contrário, foi treinado para continuar cometendo crimes. Foi condecorado, promovido e ganhou bonificações salariais justamente por conta do rastro de corpos que deixou pelo chão enquanto trabalhava para o Estado. No auge da carreira, ele decidiu vender o conhecimento que adquiriu dentro da corporação para matar em nome do crime.  

A morte da jovem policial Vaneza Lobão, assassinada certamente pela ação das milícias, parece importante, pela figura emblemática de Ronnie Lessa, trazer à memória alguns pontos cruciais acerca do domínio que os operadores da criminalidade assumiram sobre o Estado do Rio de Janeiro. Algo tão degradante e tão fortemente crescente, que parece nunca ter fim.

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