Por Rany Veloso
Horas depois de se reunir com Bolsonaro e representantes dos outros poderes e ficar acertado a criação de um Comitê permanente contra a Covid, o presidente da Câmara mandou um recado no plenário da casa legislativa. Na abertura da sessão, em um discurso escrito, Arthur Lira (PP-AL) lembra que os remédios do parlamentos são amargos e alguns até fatais. A interpretação não foi bem digerida pelo Planalto, que avalia uma espécie de ameaça pela análise de um dos pedidos de impeachment contra o presidente da República, que se acumulam na mesa de Lira.
"Os remédios políticos no parlamento são conhecidos e são todos amargos, alguns fatais, muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incalculável. Não é esta a intenção dessa presidência", leu dizendo que seria para quem quisesse ouvir.
Foto: Agência Câmara
Parece um consenso no Progressistas (PP), importante partido no Centrão, sobre o fato de ter acendido um sinal amarelo sobre as ações ou a falta delas pelo governo federal. Lira foi pressionado por empresários que afirmam estar perdendo a paciência com o chefe do Executivo.
Pode parecer birra se manifestar dessa forma no dia em que o presidente muda o discurso, dizendo que focará na vacinação, que a vida está em primeiro lugar e que a solução seria a união entre os poderes, sem conflitos e sem politização da crise. Mas acontece que não é a primeira vez que Bolsonaro ensaia uma mudança e no fim dura apenas algumas horas.
O conselho dos ministros próximos ao presidente é que ele continue no mesmo tom apresentado ontem, inclusive na tradicional live que ele faz às quinta-feiras, no caso hoje.
Bolsonaro tem uma personalidade forte, de embate político, mas se mostrou inteligente ao ponto de reconhecer, embora tardiamente e mesmo que por um motivo político, o que é necessário no pior momento da pandemia no Brasil, que chora a perda de mais de 300 mil vidas.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, assoprou e mordeu a isca. "Fico feliz em saber que com um ano de atraso e 300 mil mortos resolveram criar um Comitê com especialistas e médicos".
É unânime entre os três poderes a opinião de que o Comitê só será eficiente se Bolsonaro cumprir o que disse.
Para alguns ministros do STF e governadores o grupo já nasce desacreditado. As críticas públicas são de chefes do executivo estadual que não foram convidados para a reunião de ontem. João Doria, governador de São Paulo, disse que esse movimento é uma farsa e que não vai adular o presidente, "me chame para um comitê de vacinação".
Os governadores que foram excluídos do encontro serão ouvidos pelo presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que ficou com a missão de levar as demandas ao Comitê. A função chega quando boa parte dos senadores pressionam Pacheco para a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que tem como objetivo apurar as responsabilidades pelo agravamento da crise.
VEJA O DISCURSO COMPLETO DE ARTHUR LIRA:
Minhas senhoras e meus senhores,
Como todos sabem, participei hoje como representante desta Casa de encontro com o senhor Presidente da República e todos os Chefes de Poderes para tratar de uma abordagem eficaz, pragmática e holística da questão da pandemia.
Pandemia é vacinar, sim, acima de tudo. Mas para vacinar temos de ter boas relações diplomáticas, sobretudo com a China, nosso maior parceiro comercial e um dos maiores fabricantes de insumos e imunizastes do planeta. Para vacinar temos de ter uma percepção correta de nossos parceiros americanos e nossos esforços na área do meio ambiente precisam ser reconhecidos, assim como nossa interlocucao.
Então, essa mudança de atitude em relação à pandemia, quero crer, é a semente de algo muito maior, muito mais necessário e, diria, urgente é inadiável: será preciso evoluir, dar um salto para a frente, libertamos as amarras que nos prendem a condicionamentos que não funcionam mais, que nos escravizam a condicionamentos que já se esgotaram.
Minhas senhoras e meus senhores,
Esta Presidência tem procurado se conduzir na trilha de um estrito equilíbrio entre o espírito de colaboração que, mais que nunca, é necessário manter e construir com os demais Poderes durante estes momentos dramáticos da pandemia e a observância fiel e disciplinada à vontade soberana desta Casa.
Vivemos nestes dias o pior do pior, as horas mais dolorosas da maior desgraça humanitária que se abateu sobre nosso povo. E quero dizer a todos que estou sensível ao desespero dos brasileiros e à angústia de Vossas Excelências, que nada mais fazem do que traduzir o terror que testemunham em suas bases, em suas comunidades.
Como presidente da Câmara dos Deputados, quero deixar claro que não ficaremos alienados aqui, votando matérias teóricas como se o mundo real fosse apenas algo que existisse no noticiário. Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar: não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo com o compromisso de não errar com o país se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que que são muito menores do que os acertos cometidos continuarem a serem praticados.
E eu aqui não estou fulanizando. Dirijo-me a todos que conduzem os órgãos diretamente envolvidos no combate à pandemia. O Executivo federal, os executivos estaduais e os milhares de executivos municipais também. Como sabemos, o sistema de saúde é tripartite. Mas, também sabemos, a política é cruel e a busca por culpados - sobretudo em momentos de desolação coletiva - é um terreno fértil para a produção de linchamentos. Por isso mesmo, todos tem de estar mais alertas do que nunca pois a dramaticidade do momento exige.
A razão não está de um lado só, com certeza. Os erros não estão de um lado só, sem duvida. Mas, acima de tudo, os que tem mais responsabilidade tem maior obrigação de errar menos, de se corrigir mais rapidamente e de acertar cada vez mais. É isso ou o colapso.
Também não é justo descarregar toda a culpa de tudo no governo federal ou no presidente. Precisamos, primeiro, de forma bem intencionada e de alma leve, abrir nossos corações e buscar a união de todos, tentar que o coletivo se imponha sobre os indivíduos. Esgotar todas as possibilidades deste caminho antes de partir para as responsabilizações individuais. É nesse esforço solidário e genuíno que estarei engajado, junto com os demais poderes. Mas será preciso que essa capacidade de ouvir tenha como contrapartida a flexibilidade de ceder. Sem esse exercício, a ser praticado por todos, esse esforço não produzira os resultados necessários.
Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta Presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, frutos da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política.
Mas alerto que, dentre todas as mazelas brasileiras, nenhuma é mais importante do que a pandemia. Esta não é a casa da privatização, não é a casa das reformas, não é nem mesmo a casa das leis. É a casa do povo brasileiro. E quando o povo brasileiro está sob risco nenhum outro tema ou pauta é mais prioritário.
Então, faço um alerta amigo, leal e solidário: dentre todos os remédios políticos possíveis que está Casa pode aplicar num momento de enorme angústia do povo e de seus representantes, o de menor dano seria fazer um freio de arrumação até que todas as medidas necessárias e todas as posturas inadiáveis fossem imediatamente adotadas, até que qualquer outra pauta pudesse ser novamente colocada em tramitação. Falo de adotarmos uma espécie de “Esforço Concentrado para a Pandemia”, durante duas semanas, em que os demais temas da pauta legislativa sofreriam uma pausa para dar lugar ao único que importa: como salvar vidas, como obter vacinas, quais os obstáculos políticos, legais e regulatórios precisam ser retirados para que nosso povo possa obter a maior quantidade de vacinas, no menor prazo de tempo possível.
Não é hora de tensionamentos. E CPIs ou lockdowns parlamentares - medidas com níveis decrescentes de danos políticos - devem ser evitados. Mas isso não depende apenas desta Casa. Depende também - e sobretudo - daqueles que fora daqui precisam ter a sensibilidade de que o momento é grave, a solidariedade é grande, mas tudo tem limite, tudo! E o limite do parlamento brasileiro, a Casa do Povo, é quando o mínimo de sensatez em relação ao povo não está sendo obedecido.
Sou um otimista. Acredito que a força do diálogo e do convencimento, a força da transformação através da sinceridade de propósitos e da colaboração fiel, mesmo que algumas vezes dissonante, é o caminho para a construção dos avanços.
Espero, do fundo do meu coração, que estas palavras ecoem e que nosso esforço de conciliação prevaleça sobre todos os outros perigos.
Muito obrigado a todos e Deus proteja o Povo Brasileiro.