Da superação à prevenção: as histórias e lições do infarto do miocárdio

O infarto do miocárdio, uma das principais causas de mortalidade no Brasil e no mundo, continua sendo um grande desafio para a saúde pública.

Jeová Alencar assume como vice-prefeito após uma batalha pela vida

Tomar posse como vice-prefeito de Teresina, capital do Piauí, é uma vitória em dobro para Jeová Alencar. Sobrevivente de um infarto agudo do miocárdio em maio de 2023, o ex-deputado estadual passou por duas cirurgias de cateterismo e enfrentou internações, dores intensas e a angústia de estar frente a frente com a fragilidade da vida. Hoje, além de carregar a responsabilidade de governar ao lado do prefeito, carrega também a missão de alertar sobre a importância de prevenir doenças cardiovasculares.

O infarto de Jeová iniciou-se com uma dor forte no peito, às 5h da manhã, que durou cerca de uma hora. O diagnóstico levou à realização de um cateterismo e de uma angioplastia com implantação de stent. Mais tarde, em novembro, um exame de rotina apontou uma nova obstrução arterial, obrigando o vice-prefeito a passar por outro cateterismo.

A história de Jeová se conecta à de Gerson Silva, que, aos 38 anos, sofreu uma parada cardíaca causada por um infarto. Em dezembro de 2022, ele desmaiou após sair da academia e foi salvo pela agilidade de sua esposa, Mayane, enfermeira, e pela presença de um desfibrilador automático externo (DEA) no local. 

“Sem o DEA e a agilidade de todos, eu não estaria aqui”, reconhece Gerson.

Gerson ressignifica sua história após enfrentar o problema cardíacoEssas histórias de superação reforçam não apenas a importância da prevenção, mas também da infraestrutura de saúde e do preparo das pessoas para agir em situações de emergência.

O infarto do miocárdio, uma das principais causas de mortalidade no Brasil e no mundo, continua sendo um grande desafio para a saúde pública. Em entrevista, o cardiologista Leandro Cardoso destacou os principais fatores de risco, formas de prevenção e avanços no tratamento dessa condição.

Os fatores de risco: o que está em suas mãos

De acordo com o Dr. Leandro, os fatores de risco cardiovasculares podem ser divididos em não modificáveis e modificáveis. Embora os primeiros – idade, sexo biológico, história familiar, etnia e antecedentes pessoais – não possam ser alterados, eles ajudam a identificar os pacientes mais suscetíveis.

Já os fatores modificáveis são o foco das intervenções preventivas. Tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, sedentarismo, obesidade, estresse, consumo excessivo de álcool e uso de drogas ilícitas estão entre os principais alvos. 

"A intervenção pode ser feita no sentido de atuar naqueles fatores de risco controláveis, que podemos modificar, para reduzirmos o risco de infarto subsequente".

Sintomas atípicos: o perigo da falta de reconhecimento

Embora o quadro clássico de dor opressiva no peito seja amplamente reconhecido, sintomas atípicos podem dificultar o diagnóstico, especialmente em grupos específicos.

Sintomas como dor na região do estômago, falta de ar isoladamente, queda de pressão arterial, arritmias, tonturas podem estar presentes em mulheres, Idosos (podem apresentar inclusive confusão mental), Diabéticos (podem não sentir dor no peito), pessoas com doença renal crônica, pessoas com obesidade e pacientes que já se submeteram à cirurgia cardíaca”, alerta.

Estilo de vida: uma mudança necessária e poderosa

Cardiologista Leandro Cardoso aponta para a necessidade de uma rotina saudávelA prática de atividades físicas, uma dieta equilibrada e até mesmo a espiritualidade desempenham papéis fundamentais na prevenção. 

A atividade física ajuda no controle da pressão arterial, no condicionamento cardiovascular, ajuda a controlar os níveis de glicemia, ajuda no controle do peso e também promove melhora importante na qualidade de vida e bem estar. A espirualidade/religiosidade também é importante na redução do risco de infarto do miocárdio. Independente de credo religioso, a busca espiritual e o exercício da fraternidade promovem melhora no bem estar físico, no controle da pressão arterial, outras comorbidades e fortalece a imunidade”, observa o cardiologista.

Ele também reforça a importância de evitar alimentos ricos em gorduras saturadas e açúcares, preferindo frutas, cereais e uma alimentação supervisionada por profissionais de saúde.

Prevenção e tratamento: aliados inseparáveis

Antes de mais nada, o mais importante é a prevenção. Está é a melhor estratégia. O infarto do miocárdio já é uma complicação clínica de uma doença subjacente que é a aterosclerose. A prevenção e o controle dos fatores de risco são o mais eficaz e poderoso aliado para evitarmos o infarto do miocárdio e suas complicações”, afirma Dr. Leandro.

Quanto ao tratamento, ele destaca avanços como a revascularização do miocárdio, realizada por cirurgia minimamente invasiva ou angioplastia com stent, além de exames diagnósticos e um arsenal terapêutico cada vez mais eficaz.

Os exames diagnosticos (como cateterismo, tomografias de coronárias, cintilografia miocárdica, ecocardiograma, dentre outros) também tem papel importante contribuindo para o diagnóstico precoce e auxiliando a terapêutica mais adequada a cada paciente. Há hoje também um importante arsenal de medicamentos e procedimentos para melhoras a qualidade de vida e evitar a reincidência de eventos isquemicos cardíacos. A adoção destes procedimentos não exclui a incessante atuação no controle dos fatores de riso. Devem, portanto, andar juntos”, conclui.

A Nova Vida de Gerson: Uma História de Superação e Milagre

Era um dia comum para Gerson Silva, 38 anos, quando o inesperado mudou sua vida para sempre. Após um treino na academia, onde há meses ele mantinha uma rotina de exercícios e alimentação saudável, ele saiu para buscar a esposa, Mayane Camarço, em um shopping de Teresina. Tudo parecia normal até que, em questão de minutos, Gerson caiu desacordado na calçada, vítima de um infarto.

Gerson após ter a vida em risco e sobreviver a problemas cardiacos 

“Meu infarto foi diferente dos infartos normais, porque não foi causado por má alimentação ou sedentarismo. Descobri que tinha uma má formação no coração, uma das veias nasceu atropelada por outras duas mais calibrosas, que acabaram sufocando essa veia menor e causando o problema”, explicou Gerson.

Mayane, enfermeira de formação, estava no local e rapidamente identificou a situação crítica. 

“Na hora eu não consegui manter a calma de imediato, mas comecei a pedir ajuda e identifiquei que era uma parada cardíaca. Comecei as manobras, mas eu estava muito abalada. Logo em seguida, a brigada do shopping foi acionada, trouxeram o DEA (desfibrilador) e começaram os procedimentos”, contou ela, emocionada.

O socorro imediato foi crucial. Gerson recebeu três choques do desfibrilador e recobrou os sentidos. 

“Sem o DEA, dificilmente eu estaria aqui, ou teria sequelas graves. Sou prova de que milagres existem. Deus capacitou as pessoas certas para estarem ali naquele momento, como minha esposa e a equipe do shopping, que agiu com agilidade”, disse Gerson, reconhecendo o papel vital do equipamento e do preparo das equipes.

A Recuperação e o Renascimento

Após o episódio, Gerson foi submetido a exames detalhados, que confirmaram a má formação cardíaca, e, poucos dias depois, passou por uma cirurgia de peito aberto para corrigir o problema. O caminho da recuperação foi desafiador, mas ele contou com o apoio inabalável de sua esposa e a orientação de sua equipe médica.

“O processo de recuperação dele foi muito bom, graças a Deus. Ele foi muito forte e resiliente. Seguimos todas as recomendações médicas e nos mantivemos firmes com nossa fé de que tudo seria tranquilo e o pior havia passado”, afirmou Mayane.

Seis meses após a cirurgia, Gerson retornou às atividades físicas, mais determinado do que nunca a adotar um estilo de vida saudável. Hoje, aos 40 anos, ele vive sua melhor forma física e emocional, carregando consigo uma mensagem de esperança e gratidão.

Uma Mensagem de Conscientização

Gerson vive um novo momento com mais saúde e uma rotina equilibrada

Gerson agora usa sua experiência para alertar sobre a importância do preparo em locais públicos e do acesso ao desfibrilador.

“Peço que as autoridades tenham essa preocupação de disponibilizar o DEA em locais públicos. Mais vidas podem ser salvas, assim como a minha. Na academia que frequento, por exemplo, eles têm o DEA e funcionários treinados. Isso faz toda a diferença.”

Mais do que uma história de superação, Gerson e Mayane são testemunhas de que a fé, a ciência e o preparo podem transformar vidas

“Hoje, seguimos normalmente nossa rotina, mas com muito mais gratidão. Gerson tem uma vida nova e aproveita a oportunidade de viver da melhor maneira possível. Somos muito gratos a Deus e a todos que nos ajudaram de alguma forma”, concluiu Mayane.

Dois Anos de Renascimento

Gerson e Mayane Camarço adotam um estilo de vida saudávelO dia 27 de dezembro de 2024 marca dois anos desde o infarto de Gerson, uma data que ele agora celebra como um segundo aniversário. 

“Os sonhos para a vida são continuar aqui com saúde, mostrando que, apesar das dificuldades, podemos dar a volta por cima e nos tornarmos pessoas melhores. Milagres acontecem, mas a gente também precisa fazer a nossa parte”, declarou, deixando uma lição que ressoa além de sua própria história.

AVC e Infarto: Duas Faces de Uma Mesma Ameaça

O infarto e o acidente vascular cerebral (AVC) são doenças que compartilham mais do que estatísticas alarmantes; dividem fatores de risco e uma base comum: a aterosclerose. Segundo especialistas, a prevenção e o controle desses fatores podem reduzir drasticamente o número de casos e salvar inúmeras vidas.

“Infelizmente, o AVC e o infarto são duas doenças que têm como principais fatores de risco a hipertensão e o colesterol alto. Existe um tipo de doença chamada hipercolesterolemia familiar em que o colesterol é tão alto que aumenta a chance de infarto em jovens. A pressão alta também pode ser herdada. Se os pais ou avós tiveram hipertensão, isso pode aumentar o risco de doenças cardíacas, incluindo infarto, pois a pressão arterial elevada sobrecarrega o coração e danifica os vasos sanguíneos ao longo do tempo”, explica Benoni Carvalho Junior, cardiologista e coordenador das Linhas de Cuidado de Infarto e AVC no Piauí.

Benoni Carvalho Junior é o coordenador da Linha de Cuidados do AVC e infarto no PiauíOs números impressionam: estima-se que uma em cada quatro pessoas no Brasil sofrerá um AVC ao longo da vida, caso não controle fatores como diabetes, hipertensão, sedentarismo, obesidade e tabagismo. Além disso, pacientes que já sofreram um AVC enfrentam um risco muito maior de ter outro episódio.

“A melhor maneira de prevenir o infarto é adotar um estilo de vida saudável, controlar o peso, eliminar o sedentarismo, diagnosticar precocemente doenças como diabetes e hipertensão e fazer atividade física. Existem medicações específicas para cada doença e uma consulta com o cardiologista é fundamental para esclarecimento de dúvidas e aconselhamento”, reforça Benoni.

Sintomas: Atenção aos Sinais

É preciso ter atenção aos primeiros sinais e buscar socorro imediatoOs primeiros sinais de um infarto podem ser facilmente confundidos com cansaço ou desconforto temporário, o que retarda o diagnóstico e o início do tratamento.

“Alguns sintomas iniciais de infarto podem ser sutis e passar despercebidos, como dor torácica opressiva, cansaço, suor excessivo e irradiação para os braços ou mandíbula. Esses sintomas podem passar despercebidos, especialmente em mulheres, que podem ter sintomas menos típicos. A chave para identificá-los a tempo é estar atento a qualquer desconforto no peito, especialmente se acompanhado de outros sinais como falta de ar ou dor no braço esquerdo”, alerta Benoni.

O Risco de AVC Após Infarto

Os pacientes que sobrevivem a um infarto enfrentam um risco maior de sofrer um AVC nos anos seguintes, um fato que exige atenção redobrada no acompanhamento médico.

“Há um risco elevado de acidente vascular isquêmico em pacientes que tiveram um infarto do miocárdio, afinal são da mesma doença de base, a aterosclerose. Alguns estudos indicam um risco de 2 a 3 vezes mais de AVC nos primeiros anos após um infarto do miocárdio. Daí a importância da atuação forte no controle dos fatores de risco modificáveis”, destaca Leandro Cardoso, cardiologista.

A Tecnologia na Luta Contra Doenças Cardíacas

Os avanços na medicina, incluindo o uso da telemedicina e dispositivos de monitoramento, estão mudando o cenário do tratamento e da prevenção.

“Nos últimos anos, a medicina tem feito avanços significativos no tratamento e diagnóstico mais rápido das doenças cardíacas. Com o uso da telemedicina, por exemplo, um cardiologista pode laudar rapidamente um eletrocardiograma e o paciente pode receber o tratamento mais rapidamente. Dispositivos como monitores de pressão arterial e glicose em tempo real permitem a detecção precoce de fatores de risco. Além de tudo isso, existem medicações que diminuem o colesterol de forma mais potente, o que diminui a chance de infarto”, conclui Benoni.

A mensagem dos especialistas é clara: prevenção, diagnóstico precoce e acompanhamento médico contínuo são as chaves para enfrentar essas doenças silenciosas que afetam milhões de brasileiros.

Rede de Cuidado ao AVC e Infarto Salva Vidas no Piauí

Desde setembro de 2022, a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí (Sesapi) tem implementado uma estratégia vital para lidar com emergências cardiovasculares: as Linhas de Cuidado para Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). Até agora, mais de 6.400 atendimentos foram realizados, incluindo 849 procedimentos de trombólise, técnica essencial para minimizar sequelas e aumentar as chances de sobrevivência quando aplicada em tempo hábil.

Piauí possui rede de cuidados para o AVC e infartoO AVC, uma das principais causas de morte no Brasil, afeta cerca de 100 mil pessoas anualmente, de acordo com a Sociedade Brasileira de AVC. No Piauí, a situação é alarmante, exigindo respostas rápidas e eficazes, especialmente em casos de AVC isquêmico e infarto. Já as doenças cardiovasculares lideram as causas de mortalidade no Brasil, afetando tanto homens quanto mulheres. Entre 2017 e 2021, foram registradas 7.368.654 mortes relacionadas a essas condições no país. 

“A organização e qualidade do serviço público permitiram que mais de 6.400 pessoas recebessem o trombolítico, um medicamento capaz de salvar vidas e reduzir sequelas graves”, afirmou Benoni Carvalho, cardiologista e coordenador das Linhas de Cuidado do IAM e AVC no estado.

O objetivo é preservar vidas (Foto: Tomaz Silva)O alcance do programa é expressivo, com atendimento em hospitais de diversas regiões, como Picos, Floriano, São Raimundo Nonato, Piripiri, Campo Maior, Parnaíba, além de Oeiras e Bom Jesus, além do Hospital Getúlio Vargas, em Teresina, que serve como referência no tratamento dessas condições.

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