Estão vindo dos Estados Unidos duas constatações estarrecedoras e lamentáveis. A primeira, o desencadeamento de um desastre chamado de "natural", de consequências mortais, configurado nos incêndios em Los Ângeles e parte significativa da Califórnia, e que já pode ser considerada a maior catástrofe da história dessa região norte-americana. A outra ocorrência, que causa profundo espanto às pessoas de bom senso, é a de que os efeitos catastróficos desse evento estão sendo politizados de modo enviesado, irresponsável e criminoso, com a utilização da mentira e desinformação, no objetivo único de atingir a figura do governador da Califórnia, Gavin Newsom, e da prefeita de Los Ângeles, Karen Bass, ambos do Partido Democrata.
Enquanto as autoridades locais, à frente o governador democrata- portanto adversário de Donald Trump-, fazem esforço incomum e apelam ao voluntariado para ajudá-los na tarefa de apagar os incêndios e socorrer as vítimas, o presidente-eleito dos EUA e seus aliados mais robustos (Elon Musk e Mark Zuckerberg) tomam conta das redes sociais na internet para espalhar mentiras e desinformações sobre a tragédia e sobre o papel do governador e outras autoridades diante do desastre. E dizerem que os governantes são incompetentes e responsáveis pelos incêndios.
Trump tem feito repetidas postagens, chamando o governador e a prefeita de Los Ângeles, Karen Bass, de incompetentes, responsabilizando-os pelos incêndios: "Eles simplesmente não conseguem apagar os incêndios....". E apesar dos apelos do governador para que "não politize a tragédia de pessoas mortas e casas destruídas, e venham à Califórnia para se reunir com os americanos afetados por esse incêndio e por essas devastações", as acusações de Donald Trump não cessaram.
Trump acusou, sem provas, o democrata Gavin Newsom de ser o responsável pela falha no fornecimento de água que complicou o combate aos incêndios, mentindo sobre a recusa do governador de assinar um decreto que teria facilitado o fornecimento de milhões e milhões de litros de água “oriunda do excesso de chuva e derretimento da neve do norte do Estado”. Tudo isso era mentira.
O aliado de Trump, Elon Musk, compartilhou nas redes sociais, com destaque na sua plataforma X, a informação falsa de que Newsom teria descriminalizado os saques em lojas do Estado. Foi preciso que o governador fosse às redes sociais e outros ambientes de mídia para pedir que Musk parasse com a mentira, pois a propagação de que o governador havia descriminalizado essas ações, feita pelo CEO da Meta, estava, isto sim, estimulando pessoas à prática de criminosa de saques.
O que está acontecendo agora na Califórnia, com a proliferação de mentiras e desinformações disparadas por pessoas de elevado poder, nos remete diretamente a um estudo que acaba de ser divulgado nos Estados Unidos, desenvolvido pela consultoria de métrica científica Dimensions Analytics, mostrando que o fenômeno das fake news ganhou força e começou a se espalhar exatamente com a primeira eleição do republicano Donald Trump à Presidência norte-americana, em 2016.
De lá para cá, a coisa degringolou. Em 2015, conforme esses levantamentos, haviam sido publicados apenas 352 estudos acadêmicos formais com a expressão "mesinformation" (informação falsa) no título ou no resumo. Em 2024, o número acumulado subiu para 5.804, ou 16 vezes mais do que há nove anos. Com a proliferação dos estudos, mais de 36 mil artigos acadêmicos foram publicanos nessa década, na tentativa de se e compreender o trágico fenômeno das fake news.
E esses conceitos, face à realidade apresentada, estão sendo agora revistos pelo mundo acadêmico e científico mundiais no momento em que a big tech Meta, com seus ambientes Facebook e Instagram, anuncia ao mundo que deixaram de checar a veracidade de conteúdos de terceiros postados em suas plataformas.
Se a década da ciência da desinformação se implanta e se consolida num momento emblemático que foi a campanha de Trum à Presidência em 2016, a experência está a mostrar ao mundo científico que a decisão da Meta, vai se constituir numa nova etapa de agravamento do problema. E de penosos desafios que, se vencidos, embora se duvide muito desse avanço, possam libertar o mundo dos perigos que a mentira, desinformação e a propagação de ódio trazem permanentemente à humanidade.
A volta de Trump à Presidência dos Estados é um elefante que foi colocado na sala envidraçada. Isso coloca os estudiosos no canto da parede, sem saber se ganharão ou perderão essa batalha. O certo é que Trump foi eleito em 2024 semeando mentiras que proliferaram, encontraram audiência e repassadores. E a única certeza que hoje se tem é que muita gente vai despertar para esse quadro danoso e se juntar às pessoas de bom senso numa luta que será sempre maior, de resultado incerto.