Parecia um dia comum na vida de Geovana. O sol brilhava como de costume nas temperaturas escaldantes de Teresina, capital do Piauí. A rotina da jovem de 21 anos transcorria normalmente, exceto pela dor de cabeça incômoda que persistia mesmo após doses contínuas de dipirona. Na academia, ela buscava talvez um alívio, uma pausa na correria de conciliar estudos e trabalho. Porém, não imaginava que, minutos depois, estaria ao chão, desacordada, prestes a iniciar um novo e desafiador capítulo de sua vida.
Quem vê Geovana Tomé na TV, no comando do programa esportivo Olé, jamais poderia supor sua árdua batalha. Ela é sobrevivente de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e de um aneurisma, problemas de saúde que assustam qualquer pessoa pelo grave risco de comprometimento neurológico e até mesmo de morte.
Hoje, com 22 anos, a jovem jornalista recorda o pesadelo que enfrentou há cerca de um ano, mas também reflete sobre como isso ressignificou a importância de aproveitar e viver intensamente cada dia, cada momento, cada conquista.
Geovana faz parte de uma estatística que vem preocupando médicos no mundo todo: o aumento no número de casos de AVC em pessoas mais jovens.
Em outubro, a revista científica The Lancet Neurology apontou que os casos de Acidente Vascular Cerebral na população com menos de 70 anos aumentaram 14,8% no mundo. Esse índice é ainda maior no Brasil. Dados da Rede Brasil AVC indicam que cerca de 18% das ocorrências afetam pessoas entre 18 e 45 anos no país.
E não é preciso ir longe para encontrar outros sobreviventes de AVC. A poucos quilômetros da emissora onde Geovana trabalha, a colega de profissão Nayane Miranda também enfrentou uma árdua batalha para sobreviver e ver seu filho crescer.
Sempre ativa e com uma rotina agitada, Nayane sentiu uma dormência no braço direito no dia anterior ao AVC. Imaginava ser apenas um ponto de tensão, mas já era um sinal do problema que mudaria completamente sua forma de enxergar o futuro.
“Os médicos dizem que sou um lindo milagre”
Os pontos da cirurgia ainda são visíveis, mas desaparecem sob os longos cabelos de Geovana Tomé. A apresentadora de 22 anos brinca: “A cabeça permanece aberta”.
Apesar da pouca idade, ela teve que aprender cedo a lidar com as incertezas do amanhã. Hoje, utiliza sua história para alertar sobre os riscos do AVC e a importância de estar atento aos sinais.
Ao MeioNews, ela explicou que o diagnóstico veio após desmaiar enquanto realizava exercícios físicos. Na ocasião, a jornalista sofreu convulsões.
“Eu tinha voltado há pouco tempo para a academia. Fui às seis da manhã porque passo o dia todo trabalhando e estudando, é uma rotina cansativa. Quando fiz um exercício, simplesmente caí. A partir daí, não lembro de mais nada.”
O AVC que acometeu Geovana foi do tipo hemorrágico, o mais raro e grave, responsável por cerca de 15% dos casos, segundo o Ministério da Saúde.
Esse tipo de AVC é causado pelo rompimento de um vaso cerebral, provocando uma hemorragia que pode ocorrer tanto no tecido cerebral quanto na superfície entre o cérebro e a meninge. Ele tem maior probabilidade de causar morte do que o AVC isquêmico.
“Depois da queda na academia, eu acordei com uma dor de cabeça muito forte. Fiz todos os procedimentos, e foi detectado que eu tinha sofrido um AVC hemorrágico. Antes disso, eu sentia dor de cabeça todos os dias. Tomar dipirona, para mim, era como tomar água, não fazia mais efeito.”
O neurologista Eduardo Borges explica que certos hábitos aumentam o risco de AVC em jovens e na população em geral.
“O AVC em jovens é estatisticamente mais raro e, geralmente, associado a doenças hematológicas, como as trombofilias, e a condições genéticas raras. No entanto, o aumento dos casos nessa faixa etária deve-se principalmente à prevalência de fatores de risco tradicionalmente relacionados a pessoas mais velhas, como obesidade, sedentarismo, tabagismo, abuso de álcool, hipertensão, diabetes e colesterol alto. Além disso, fatores ambientais, como poluição do ar, altas temperaturas e estresse crônico, também têm influência.”
O alerta também é compartilhado pelo neurologista Carlos Daniel Miranda, que destaca, além disso, questões como a ansiedade e o estresse, tão comuns nos dias atuais.
“Uma explicação para o aumento na incidência de AVC em jovens é a mudança no estilo de vida, com a adoção de hábitos pouco saudáveis, como alimentação inadequada e sedentarismo, que predispõem ao surgimento de alguns desses fatores de risco nessa população. Da mesma forma, a ansiedade e o estresse também podem aumentar o risco de AVC”, ressalta.
Ainda nesse ponto, o médico Eduardo Borges indica que o estresse crônico aumenta a liberação de hormônios que podem influenciar na pressão arterial e na frequência cardíaca.
Histórico familiar
No caso de Geovana, os médicos acreditam que a explicação está na predisposição genética: sua família possui histórico de problemas neurológicos e cardíacos.
Durante a investigação do AVC, ela também descobriu a presença de um aneurisma, o que a obrigou a passar por uma cirurgia.
“Descobri que minha família, por parte de pai, tinha um histórico de AVC e aneurisma. Então, foi algo genético. Aconteceu de repente. Eu havia feito exames dois ou três anos antes, e nada tinha sido detectado. Acreditam que o problema foi se desenvolvendo nesse período. Minhas dores de cabeça aumentaram muito, e eu também sentia dores nos olhos, principalmente na parte frontal do lado direito. Outro sintoma era o cansaço excessivo.”
Os dias após a cirurgia não foram fáceis e exigiram muita força mental e resiliência.
“Passei alguns dias na UTI. Foram momentos muito difíceis: muitos aparelhos, você não pode se mexer, fica apenas olhando para o teto. Até o barulho dos aparelhos começou a me incomodar. Passa muita coisa pela cabeça, e eu só conseguia dormir com remédios. Foi horrível.”
Lidando diariamente com as câmeras e se destacando na comunicação, o caso de Geovana surpreende os profissionais de saúde. Ela praticamente não teve sequelas e despertou após o AVC e a cirurgia do aneurisma com suas funções intactas.
uma mãe com avc: "Foi um furacão que passou na minha vida"
Advogada e jornalista, Nayane Miranda vivia um momento único e especial: feliz, casada e com um filho recém-nascido, ela seguia o fluxo normal da rotina, conciliando as responsabilidades do trabalho, as atividades físicas e, agora, a nobre missão de ser mãe.
No entanto, ela sequer imaginava que, em 21 de agosto de 2024, o curso de sua vida mudaria abruptamente, trazendo obstáculos, desafios e importantes aprendizados.
Jovem, Nayane foi diagnosticada com um Acidente Vascular Cerebral (AVC), enfrentando a dor da incerteza, o medo e as dúvidas sobre o futuro.
“O meu sintoma foi dormência no braço direito, apenas. No primeiro momento, procurei um ortopedista porque acreditava que era algo relacionado a pontos de tensão. Após a consulta, o ortopedista me informou que me encaminharia a um neurologista. Nesse momento, perguntei: ‘Doutor, acha que pode ser AVC?’, e ele logo respondeu que não descartaria a possibilidade.”
Nayane relata que sentiu a dormência no dia 21 de agosto, mas seguiu sua rotina normalmente. Apenas no dia 22 ocorreu a descoberta do AVC, ou seja, ela já havia dormido com o problema.
“Assim que saí do consultório, fui à urgência, onde realizaram vários exames e diagnosticaram que eu estava tendo um AVC hemorrágico. Repetiram a tomografia, agora com contraste, e fui encaminhada diretamente para a UTI. Senti o braço dormente no dia 21 de agosto e fui internada no dia 22 de agosto, às 19 horas.”
O processo foi descrito por Nayane como um verdadeiro “furacão”. Com o AVC, ela precisou interromper temporariamente seus planos e projetos e, acima de tudo, ficar longe do filho, que ainda amamentava. A distância de casa e da rotina familiar trouxe uma dor emocional tão ou mais desafiadora do que os sintomas físicos.
A luta pelo tratamento
Nayane Miranda precisava de uma intervenção cirúrgica que exigia o uso de um neuronavegador. Entretanto, o plano de saúde não disponibilizava o equipamento com a urgência necessária, e ela teve que recorrer às redes sociais para garantir o tratamento a tempo. O AVC não espera, e a advogada corria o risco de sofrer outro episódio a qualquer momento.
“Quando fui internada, realizei diversos exames, como angiografia e ressonância magnética. Através deles, o médico me informou, com maior precisão, que seria necessária uma intervenção cirúrgica. Para isso, era imprescindível o uso de um aparelho chamado neuronavegador, que diminuiria o risco de sequelas. Contudo, o seguro saúde demorava para autorizar o equipamento e, enquanto isso, me disseram que, se eu tivesse outro AVC, não era para me preocupar porque eu já estava no melhor lugar. Achei essa resposta extremamente descuidada e desumana. Diante disso, gravei vídeos que viralizaram, e foi assim que consegui o neuronavegador.”
No caso de Nayane, a cirurgia teve como objetivo corrigir um cavernoma, um aglomerado de vasos sanguíneos anormais no cérebro. O procedimento ocorreu quase duas semanas após sua internação para tratar o AVC.
“A cirurgia foi para corrigir um cavernoma. Tratava-se de uma intervenção de ‘cabeça aberta’, cortando várias camadas até atingir o local. Foi um procedimento grande, com 13 pontos. A cirurgia aconteceu no dia 4 de setembro e, logo depois, tive alta.”
A família pode ajudar na identificação dos sintomas?
A dormência citada por Nayane é um sintoma do Acidente Vascular Cerebral (AVC), e o médico neurologista Carlos Daniel Miranda reitera qual o procedimento para o diagnóstico do paciente.
“Deve-se suspeitar de um AVC sempre que uma pessoa desenvolve sintomas neurológicos súbitos, como fraqueza muscular, dormência, alteração da fala, dificuldade para se comunicar, incoordenação motora, alteração do equilíbrio e da marcha, alteração da visão, dor de cabeça súbita e intensa. Nestes casos, o paciente deve ser encaminhado imediatamente para um serviço médico para que sejam realizados, o mais rapidamente possível, a investigação com exames complementares (como a tomografia de crânio) e o tratamento”.
Nesse sentido, o também neurologista Eduardo Borges explica ao MeioNews que os familiares e pessoas próximas podem auxiliar na identificação dos sinais da doença. O conhecimento dos sintomas ajuda na busca pelo atendimento profissional.
O médico explicita que há um mnemônico conhecido para o AVC, o qual reproduziremos a seguir:
CORRIDA CONTRA O TEMPO
“Essa rápida identificação dos sintomas é crucial para que a avaliação e tratamento sejam realizados o mais breve possível, pois tempo é neurônio. Sabe-se que cada minuto perdido representa a morte de aproximadamente 2 milhões de neurônios, o que aumenta o risco de morte ou sequela grave”, destaca o médico Eduardo Borges.
Outra possibilidade clínica é a utilização de uma medicação na veia, visando à dissolução do coágulo, minimizando o risco de morte neuronal.
“Existe a possibilidade de usarmos uma medicação na veia (trombolítico) em até 4h30min do início dos sintomas, que dissolve o coágulo e reestabelece o fluxo sanguíneo normal nos casos de AVC isquêmico. Além disso, outras medidas são implementadas no sentido de minimizar a morte neuronal, idealmente em uma unidade de AVC, que é uma unidade multiprofissional com protocolos internacionais bem estabelecidos para o melhor cuidado desses pacientes”, pontua o neurologista Eduardo Borges.
TROMBOLÍTICO AJUDA A SALVAR VIDAS E MINIMIZAR AS SEQUELAS
Desde setembro de 2022, o Piauí, através da Secretaria de Saúde (Sesapi), implementou as Linhas de Cuidado para Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Essa iniciativa visa proporcionar um atendimento ágil e eficaz a pessoas acometidas por essas condições graves. Desde o início do programa, em outubro de 2022, foram realizados 6.457 atendimentos, com a aplicação de 849 trombólises – tratamento que aumenta as chances de recuperação sem sequelas quando administrado no tempo adequado.
O AVC é uma das principais causas de morte no Brasil, tirando a vida de mais de 100 mil pessoas por ano, segundo a Sociedade Brasileira de AVC. No Piauí, os números reforçam a relevância de estratégias que promovam rapidez no diagnóstico e acesso ao trombolítico, principalmente em casos de AVC isquêmico e infarto.
Um exemplo de sucesso dessa política é o caso de Carlos Augusto, motorista, que sofreu um AVC em julho de 2024. O episódio ocorreu enquanto ele estava em casa com a família. Após desmaiar e perder os movimentos, sua esposa rapidamente identificou os sinais de AVC e o levou à Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Lá, ele foi atendido via telemedicina e encaminhado ao Hospital Getúlio Vargas (HGV) em Teresina, onde recebeu o trombolítico dentro do período crítico de 4h30min.
“Após receber o medicamento, fiquei alguns dias internado, mas posso dizer com tranquilidade que a rapidez no atendimento e a qualidade do serviço do HGV foram cruciais para a minha recuperação. Estou aqui hoje com minha família graças ao atendimento recebido”, relatou Carlos.
Elane Rodrigues, esposa de Carlos, destacou a eficiência no atendimento:
“Tudo aconteceu muito rápido, entre 30 a 40 minutos desde a UPA até o HGV. Os médicos afirmam que a agilidade em receber o medicamento foi a diferença entre a vida e a morte. O tratamento do SUS mostrou a qualidade do serviço.”
Benoni Carvalho, coordenador das Linhas de Cuidado do IAM e AVC, reforçou o impacto positivo do programa:
“Graças à organização e qualidade do serviço público, mais de 6.400 pessoas tiveram acesso ao trombolítico, um medicamento que pode salvar vidas e prevenir sequelas graves.”
RECUPERAÇÃO: UM TRABALHO QUE ENVOLVE UMA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR
Nordestina raiz, Nayane Miranda, poucos dias após deixar o hospital, já ensaiava passos de forró. A recuperação da jovem advogada e jornalista é surpreendente. Esse trabalho, realizado de forma meticulosa, envolve uma equipe multidisciplinar, permitindo que, gradualmente, sua vida "volte ao normal".
“Saí do hospital sem os movimentos do lado direito (braço e perna) e precisando de ajuda. Eu tive que reaprender até a escrever. Surreal! Com 15 dias, eu já estava caminhando e, com 30 dias, já havia recuperado 90% de todos os movimentos. Inclusive, gravei um vídeo dançando forró”, relatou Nayane.
Atualmente, Miranda afirma ter superado mais de 90% das sequelas pós-cirurgia e expressa sua gratidão por ter sobrevivido ao Acidente Vascular Cerebral.
“Me encontrar vulnerável, sem saber o que aconteceria, foi surreal, até porque sou uma pessoa esclarecida e sei que um AVC hemorrágico poderia me levar ao óbito. Mas, acima de tudo isso, há um Deus que cuida, protege e cura. Eu sou a prova do milagre de Deus, pois, além de sobreviver a tudo isso, já superei 99% das sequelas pós-cirúrgicas.”
Para alcançar uma recuperação tão rápida e eficiente, a jornalista mantém consultas regulares com o neurologista, retomou as aulas de pilates — uma atividade que já praticava antes do AVC — e é acompanhada de perto por um fisioterapeuta.
“Tenho consultas de rotina com o neurologista Antônio Carlos e, até hoje, faço fisioterapia, pois ainda sinto dormência no lado direito do corpo. Também retornei às aulas de pilates, que me proporcionam melhorias no equilíbrio, fortalecimento, consciência corporal, dentre outros benefícios”, explica Nayane.
A previsão inicial era de que ela voltasse a caminhar após dois meses. No entanto, com apenas quinze dias, Nayane já estava de pé. Com essa determinação, ela segue confiante de que todas as sequelas serão superadas.
“Não há como descrever meus sentimentos; nada que eu diga pode explicar a vida de um avcista, especialmente de uma mulher avcista. Com o AVC, o nosso corpo — a nossa casa — desmorona. Os projetos ficam em segundo plano, e percebemos que literalmente precisamos de outras pessoas. Foi necessário superar o insuperável, não acreditar no pior ou em uma recuperação lenta. Me disseram: ‘Você caminhará, em média, após dois meses’, mas eu acreditei no Deus do impossível e, em quinze dias, já estava caminhando. Então, primeiro Deus (sempre!), e, em segundo lugar, o poder da nossa mente, pois o nosso corpo obedece aos nossos comandos, sentimentos e emoções.”
quase 100% de recuperação da plenitude física
O MeioNews conversou com o fisioterapeuta Hélio Siqueira, responsável pelo acompanhamento de Nayane. Ele detalhou os avanços significativos obtidos pela paciente no processo de recuperação das funções motoras, destacando o papel essencial da fisioterapia nesse contexto.
“No caso da Nayane, ela chegou até mim através de uma indicação de pacientes que já haviam passado pelo meu atendimento. Ela apresentou uma evolução muito rápida. Por quê? Porque a área atingida no caso dela não comprometeu segmentos importantes a ponto de causar uma perda total dos movimentos. Quando chegou, ela tinha traços motores preservados e uma coordenação um pouco debilitada, mas ainda existente. A evolução foi muito acelerada”, explicou Siqueira.
O fisioterapeuta destacou que Nayane está próxima de alcançar 100% da sua recuperação física. Para isso, ele enfatizou a importância do esforço e da disciplina demonstrados pela jornalista e advogada ao longo do tratamento.
“Primeiro, ela é uma paciente muito disciplinada. Seguiu as terapias dentro do cronograma que estabelecemos — eu como fisioterapeuta e ela como paciente. Ela compreendeu que, no início do tratamento, era necessária uma abordagem mais enérgica para recuperar suas funções. Hoje, Nayane já recuperou praticamente 100% da sua plenitude física, restando apenas ajustes pontuais relacionados ao ombro, que sofreu uma sequela maior no início, com uma perda de força significativa nos músculos que coordenam as funções dessa região.”
Quais são os objetivos da fisioterapia na recuperação de pacientes que sofreram um AVC?
Para pacientes que enfrentam comprometimento funcional devido a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), a fisioterapia desempenha um papel essencial. Assim como Nayane conseguiu uma evolução notável, muitos encontram nas técnicas fisioterapêuticas uma esperança concreta de recuperação.
“Os objetivos da fisioterapia na recuperação de uma pessoa que sofre qualquer sequela neuromotora por um acidente vascular encefálico são recuperar a funcionalidade dentro das possibilidades, permitindo que o paciente alcance independência nas atividades de vida diária (ABDs) e, idealmente, a recuperação completa da funcionalidade motora dos membros afetados”, explica o fisioterapeuta Hélio Siqueira.
Fatores determinantes no processo de recuperação
O tempo e o grau de recuperação variam conforme fatores como idade, gravidade da lesão e o período em que o paciente ficou sem realizar qualquer tipo de terapia. Nem todos conseguem reabilitação total, mas o objetivo é alcançar o mais próximo possível de uma vida normal.
“O tempo de recuperação de um paciente deve considerar a idade, a gravidade da lesão e quanto tempo ele ficou sem realizar terapias funcionais e motoras. Esses fatores são diretamente proporcionais ao resultado alcançado, pois a gravidade da lesão neurológica compromete o número e a qualidade das funções que o paciente consegue executar”, complementa o fisioterapeuta.
A fisioterapia como um conjunto de ações
Hélio destaca que a fisioterapia neuromotora não se limita a uma técnica específica; ela é composta por um conjunto de abordagens para ajudar o paciente a recuperar movimentos e funções.
“O principal foco da fisioterapia é reduzir a rigidez muscular, quando presente, restaurar a amplitude dos movimentos, melhorar o controle de contração e relaxamento muscular, e desenvolver receptividade, equilíbrio, coordenação, força e agilidade nos movimentos”, detalha Siqueira.
Entre as técnicas utilizadas, o profissional menciona as estimulações proprioceptivas e as técnicas de facilitação neuromuscular. Além disso, a fisioterapia atua no controle da espasticidade e rigidez muscular por meio de cinesioterapia ou terapia manual. Essas abordagens buscam melhorar a agilidade muscular, quebrar a rigidez e garantir maior coordenação nos movimentos.
“Com essas técnicas, trabalhamos para que os movimentos tenham melhor coordenação e percepção, permitindo ao paciente realizar tarefas com os membros afetados de maneira mais funcional e eficiente”, conclui o fisioterapeuta.
Reaprender a se comunicar
Geovana Tomé e Nayane Miranda trabalham com comunicação e, para elas, assim como para outros pacientes que sofreram um AVC, o acompanhamento de um fonoaudiólogo é imprescindível, especialmente para aqueles que tiveram comprometimento na fala.
A fonoaudióloga Denise Nascimento explica ao MeioNews o trabalho realizado com pessoas acometidas por AVC.
“O tratamento fonoaudiológico é de suma importância para os pacientes que sofreram AVC justamente porque a Fonoaudiologia é a ciência que trabalha as múltiplas formas de comunicação. Além disso, atua em áreas correlatas, como a deglutição, auxiliando na redução dos quadros de disfagia”, esclarece.
A deglutição também pode ser afetada nos sobreviventes de Acidente Vascular Cerebral, e o profissional de fonoaudiologia auxilia no restabelecimento dessas funções, possibilitando que o paciente recupere certa independência.
“Ou seja, trabalhamos para restabelecer as funções cognitivas alteradas em decorrência do AVC, como a memória e a fala. Podemos, por exemplo, utilizar recursos de Comunicação Alternativa para ajudar na recuperação. O AVC comumente afeta a fala, a comunicação global, a deglutição e até mesmo a capacidade de compreender e expressar a linguagem. Por esses aspectos, a Fonoaudiologia torna-se imprescindível”, conclui Denise Nascimento.
Cuidado personalizado
Como o comprometimento das funções varia de um paciente para outro, o fonoaudiólogo desenvolve um plano de intervenção personalizado para atender às necessidades específicas de cada pessoa que sofreu um AVC.
As estratégias terapêuticas são ajustadas conforme a evolução do paciente.
“Desenvolvemos um plano de intervenção único, estabelecido de acordo com as demandas específicas de cada paciente. O objetivo é amenizar, atenuar e/ou recuperar as funções mais comprometidas naquele momento. À medida que o paciente evolui, adaptamos gradativamente as estratégias terapêuticas”, complementa Denise Nascimento.
Em relação à deglutição, afetada pela disfagia — dificuldade para engolir —, a profissional de saúde destaca que há riscos associados, como desnutrição ou aspiração de alimentos. O fonoaudiólogo trabalha, portanto, para reabilitar essa função, propondo exercícios específicos, orientações e adaptações na alimentação para tornar o ato de comer seguro e confortável.
Denise Nascimento relata casos de sucesso no atendimento a pacientes que sofreram AVC e garante que a evolução é perceptível.
“Com certeza, o trabalho que desenvolvemos com pacientes acometidos pelo AVC é satisfatório e essencial. Os exercícios são pautados para atender especificamente os aspectos alterados de cada paciente, sempre respeitando suas particularidades e priorizando o que mais compromete sua qualidade de vida naquele momento”, finaliza.
saúde mental pós-AVC
Além do acompanhamento regular com o neurologista e das sessões com fisioterapeutas e fonoaudiólogos, um paciente em recuperação do AVC muitas vezes precisa de uma gama de outros profissionais de saúde. Uma equipe multidisciplinar é essencial para alcançar os melhores resultados possíveis.
Nesse contexto, fisiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e psicólogos também desempenham papéis importantes. No caso dos psicólogos, os pacientes que sofreram um AVC enfrentam mudanças bruscas em suas vidas. Assim como Geovana Tomé e Nayane Miranda, que tiveram de lidar com mudanças nos hábitos, saudade da família e longos períodos de internação em Unidades de Terapia Intensiva, muitos outros enfrentam desafios semelhantes — uma situação desafiadora para qualquer pessoa acometida pelo AVC.
No ano passado, a revista científica FT publicou um artigo de autoria das psicólogas Kelly Raquel Viegas de Souza, Rafaela Fernanda Mariano da Silva e Juliana Reis de Alcântara Barros, detalhando a importância da Psicologia no tratamento de pacientes que sofreram AVC.
O artigo destaca as limitações impostas pela condição, que restringem a participação social dos pacientes e dificultam até mesmo a realização de atividades básicas. Essas restrições podem gerar gatilhos emocionais, aumentando o risco de desenvolvimento de quadros depressivos.
Nesse âmbito, o papel do psicólogo é fundamental para promover a saúde mental do paciente, ajudando-o a enfrentar essa fase de maneira mais equilibrada e positiva.
AVC E INFARTO TÊM RELAÇÃO?
Após descobrir o histórico familiar de AVC e infarto, a jornalista Geovana Tomé relatou ao MeioNews que está realizando um acompanhamento contínuo da saúde do coração. Os médicos sinalizaram que, por já ter sofrido um Acidente Vascular Cerebral, ela possui maior risco de desenvolver problemas cardíacos.
Nesse contexto, o neurologista Carlos Daniel Miranda explica a relação entre as duas doenças.
O neurologista Eduardo Borges também aponta os diversos fatores de risco comuns ao AVC e ao infarto, reforçando a importância de se atentar aos sinais.
“Existem vários fatores de risco comuns às duas doenças, como hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, obesidade e sedentarismo, além de fatores ambientais, como o estresse crônico. Por isso, investir em um estilo de vida saudável, com prática regular de atividade física, alimentação balanceada, sono adequado e evitando o tabagismo, reduz significativamente o risco de ambas as condições”, explica Borges.
Consultas médicas regulares para avaliação de fatores de risco como hipertensão, diabetes e dislipidemia também são essenciais. Estas condições, muitas vezes “silenciosas”, podem ser identificadas precocemente, e seu tratamento reduz de forma expressiva o risco tanto de AVC quanto de infarto.
ATENÇÃO AO ALERTA!
Em entrevista ao MeioNews, o cardiologista Benoni Carvalho Júnior, que lidera a linha de cuidados para AVC e infarto no Estado do Piauí, destacou um dado preocupante.
“Infelizmente, o AVC e o infarto têm como principais fatores de risco a hipertensão e o colesterol alto. No Brasil, estima-se que 1 a cada 4 pessoas terão AVC se não controlarem fatores como diabetes, hipertensão, sedentarismo, obesidade e tabagismo. Se conseguirmos controlar esses fatores, podemos prevenir até 90% dos casos de AVC. Além disso, o risco de uma pessoa que já sofreu um AVC ter outro é muito maior, o que reforça a importância do acompanhamento médico”, alerta o cardiologista.
“A VIDA APÓS O AVC É UMA NOVA CHANCE, UMA NOVA OPORTUNIDADE DE SER FELIZ, DE AMAR”
O reencontro emocionante de Nayane Miranda com o filho é a prova de que o “amanhã” sempre chega. O futuro pode ser desafiador, mas também repleto de conquistas.
Após o Acidente Vascular Cerebral, Nayane e Geovana Tomé compartilharam ao MeioNews seus sonhos e expectativas.
“Quando temos um AVC, precisamos acreditar em dias melhores, mas também contar com o apoio de uma boa família. Os cuidados que recebi — especialmente do meu esposo Orlando, da minha madrinha Valmira e das minhas irmãs — foram fundamentais para que eu seguisse fortalecida. Sou grata a Deus por essa jornada que me transformou em uma nova pessoa. Sou grata por tudo”, afirma Nayane.
Ela relata que passou a valorizar as coisas simples da vida, como o gesto de colocar café na xícara.
“Quando passamos por um AVC, percebemos que milagres acontecem em nossas vidas todos os dias. A possibilidade de locomoção, de ter força para colocar o café na xícara, de coordenar os movimentos para mexer esse café — tudo isso é espetacular. A vida tem sido tão frenética que as pessoas deixam de observar essas pequenas maravilhas.”
A jovem mãe se emociona ao relembrar o turbilhão de emoções que viveu e celebra a chance de viver plenamente e ser feliz.
“Sim, a vida após o AVC é uma nova chance, uma nova oportunidade de ser feliz e amar cada vez mais. Tive a oportunidade de viver para ser feliz e criar meu filho, Joaquim. Só pensava em me recuperar para brincar com ele, viajar com meu marido e aproveitar a vida. A vida após um AVC é mesmo um turbilhão de emoções.”
Nayane conclui sua reflexão com uma mensagem inspiradora:
“Virei a página, mas não há como esquecer esse capítulo de fé, esperança e renovação.”
“Vou vivendo um dia de cada vez”
As marcas de ter enfrentado um problema neurológico tão sério permanecem para sempre. No entanto, Geovana Tomé concentra-se na realização de seus sonhos — um deles já concretizado: o jornalismo. Há cerca de dois meses, ela assumiu o comando de um programa de esportes na TV e, agora, vive intensamente cada dia.
“Quanto aos meus sonhos para o futuro, vou vivendo um dia de cada vez. Nunca será uma vida completamente normal; a preocupação sempre está presente. Tenho receio de voltar para a academia. Amo fazer trilha, mas também sinto aquele medo. Ainda assim, sigo minha rotina, realizo meu trabalho e corro atrás dos meus objetivos. É uma nova chance, e eu a aproveito, sendo muito grata por estar aqui.”