O desembargador Edvaldo Moura tem posições firmes, porém sempre demonstrando respeito ao contraditório, diante de temas que dividem opiniões na sociedade e no Judiciário. Em entrevista exclusiva, Edvaldo defende de forma veemente a aprovação da PEC 37. A proposta em tramitação no Congresso Nacional retira do Ministério Público o poder investigatório, restringindo à instituição policial o direito de investigar as condutas dos acusados. Para Edvaldo, garantir ao órgão acusatório o direito de investigação em detrimento do acusado desequilibra o sistema que precisa respeitar a balança a ser resguardada pelo Judiciário.
Edvaldo prefere que cada um ? Ministério Público, polícia, defensoria e juiz ? mantenha seu papel delimitado para garantir o respeito ao contraditório. O desembargador reprova ainda a redução da maioridade penal, mas defende o aumento do tempo de internação para menores infratores e defende ainda o mutirão carcerário - um dos legados da sua gestão como presidente do Tribunal de Justiça do Piauí.
Qual sua a opinião a respeito da redução da maioridade penal?
Edvaldo Moura: A questão da redução da maioridade penal geralmente passa a ser discutida quando algum menor se envolve em fato criminoso extremamente grave. Aí toda a nação se assanha e vem à tona essa questão. Eu entendo que em clima emocional não se deve defender ou criticar esse tipo de proposta, é preciso que as pessoas envolvidas se disponham a analisar mais friamente a questão. A minha avaliação é que essa matéria sequer pode ser debatida no Congresso porque ela é uma cláusula pétrea que se encontra no artigo 228 da Constituição. A Constituição que expressamente diz que qualquer garantia fundamental do cidadão como cláusula pé- trea não pode ser extinta ou alterada.
A Constituição diz que o menor de 18 anos é inimputável. Ele não pode ser processado como o criminoso adulto. Por outro lado entendo que mesmo que se pudesse defender essa alteração, ela não vai resolver problema nenhum porque não foi resolvida ainda a questão da prisão.
Não temos um sistema penitenciário que possa recuperar o criminoso. Eu não sei nem se podemos chamar o que está aí de um sistema penitenciário, aquilo é um verdadeiro caos, as pessoas que vivem nesse dito sistema são verdadeiros cadáveres verticais.
Hoje, menores praticam crimes considerados bárbaros e são recolhidos em um sistema paralelo que à vista não recupera. O que está sendo feito em relação a esses menores infratores está atendendo a proporcionalidade do crime que eles praticaram?
E.M.: Esse sistema também não disse a que veio. Infelizmente a internação de menor que comete ato infracional grave não vem sendo resolvida. Infelizmente o ambiente é parecido com o do sistema penitenciário tradicional. O sistema em que os menores cumprem as medidas de internação não propicia a sua recuperação. Esse é um problema gravíssimo, complexo, e eu acho que a voz rouca das ruas começa a se manifestar e é preciso que as pessoas se tornem mais sensíveis a uma realidade dura que exige mudanças radicais. É preciso encontrar um ambiente em que esses menores possam encontrar uma forma de convivência menos asfixiante e possam sair melhores do que entraram. Eu sou contra a redução da maioridade penal, mas sou a favor de que se aumente o tempo de duração da internação definitiva dos menores.
Em meio a essa precariedade do sistema penitenciário existe o mutirão carcerário, projeto que tem sido até protagonista de um embate no Judiciário do Piauí. Qual sua posição a respeito da eficácia do mutirão?
E.M.: Eu falo de cadeira sobre essa situação porque eu que comecei no Piauí os mutirões criminais. Eu entendo que é um mal necessário.
Não resolve. Nem aqui nem em lugar nenhum do mundo, mas minimiza quando ele é dirigido, orientado no sentido de fazer com que não só se resolva a questão do preso provisório, soltando quando ele mereça, mas julgando os processos. Fizemos um mutirão na minha gestão e ao final tínhamos instruído e julgado 400 acusados.
Não é só soltado, não. Nós julgamos e instruímos os processos de mais de 400 acusados em apenas um mutirão. Então, esse mutirão, embora não resolva, é preciso ser olhado com responsabilidade porque na verdade a preocupação da Corregedoria é minimizar o problema que é complexo e que não pode ser resolvido da noite para o dia.
Qual seu entendimento a respeito da PEC 37?
E.M.: Eu tenho um respeito muito grande pelo Ministério Público. É uma instituição essencial à administração da Justiça e tem relevantes serviços prestados à população, aqui e em todos os estados da federação. Eu analiso também com muita frieza essa questão. Para mim é um problema que está mais relacionado a interesses de ordem corporativa, o que entendo é que se tivéssemos uma polícia eficiente, sintonizada com o Ministério Público, um Judiciário mais aparelhado e todos sintonizados com a prevenção e repressão, nós teríamos como manter em níveis toleráveis a violência e o crime no Brasil.
Eu não vejo que dar poder investigatório ao Ministério Público venha resolver essa questão. Aliás, tenho a impressão que o Ministério Público investigando, denunciando e promovendo a ação, me parece que desarmoniza o sistema acusatório. Esse é um sistema de partes onde o réu tem que estar no mesmo patamar do seu acusador. A Defensoria Pública ou o advogado têm que estar no mesmo patamar do acusador.
O acusador me parece que podendo realizar a investigação sai exatamente em vantagem com referência ao outro que não pode investigar. Me parece que não é essa a solução para o problema que se aponta. Eu não vejo como PEC da impunidade, a aprovação de uma PEC que diga que quem tem poder de investigar é o delegado de polícia porque é assim que tem que ser. Hoje temos delegado com mestrado, doutorado, concursados, comprometidos com a função policial. Não sei se é porque eu fui delegado e estou puxando brasa para minha sardinha, mas sou inteiramente a favor da aprovação da PEC 37. Eu vejo como uma PEC que está preocupada em fazer com que no sistema acusatório cada parte exerça seu papel.
O promotor acusando, a polícia investigando, a defensoria defendendo e o juiz julgando. Eu sou também contrário ao juiz investigador. O juiz não pode investigar, porque o juiz que investiga compromete a sua imparcialidade que é a virtude su-prema do juiz. Promotor que investiga para mim desequilibra os pratos da balança e fica em situação vantajosa com referência ao réu e ao seu defensor. É assim como penso com todas as vênias e respeitando as opiniões contrárias.