No dia 24 de setembro de 1969, hoje decorridos 50 anos, uma tragédia aérea abalou o futebol e o povo boliviano. Ao retornar de Santa Cruz de La Sierra, em direção a La Paz, a capital da Bolívia, a equipe do The Strongest, apelidada de Tigre, clube tradicional, fundado em 1908, o avião em que viajam os jogadores, equipe técnica e outros passageiros, um Douglas DC-6 do Lloyd Aéreo Boliviano, bateu na região montanhosa de Viloco, a cerca de 100 km de La Paz. Todas as 74 pessoas que estavam a bordo morreram, incluindo 16 jogadores e três membros da comissão técnica do clube.
O time do The Strongest, após o fim da temporada, fora a La Sierra disputar um amistoso com a equipe do Cerro Porteño, do Paraguai, jogo que perdeu, um revés que deixou os jogadores tristes. Não esperavam que o pior aconteceria no retorno para casa, diante da morte de toda a equipe a bordo.
Mas, se a tragédia atingiu o time boliviano, um milagre aconteceu ao jogador brasileiro Nilton Pinto, o Niltinho, que há poucos dias fora contratado para jogar no The Strongest. Ele em sua casa, em La Paz, arrumando as malas para embarcar com a equipe para jogar em Santa Cruz de La Sierra, quando recebeu um telefonema de um dirigente do Clube Always Ready, time igualmente do futebol boliviano, para o qual jogava, avisando que ele não poderia ir para La Sierra, pois o The Strongest, que o contratara, verbalmente, não havia pago a quantia acertada pela negociação.
Niltinho era muito querido no Always, por cuja equipe disputou a Copa Libertadores de 1968. Assim, obedecendo às ordens dos dirigentes do clube ao qual ainda estava ligado, não viajou, sendo salvo da morte.
O fato, lamentável sob todos os aspectos, foi destaque no mundo inteiro e entrou no estilo do deboche, resultando manchetes de jornais como essa : “Calote do The Strongest salvou brasileiro de desastre aéreo”.
Na queda do avião que matou o time do Strongest não houve sobreviventes, do que se deduz que Niltinho também teria morrido.
A tragédia jamais desapareceu da memória de Niltinho, como ele mesmo conta à repórter que o entrevistou há pouco:
— Menina, sabe que eu nem consegui dormir ontem à noite? Depois que eu falei com você sobre o acidente, fiquei lembrando. Toda vez que eu viajo de avião é a mesma coisa. Me preocupo, não consigo parar de pensar no que aconteceu.
— Fui convocado para o jogo, mas não me liberaram. O presidente do Always não me deixou ir porque não tinha sido feita a transferência do dinheiro. Na hora eu xinguei, porque queria ir — contou o ex-jogador.
A revolta durou pouco. Niltinho desfez as malas e ficou na concentração. Poucos dias depois, recebeu a notícia de que o avião que trazia o time de volta havia se chocado contra a cordilheira. Não havia sobreviventes.
— Quando eu soube, nasci de novo. Fiquei atordoado. Na hora calcule o que passou pela minha cabeça, eu nem sabia o que falar. Todos os meus companheiros, inclusive dois atletas que jogaram no Always comigo (Jorge Tapia e Eduardo Arrigó), haviam falecido. Aquilo me deu um vazio, eu tinha 21 anos. Não fui e o avião caiu. Como é que a gente fica? — contou.
O brasileiro não foi o único a se salvar. Três jogadores do Tigre também não embarcaram: Luis Gini, por motivo de lesão; Marco Antonio Velasco, que chegou a ir a Santa Cruz de la Sierra, mas optou por ficar mais uns dias para visitar sua família; e o capitão Rolando Vargas, que estava gripado. Padrinho do filho de Nilton, o boliviano diz que sua salvação foi "obra do destino".
A tragédia causou grande comoção na Bolívia e em toda a América do Sul. O presidente do clube na época, Rafael Mendoza, foi responsável por reerguer a equipe e contou com muita colaboração. Como estava praticamente acertado, Niltinho foi o primeiro a se apresentar. Depois vieram os outros. O arquirrival Bolívar e outros times locais emprestaram jogadores para que o Strongest pudesse fazer uma excursão para arrecadar fundos.
O Brasil também participou. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD), então presidida por João Havelange, organizou um Fla-Flu no Rio de Janeiro e doou toda a renda para o clube de La Paz. O Boca Juniors repetiu o gesto e ainda cedeu dois jogadores de sua base - Luis Fernando Bastida e Víctor Hugo Romero - que vieram a ser destaques na Bolívia. Já o presidente da Conmebol, Teófilo Salinas, colaborou com 20 mil dólares.
Todo o apoio fez com que o The Strongest se recuperasse rapidamente. Já na temporada seguinte, ergueu o troféu do Campeonato da Liga de La Paz - o futebol boliviano ainda não tinha uma liga unificada. A equipe foi campeã também em 1971 e 1974, além de ter vencido a Copa Simón Bolívar em 74.
— A ideia de fechar o clube sequer foi cogitada, porque embora tenha sido uma marca terrível na Bolívia, o Strongest já era muito grande e querido. O time se reergueu porque todo mundo queria ajudar. Foi uma coisa monstruosa, o país inteiro parou. Todos se comoveram — explicou o ex-jogador, que deixou o clube amarelo e preto em 1973.