José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Marco temporal e a estranha entrega de terras devolutas

Supremo Tribunal Federal retoma julgamento do marco temporal e intensifica disputa por terras indígenas no Brasil

 Nesse próximo dia 7 de Junho, o Supremo Tribunal Federal retoma o julgamento do chamado marco temporal, que só permite a demarcação de terras indígenas que já estavam ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Fora desse prazo, os indígenas que não estavam nas áreas a serem demarcadas pelo governo não mais terão esse direito, mesmo que essa ausência de ocupação tenha sido causada por expulsão violenta de seu habitat natural, como é muito comum acontecer no Brasil.

O retorno do julgamento pelo STF ocorre num momento de grande tensão e pressão dois lados. Daqueles latifundiários que desejam continuar ocupando terras indígenas, ricas de vegetação, recursos hídricos e minérios, sobretudo ouro e diamante; do outro lado, os próprios indígenas e entidades da sociedade civil que os apoiam, na luta para evitar que o pior aconteça. Que suas terras sejam tomadas por interesses econômicos pouco republicanos, nisso incluindo poderosos agentes financeiros do exterior.

SEIS NOVAS ÁREAS

É também num momento em que o recém-empossado governo do Presidente Lula voltou a atuar fortemente no interesse de proteger as populações indígenas, homologando, como fez recentemente, seis novas áreas, após cinco anos de paralisação, desde o governo Temer e passando por todo o período Bolsonaro, governantes que atuaram em prejuízo flagrante dos povos originários, colocando-se sempre em clara demonstração de apoio aos ocupantes endinheirados.

As áreas recentemente homologadas pelo governo Lula foram Arara do Rio Amônia ( AC), Cariri-Xocó (AL), Rio dos Índios(RS), Tremembé da Barra do Mundaú (CE), Avá-Canoeiro(GO) e Uneiuxi (AM). O governo luta pela prevalência do “direito originário”, e atua para fazer a proteção dos territórios, cumprindo as determinações constitucionais de realizar as demarcações, até mesmo pelo reconhecimento de que os povos indígenas, desde a ocupação do país pelos portugueses, têm sido vítimas de exploração, saques, expulsão violenta e mortes. 

REALIDADE VERGONHOSA

E não é apenas uma questão do passado, guardada em registros históricos, mas uma realidade vergonhosa, como a que se verificou em terras já demarcadas, nas reservas indígenas dos povos Yanomamis, que estão hoje ocupadas por milhares de garimpeiros ilegais, que se instalaram na perseguição a essa gente, e contam com organização operacional do capital externo, interessado no ouro e no diamante que os invasores ilegais realizam nessas áreas e depois mandam para o exterior.

A situação é tão grave que, mesmo após quatro meses de atuação severa da Polícia Federal, do Exército, do Ibama e outros órgãos que atuam em cooperação, as áreas indígenas seguem com a presença dos garimpeiros e suas poderosas máquinas de ocupação, contaminando rios, derrubando as florestas, fazendo queimadas, intimidando, violentando e matando os remanescentes desses povos.

VERDADEIRA GUERRA

O que se vê nessa verdadeira guerra que se estabeleceu em torno do tal marco temporal, entre a luta desigual dos que querem preservar suas terras originárias e a pressão feita pelos representantes do capital, interessados em abocanhar e incorporar novas e valiosas áreas aos seus crescentes patrimônios, é bem um retrato desse Brasil enviesado que a cada dia se consolida. As atitudes tomadas pela Câmara dos Deputados, esta semana, retirando poder e capacidade de atuação do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Indígenas, enfraquecendo-os de modo escancarado, são exemplo claro sobre de que lado fica, na sua maioria, a classe política que impõe regras aos cidadãos.

TERRAS DEVOLUTAS

Outro exemplo deplorável, que chega na exata hora de separar o joio do trigo, é essa notícia dada hoje pela imprensa,  de que o governador de São Paulo decidiu acelerar o processo de regularização de terras devolutas do Estado, oferecendo aos seus ocupantes atuais descontos de 90% sobre os valores estimados, para que passem definitivamente a ser donos.

A pressa do governador paulista está amparada por uma lei aprovada na Assembleia Legislativa do Estado em 2022, e que está prestes a cair, deixando de ter validade, por ter sido questionada na justiça pelo PT e MST.

As terras devolutas são áreas públicas ocupadas irregularmente, especialmente por grandes fazendeiros, que nunca tiveram uma destinação definida pelo poder público, e também nunca tiveram um dono particular. Mas é isso que o governador paulista quer agora resolver, dando de mãos beijadas, aos seus invasores. Os imóveis integrantes dessa lista de agora foram avaliados em R$ 64 milhões, mas seus ocupantes só precisarão pagar ao governo paulista, com os descontos aplicados, nada além do que R$ 14 milhões. Uma pouca  vergonha.

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