Quanto mais se estreita o prazo para que o Presidente Lula faça a indicação do nome do futuro presidente do Banco Central- esse ente gigantesco, com o poder de manter nas suas mãos os destinos da economia brasileira-, mais crescem as especulações e começam a aparecer as dificuldades que o chefe da Nação terá nessa tarefa, até mesmo com a possibilidade de severos entraves dentro do Senado.
A Lei Complementar 179, de 2019, que instituiu mandatos escalonados para os oito dirigentes do BC, fez com que o Presidente da República eleito seja obrigado a conviver com a presença de integrantes do BC indicados por outro dirigente do Planalto que não o que tenha sido eleito.
Outro efeito dessa lei foi considerar a partir da aprovação, em novembro de 2020 no Senado, que o Banco Central viesse a ser uma autarquia especial, sem qualquer vinculação ou tutela ao Ministério da Economia, como ocorria até então. Essa independência, e plena autonomia, agravada pelo fato de que o atual dirigente do BC manifesta claro alinhamento ao ex-presidente da República e uma prática contrária à orientação que Lula e Haddad trouxeram para a economia, tem revelado sérios conflitos e uma negativa explícita do Copom (Comitê do BC para Política Monetária) de atender ao desejo do Presidente da República e dos setores produtores do país de verem taxas de juros menores das que as que estão em vigor.
São vários os momentos de embate e são também claros os exemplos de setores produtivos clamando por melhor atenção, numa fase em que o país demonstra vitalidade econômica, taxas controladas de inflação, crescimento do PIB, aumento do emprego e elevação acentuada da renda e do consumo. Hoje mesmo saiu relatório Focus do BC dando conta de que os juros não vão baixar.
Ao mesmo tempo, surge outro novo impasse. O Ministro Fernando Haddad havia anunciado há cerca de 15 dias que o Presidente Lula deveria antecipar em semanas próximas o nome de quem vai substituir Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central, já que seu mandato se expira em 31 de dezembro, e até lá o nome do escolhido já precisará ser sabatinado pelo Congresso.
Bastou isso para que o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tenha conversado com o Presidente Lula e aconselhado que ele só faça essa indicação (uma prerrogativa legítima, constitucional, legal do chefe da Nação) após a realização das eleições municipais deste ano. Pacheco, ao que se conta, estaria vendo dificuldades dentro até mesmo dentro da Comissão de Assuntos Econômicos da casa, por onde passa a sabatina do indicado, que de repente está inventando novas regras para guiar os questionamentos ao escolhido.
Vê-se, com enorme clareza, que o Executivo brasileiro vive momento crucial no seu relacionamento com outros poderes. Uma dificuldade que se lastreia significativamente no poder que o grande capital, centrado na sua atuação especulativa, exerce sobre os parlamentares e, daí, no seu controle sobre a chamada grande mídia, influenciando a liberdade de decisão do Banco Central. O BC autônomo, sob Roberto Campos Neto, não pensa, nem de longe, contrariar o pai mercado.
Assim, vamos seguindo com o liberalismo desenfreado do capitalismo, que prega um Estado mínimo, meramente figurativo, que diante de sua desejável fragilidade entregue de mãos beijadas matrimônios públicos valiosíssimos, com a Petrobras, a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. E que, na outra ponta, vê um Congresso nacional sequestrando o orçamento público para uso inescrupuloso, sem transparência, sob a rotulação de emendas parlamentares.
Li hoje um texto de Frei Beto, que nesta data completa 80 anos de vida dedicada ao servir, onde ele analisa o governo Lula e faz esse comentário, com o qual haveremos de concordar: “Lula não faz o desejável, faz o possível. Governa com duas tornozeleiras, uma em cada perna: o Banco Central e o Congresso”.