José Osmando

Coluna do jornalista José Osmando - Brasil em Pauta

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Decisão da Corte dos EUA expõe presença de segregação e supremacia

A inconstitucionalidade das ações afirmativas nos EUA revela o legado do racismo e a perpetuação das desigualdades raciais

A decisão tomada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, nesta semana, de tornar inconstitucionais as ações afirmativas que permitiam usar a raça como um dos critérios para ingresso nas universidades americanas, causa decepção e tristeza, mas em nada nos surpreende. Ao contrário, torna cristalina a real percepção de que o poder norte-americano é domado por um profundo sentimento supremacista, uma decorrência histórica de sua colonização, fundada, assim como no Brasil, no trabalho escravo, negro, africano.

Nesse espírito acomoda-se o judiciário, no conforto de seu olhar superior, que vê, da altura do seu raciocínio e dos seus sentimentos, que existem raças inferiores, que merecem continuar sendo tratadas como tal, sem sair do seu lugar. Mesmo que isso gere estúpidas desigualdades, inquietações, discórdias, violência e mortes, o importante para eles é manter-se no patamar da superioridade, pelos outros jamais acessível.

CAMINHO DIFERENTE

As ações afirmativas, que se aproximam  do sistema de quotas adotado no Brasil (embora o modelo brasileiro seja bem mais avançado), têm o condão de permitir que pessoas do andar de baixo, marcadas pela cor de sua pele, limitadas historicamente nas suas oportunidades, afetadas pelo preconceito e pelo racismo, desprovidas de condições financeiras, expostas costumeiramente a violências de toda ordem, possam ter acesso facilitado às universidades. E daí, munindo-se de conhecimento e conquistando uma profissão, consigam fazer um caminho diferente de seus ancestrais, com mais autonomia e esperança.

CARÁTER SEGREGACIONISTA

Em 1978, a Suprema Corte havia decidido que as universidades não poderiam criar um sistema de cotas, mas que poderiam usar a raça como critério nas seleções. Mas isso, que vinha sendo permitido naquela nação, que se vangloria de ser a maior economia e a melhor democracia do mundo, agora não mais será permitido. E aqui repito: isso não me causa nenhuma estranheza. Os Estados Unidos, em verdade, fundado na escravidão negra, embora tenha proclamado a libertação dos escravos lá pelos idos dos anos 1860, após um processo violento de separação, que mergulhou na guerra da secessão, nunca se desprendeu do caráter racista e segregacionista de seus mandatários, sobretudo dos detentores do poder econômico, mas com deplorável condescendência do Estado.

Ku Klux Klan

Foi com motivação no revide, na imposição permanente do contra-ataque, para impedir avanços civilizatórias, como o fim da escravidão, que os Estados Unidos viram nascer, em 1865, a seita Ku Klux Klan, formada por ex-combatentes das tropas sulistas, sob liderança de um tal Nathan Bedford Forrest.

No rastro dessa violência, o grande líder do processo de libertação dos escravos, o Presidente Abraham Lincoln, que conduziria os EUA a uma posição superior como Nação, teve que enfrentar a ira dos Estados do sul, que não aceitavam o fim da escravidão e que rasgaram a constituição recém-elaborada, impondo a guerra de divisão que levou anos. E findou com uma enorme tragédia: Abraham Lincoln, no exercício da Presidência, nesse mesmo ano de 1865, foi assassinado com um tiro na cabeça enquanto assistia a uma peça de teatro em Washington.

POLÍTICA DE ESTADO

Finda a escravidão, permaneceu o caráter de segregação racial, que pode ser definida como uma espécie de política de Estado, separando as pessoas ou grupos de indivíduos de uma mesma sociedade com base em critérios étnicos ou de raça. Não podemos perder de vista que na luta contra segregação e racismo, contra a nulidade de direitos para enormes contingentes da população norte-americana, o líder Martin Luther King, que arrastava multidões na sua conclamação por direitos, também foi assassinado.

MAZELAS NÃO FORAM APAGADAS

Embora os Estados Unidos, em 1964, pelas mãos de Lyndon B. Johnson, tenha adotado instrumento para acabar com a segregação racial- a Lei dos Direitos Civis-, que os norte-americanos celebram festivamente a cada 2 de Julho, verifica-se que essas mazelas vergonhosas não foram apagadas no cotidiano do país. Com certeza, a luta de Martin Luther King, pelo fim dessas desgraças e pela conquista de direitos aos marginalizados, teve gigantesca influência sua. Quatro anos depois, Luther King seria assassinado, e até hoje, passados 55 anos da morte, seus sonhos estão longe de ser realizados.

A Suprema Corte dá, agora, forte contribuição para pensar desse modo.

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