Pouco passava das 19h do dia 25 de dezembro de 1991 quando a bandeira soviética foi baixada em Moscou pela última vez, substituída em definitivo pelas cores russas pré-revolucionárias. Foi nesse dia que o então presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, além de renunciar, declarou extinto seu cargo, entregando seus poderes para o presidente russo, Boris Yeltsin.
Um dos fatores que contribuíram para o insucesso da administração soviética parece ser comumente eleito entre os especialistas: a pesada burocracia, que acabou se tornando uma máquina centralizadora e com pequena capacidade de adaptação ao rápido ritmo de mudanças que a civilização imprimia, e ainda imprime.
Os efeitos da globalização e das inovações tecnológicas que eram compartilhadas pelo mundo, exceto com aqueles blindados pela Cortina de Ferro, colocaram a burocrática URSS em uma posição estática diante de um mundo em constante movimento, onde a habilidade de adaptação tornou-se indispensável para atender às adversidades da evolução.
Vivemos hoje um momento sem precedentes em decorrência da Covid-19. Mundo afora, as nações e organismos internacionais buscam meios de mitigar e evitar os severos impactos da pandemia, principalmente na saúde e economia.
De certo modo, na iniciativa privada, a adaptação dos processos, governança e gestão através da utilização de novas tecnologias e métodos se deu de maneira mais rápida e fácil que para as autoridades públicas. Contudo, faz-se necessário reconhecer exemplos positivos de adaptabilidade à crise em âmbito brasileiro, como é o caso do Judiciário em seus vários níveis.
A lei de 2006 que dispõe sobre a informatização do processo judicial tornou realidade o processo eletrônico, ferramenta que permitiu que os Tribunais continuassem a funcionar mesmo diante do isolamento social. Também merecem destaque os julgamentos colegiados por videoconferência, como a primeira sessão plenária do STF e a inédita sessão por videoconferência realizada pela 3ª turma do STJ.
Ainda sobre inovação, vale citar a possibilidade da conciliação não presencial nos JECs; a execução da assembleia geral de credores em ambiente virtual nas recuperações judiciais; a criação dos centros judiciários destinados à promoção e realização de negociações e mediações; e, em destaque, o Provimento nº 100 do CNJ, segundo o doutor Tomas Meireles, um dos maiores avanços na eliminação de burocracia, sem prejuízo à manutenção da fé pública.
Como bem colocado pelo desembargador Elton Leme, a adaptação não foi motivada apenas pela pandemia. Decorreu de um longo processo estratégico de gestão, nos últimos 20 anos, em que o Judiciário reconheceu a necessidade de se modernizar em termos de gestão tecnológica e com isso, acidentalmente, mas não por acaso, chegou a um momento de crise com instrumental técnico-material pronto e maduro para virar a chave e trabalhar no modo tecnológico.
Todavia, infelizmente esta não é a postura que observamos nas diversas esferas do Poder Executivo, que acaba optando por políticas mais imediatistas, com gestores e objetivos de curto prazo, sempre focando na próxima eleição, e não em projetos de Estado.
Hoje é completamente inconcebível que a defesa de uma multa no Departamento Estadual de Trânsito ou a impugnação de valor venal de um imóvel na Fazenda Pública, por exemplo, exijam ações que ainda requeiram presença física do demandante, sem que um sistema eletrônico seja disponibilizado para facilitar a vida da sociedade como um todo.
Com o fracasso da burocracia soviética e considerando as referências de sucesso obtidas pelo Judiciário se valendo da desburocratização dos processos, espera-se que o Executivo trilhe um novo caminho, trazendo o avanço tecnológico que permitirá a quebra de paradigmas que sobrepesam, encarecem e alongam o cotidiano do empresário e do cidadão brasileiro.
Como pontuou o ministro do STF e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso: “Tem se falado que, depois da crise, haverá um novo normal. E se não voltássemos ao normal? E se fizéssemos diferente?”