"Sou gorda desde sempre, mas já provei que sou saudável", afirma a professora Ana Carolina Buzzo Marcondelli, 30. Docente de química em Américo Brasiliense (a 283 km de São Paulo), ela está entre os professores aprovados no último concurso para a educação básica que não passaram na perícia médica do Governo do Estado de São Paulo.
No total, 155 foram considerados inaptos na perícia, sendo 39 deles considerados obesos mórbidos, como Marcondelli. A reprovação na perícia impede a contração do docente.
A professora afirma ser vítima de preconceito. "É o mesmo que um negro ser impedido de dar aula só por ser negro. Faço exercícios físicos, musculação, corro e dou 28 aulas na semana", diz.
Quando foi reprovada, no início de março, uma campanha nas redes sociais deu repercussão nacional ao caso, motivando críticas ao Estado.
Para o médico da USP Evandro Cesarino, há discriminação no mercado de trabalho. "O obeso pode ter capacidade e requisitos para desempenhar uma função. Ainda mais como docente, em que ela é intelectual".
A professora em sociologia Bruna Giorjiani de Arruda, de 28 anos, é outra que passou no último concurso público da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Ela foi a segunda colocada, mas, por ser considerada obesa mórbida pelo médico perito que avaliou os exames, foi impedida de assumir o cargo de professora na Escola Genaro Domarco, em Mirassol (SP).
Bruna prestou o concurso para ser professora em novembro do ano passado e, em janeiro, saiu o resultado. Ela diz que no mês seguinte fez todos os exames médicos pedidos, como exame de sangue, urina, eletrocardiograma, laringoscopia, entre outros. A perícia em Rio Preto foi feita por uma clínica que presta serviço para o estado. ?O médico fez perguntas sobre o meu histórico de saúde e depois me perguntou sobre o meu peso e altura. Não tinha balança no local. Eu respondi, poderia ter mentido, já que o médico em São Paulo nunca me viu?, diz a socióloga.
Com seu peso e a altura, Bruna tem o IMC, que é o Índice de Massa Corporal, de 40,4, o que é considerado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como obesidade mórbida, já que o limite é de 40. Bruna confessa que nunca achou que seu peso seria problema para assumir o cargo. ?Já trabalho na rede pública de ensino há sete anos como professora substituta. Como é contrato, todo ano nós fazemos exames médicos e uma prova, e nunca tive problema. Também leciono na rede particular e meu peso nunca foi problema. Nunca fui afastada por problema de saúde?, afirma Bruna.
Atualmente, ela leciona em uma escola estadual em Nova Aliança (SP) e, se não fosse este problema, já teria assumido o novo posto em Mirassol na semana passada.
A professora ficou sabendo que não poderia assumir pelo Diário Oficial. Ela chegou a ir até São Paulo para saber mais detalhes e ver o prontuário médico para ter mais informações do que poderia ter acontecido.
Bruna afirma que entrou em contato com a Secretaria de Gestão Pública e deverá fazer novamente os exames para uma junta médica avaliar. Caso esta segunda perícia não dê certo, ela afirma que acionará a Justiça. ?Caso não dê certo vou entrar com um mandado de segurança, porque tenho direito a esta vaga, fiquei em segundo lugar no concurso e não havia nenhuma restrição sobre o peso da pessoa para assumir o cargo?, diz.
A socióloga afirma que nunca teve de pedir licença por algum problema de saúde relacionado à obesidade e que, por causa do peso, faz exames por conta própria todos os anos. ?Me afastei uma semana apenas no ano passado por causa da morte de meu pai. Nunca passei por uma situação de discriminação tão grande assim?, afirma.
"É inconstitucional", diz OAB - Segundo a presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Rio Preto, a constituição proíbe qualquer tipo de discriminação. ?O caso é completamente inconstitucional. Obviamente existem algumas profissões que sejam necessárias as avaliações de aptidão física, mas, neste caso, a qualificação técnica e profissional é muito mais importante?, comentou a advogada Suzana Quintana, presidente da OAB de Rio Preto.
Ainda segundo a advogada, Bruna deveria entrar com um recurso. ?Obviamente a obesidade é uma doença, mas isso não impede que ela trabalhe. Uma pessoa que tem diabetes está inapta então? Ela deveria ajuizar uma ação e ir até o fim em busca dos direitos dela?, explicou Suzana.
Em nota, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo diz ser totalmente contrário aos laudos de inaptidão por obesidade. "Na última reunião com o secretário da Educação questionamos todos casos dos professores que estão sendo considerados inaptos para ingresso, dentre eles os que foram considerados obesos, sendo que muitos, inclusive, já ministram aulas na rede. A SEE disse que não intervém nessa seara, pois o Departamento de Perícias Médicas do Estado (DPME) é órgão vinculado à Secretaria de Gestão Pública Pública. A APEOESP está solicitando reunião com a Gestão Pública para tratar dessa questão", afirma a presidente do sindicato, Maria Izabel Azevedo Noronha.
O sindicato também informou que ingressará com ação judicial para defender os direitos dos professores.