Em 21 de setembro de 2023, parlamentares progressistas foram às redes sociais para festejar a decisão do Supremo Tribunal Federal, que acabava de considerar inconstitucional a tese do Marco Temporal, que estabelecia que a demarcação dos territórios indígenas deveria respeitar a área ocupada por essas populações até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988. No julgamento no STF, 9 ministros votaram pela inconstitucionalidade do marco. Dois foram pela manutenção da proposta.
Passada exatamente uma semana de decisão do STF, em 28 de setembro, o Senado Federal decidiu confrontar a Suprema Corte e concluiu pela manutenção do marco temporal, ou seja, decidiu que as populações indígenas não terão direito às terras se essas não estivessem ocupando-as até 5 de outubro de 1988. Essa conclusão dos senadores, desrespeitando o STF, representa a maior ameaça aos direitos indígenas desde a redemocratização do país.
A reabertura, neste dia 5 de fevereiro, das atividades do ano legislativo, coincidindo com a retomada dos trabalhos do judiciário, ocorrida na semana passada, deve trazer novamente à tona essa questão, que passou a ser crucial num momento extremado da história recente do Brasil, quando se registram as estatísticas mais alarmantes de violência contra nossos povos originários.
CONFLITOS
Para se ter uma ideia dessa violência assombrosa, no ano de 2020 foram registrados 1.007 conflitos, os mais elevados em 10 anos, e em 2023, mesmo com ações repressivas e de controle estabelecidas pelo Governo Lula, esse número chegou a 973. O maior foco desses conflitos (791) foi pela posse de terras, seguindo-se dos crimes de trabalho escravo (102) e conflitos por água(80 casos). A violência extremada fez 29 indígenas assassinados só no ano de 2022, sem contar as centenas de indígenas que perderam a vida, sobretudo crianças, mulheres e idosos, vítimas de desnutrição, fome, malária e pela ingestão de água contaminada por mercúrio. Apenas em 2022, foram 855 crianças até os 4 anos de idade que morreram nessas condições e o número total de mortes passou de 3 mil.
Os números de relatórios emitidos pela Pastoral da Terra e pelo Conselho Indigenista, ambos da Igreja Católica, aponta que entre 2019 e 2022, sob o governo Bolsonaro, 3.552 crianças indígenas até 4 anos de vida morreram por circunstâncias que poderiam ter sido evitadas. As áreas mais atacadas pelos conflitos e tomadas pela violência são basicamente na região amazônica, com presença descomunal nas terras dos povos Yanomamis, reserva indígena na qual se descobriu verdadeira tragédia em março de 2023, gerando atitude emergencial do recém-instalado governo Lula e um verdadeiro clamor mundial, pela exposição de espantoso crime contra a humanidade.
INVASÕES
As terras da Amazônia, com especial cobiça sobre os territórios indígenas e suas reservas demarcadas, têm sido alvo de invasão por fazendeiros inescrupulosos e por garimpeiros bancados por organizações criminosas, muitas delas do exterior. Relatório do CIMI sobre os últimos quatro anos até 2022, aponta que sob o período Bolsonaro as invasões às terras indígenas cresceram 252%, a morte de crianças passou de 3 mil e os assassinatos aumentram em mais de 30%.
EXPULSÃO DOS INDÍGENAS
Tal invasão, por fazendeiros e garimpeiros, determina a expulsão dos indígenas de suas terras, mesmo em territórios já demarcados, promove desmatamento sem igual, com uso de máquinas pesadas, contamina os rios e outras fontes de água pelo uso do mercúrio na exploração do ouro, e subtraem das terras ouro e outros ricos minerais, que são contrabandeados para o exterior. Os invasores criminosos utilizam pistas clandestinas abertas no meio da floresta, transformadas em campo de pouso e decolagem pelas quais chegam os produtos de que eles precisam para a exploração e fazem o transporte do resultado de sua atividade para fora do país.
O Congresso parece não enxergar essa desgraça que domina os territórios dos povos originários. Está, ao que demonstra, mais interessado em render-se ao lobby de madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes, cada dia mais interessados nas extraordinárias riquezas da nossa Amazônia. Daí, fica difícil acreditar que o Senado volte atrás de sua decisão e possa permitir ao Brasil render-se à inconstitucionalidade do marco temporal, como tão bem já definiu o STF. É pagar para ver.