Em 25 de Agosto de 1961, depois de oito meses de um mandato tumultuado e bastante polêmico, eleito em 1960 com a proposta de “ varrer a corrupção do Brasil, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República.
Sua renúncia causou surpresa nacional e colocou o país numa profunda crise política, que começaria imediatamente com os movimentos políticos para impedir a posse do Vice-Presidente, João Goullart , ou Jango, como era popularmente conhecido.
Jânio havia surgido como um verdadeiro fenômeno político. De vereador de São Paulo, chegou à Presidência da República de modo meteórico. Jânio chegou a ser eleito deputado por dois estados diferentes e por dois partidos diferentes em uma mesma eleição. Era virtualmente imbatível com seu estilo de amador sem compromisso com os políticos tradicionais, empregando um discurso de moralização do Brasil e utilizando um marketing de campanha que incluía desmaios durante os comícios e emprego de pó nos ombros do paletó para simular uma caspa populesca, sanduíches de mortadela entre um comício e outro e a vassoura como símbolo da corrupção que seria varrida do país. O general Lott, candidato da situação, foi atropelado por Quadros.
O Governo Jânio Quadros, entretanto, seria um dos mais curtos e frustrantes da História do Brasil. O presidente adotou o amargo tratamento de choque do Fundo monetário Internacional (FMI), que consistia, basicamente, em aplicar medidas de austeridade econômica, como a desvalorização do cruzeiro, o corte de subsídios do trigo e do petróleo e o aumento da arrecadação de impostos. Em suma, atitudes impopulares que acarretavam o aumento do custo de vida. Ademais, o presidente tomou uma série de medidas incabíveis, tais como a proibição de beijos em público e de brigas de galo. O país necessitava de um estadista e ganhava um delegado de costumes.
No plano das relações internacionais, porém, o governo inaugurou a Política Externa Independente, uma guinada de 1800 na política externa brasileira, que tinha como principal objetivo buscar novos parceiros comerciais para o país, inclusive os países do bloco socialista e as nações da África portuguesa que passavam pelo processo de descolonização. A condecoração do ministro da Economia de Cuba, Che Guevara, foi o bastante para o jornalista Carlos Lacerda, da UDN, romper publicamente com Jânio Quadros. O presidente perdia sua frágil base parlamentar no Congresso.
Em 25 de agosto de 1961, Dia do Soldado, o presidente Jânio Quadros apresentou à nação sua carta de renúncia. O seu último ato presidencial foi um terrível equívoco, uma tentativa de golpe mal arquitetada. O objetivo de Jânio Quadros era criar um clima de comoção nacional de tal modo que os ministros militares, o Congresso e a população pedissem para que ele ficasse. Seu objetivo era negociar sua permanência na presidência da República com poderes excepcionais. A população, frustrada com as medidas econômicas rígidas e com os decretos moralistas de Quadros, não reagiu como o Presidente esperava. Os ministros militares se limitaram a publicar um manifesto atestando que o vice-presidente, João Goulart, que se encontrava em visita oficial à China comunista, não assumiria a Presidência da República por representar um perigo aos quadros democráticos e constitucionais, pois Jango seria apoiado por elementos do clandestino Partido Comunista.
Jânio, ao renunciar, deixou uma carta ao povo brasileiro, na qual alegava “ forças ocultas” que lhe levaram ao gesto radical:
"Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.
"Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
"Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente assim seremos dignos deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria."
Brasília, 25 de agosto de 1961.
Jânio Quadros"