O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concedeu ontem entrevista exclusiva à jornalista Samantha Cavalca, em Brasília, quando convocou a todos, eleitores ou não da presidente Dilma Rousseff, para enfrentar a crise econômica instalada no País. Segundo Cardozo, o governo está tomando as medidas necessárias para reverter o quadro adverso e destaca que a crise atual é diferente da recessão instalada anos atrás no País. “É uma crise que vemos luz no final da rua. É uma crise que dá para ser debelada”, avaliou Cardozo.
Samantha Cavalca: Há uma cobrança grande em relação ao seu cargo. Como o senhor está lidando com esse desgaste? Com as notas que saem na imprensa de que a presidente Dilma [Rousseff] não está satisfeita com seu trabalho na Justiça. Até que ponto isso é verdade?
José Eduardo Cardozo: Eu acho isso absolutamente natural. O Ministério da Justiça tem um papel hoje no estado brasileiro muito importante. Seja porque ele tem uma multiplicidade de funções, seja porque algumas dessas funções são vitais na conjuntura que estamos vivendo. Vou dar um exemplo. A questão que mais enseja debate é a investigação realizada pela Polícia Federal na Operação Lava Jato. A Polícia Federal pertence ao Ministério da Justiça. Hora eu vejo pessoas que criticam dizendo que eu não controlo a Polícia Federal. Que eu não poderia permitir que certas investigações, contra certas pessoas, fossem feitas. E hora eu vejo pessoas dizendo que não, que o ministro instrumentaliza a Polícia Federal, manda investigar pessoas que são adversárias políticas, é uma situação bastante curiosa. Na verdade, o papel que o ministro da Justiça tem que ter frente a Polícia Federal é justamente de garantir que as investigações sejam feitas, não importa quem seja o investigado. A mim não cabe dizer investigue esse, investigue aquele. A mim cabe apenas verificar se há abusos na investigação, se há transgressões legais para que eu possa impedir que esses abusos se perpetuem. Tirando esse aspecto, eu acho que tudo mais que se coloque é muito de especulação e pouco de percepção real que o Ministério da Justiça tem um papel fundamentalmente de garantir a democracia, a igualdade de todos e a aplicação da lei indistintamente a todos os cidadãos do País.
SC – O senhor falou da operação Lava Jato e essa operação é peculiar inclusive pelo montante de informações que foram vazadas. Isso não seria uma responsabilidade do Ministério da Justiça?
JEC – É importante entender o que é vazamento e o que não é. O juiz de primeira instância, Sérgio Moro, levantou a publicidade das investigações. Então boa parte das informações que são veiculadas e que são chamadas de vazamentos não são propriamente vazamentos ilegais. São divulgações a partir da publicidade dada pelo juiz. Então não há nenhum delito. Acontece na Lava Jato que algumas situações sigilosas foram alvo de vazamentos e estando no âmbito da Polícia Federal eu determino imediatamento a abertura de inquérito para investigar vazamentos. Ou seja, nenhuma medida qualificadora como ilegal diante de vazamentos ou qualquer outra situação que nós detectamos deixou de ensejar uma apuração e um inquérito policial.
SC – A presidente Dilma estará no Piauí nesta sexta-feira. O que o senhor tem a falar sobre essa agenda positiva. É uma maneira de aplacar a crise existente no país?
JEC – Eu não diria que é uma maneira de aplacar a crise, mas diria que é uma maneira de governar cumprindo aquilo que um bom governante deve fazer no estado democrático. Por exemplo, um dos eventos que a presidente terá será a sua presença e de alguns ministros no Dialoga Brasil. O Dialoga Brasil é um programa que foi feito justamente para que nós que exercemos funções no governo possamos apresentar nossos planos para a sociedade e a sociedade possa debatê-lo. Para que possamos ouvir o que a sociedade tem a dizer, para que possamos saber as críticas e receber as sugestões. Muitas vezes nós temos programas de governo e não sabemos que o cidadão pode contribuir muito para que um erro, ou para que um avanço seja feito nesse programa. O Dialoga Brasil tem uma plataforma que fica à disposição dos cidadãos, com os programas por áreas que serão desenvolvidos e a presidenta através de atos onde estão presentes ministros e ela própria mostra à sociedade a necessidade dessa interação. Nós vamos fazer isso agora no Piauí. Para nós é muito significativo dialogar com a sociedade quando se está preparando e planejando ações de governo.
SC – O sistema carcerário brasileiro é morto. São faculdades do crime. O que se faz para resolver isso?
JEC – O problema carcerário no Brasil é histórico. A maior parte das unidades prisionais brasileiras são escolas da criminalidade. Há pessoas que até me criticam quando eu falo isso, mas vamos ser sinceros. Eu falo isso a minha vida inteira. O que eu quero dizer é que o homem público jamais pode esconder da sociedade um problema. Só pelo fato de ser governo então eu vou dizer que o sistema está mil maravilhas e esquecer aquilo que disse a minha vida inteira? Pelo contrário, nós só conseguimos a energia e a sinergia política para resolver um problema quando o colocamos sob a luz do sol. Nós temos que colocar sob a luz do sol como temos feito com o problema carcerário brasileiro. A maior parte dos presídios são estaduais. O Governo Federal tem quatro unidades prisionais. A maior parte é estadual. E o Governo Federal tem o dever de apoiar os estados nessa linha de mudança. Porque não é possível nós termos escolas de criminalidade onde a pessoa entra no sistema prisional por ter praticado um pequeno delito e sai de lá membro de uma organização criminosa que causa terror em toda a sociedade. Então o governo tem repassado recursos para os estados para ampliar as unidades prisionais abrindo mais vagas. Temos o maior programa da história de reforma e ampliação de unidades prisionais. Um bilhão e cem milhões de reais que estão sendo investidos abrindo mais 40 mil vagas, além daquelas 20 mil já contratadas no governo do presidente Lula. Agora isso não basta. O déficit na região Sudeste hoje é de mais de 200 mil vagas e mais 400 mil mandados que têm que ser executados. Ou seja, pegando o Sudeste mais os 400 mil mandados eu tenho 600 mil vagas novas. Isso é um novo sistema no país. Então o que a gente tem que fazer? Construir, melhorar nossas unidades prisionais, mais ao mesmo tempo tomar medidas que permitam a ressocialização do preso para que ele não volta a delinquir. Mas ao mesmo tempo formas penais mais eficazes que efetivamente aquelas que implicam nesse cerceamento da liberdade como pena. Exemplo. Monitoração eletrônica em crimes mais leves. Penas alternativas em casos que as condutas criminosas permitam isso. Ou seja, prender bem. Ficar preso quem traz perigo para a sociedade e deixar com penas eficientes aqueles que delinquiram, mas que em si o seu comportamento não traz a presença de um dano. Essa é a questão que o mundo inteiro vem tratando dessa forma e que no Brasil nós precisamos superar certos preconceitos para poder tratá-la.
SC – Por isso, então o governo é contra a redução da maioridade penal?
JEC – Essa é uma das razões, mas não é a única. Nós sabemos que se houver a redução da maioridade penal o sistema carcerário explode. Não há como ter mais 40 mil jovens en- trando por ano no sistema prisional. Esse número de vagas demora quase quatro anos para ser alcançado. Nós estamos fazendo o maior programa da nossa história na área, repassando recursos para os estados fazer unidades prisionais. Eu preciso de quatro anos para fazer 40 mil vagas, trabalhando no limite das minhas possibilidades. Se a maioridade penal for reduzida, aquilo que nós fizermos em quatro anos será consumido em apenas um ano. Isso é um equívoco. Além disso nós sabemos por estudos internacionais que não existe nenhuma vinculação em redução da maioridade penal e redução da violência. Pelo contrário, nos países que têm uma situação de redução da idade penal a violência aumenta porque você diminui a possibilidade de ressocialização desses jovens.
SC – Há várias ações pelo impeachment da presidente Dilma. Mas há base legal?
JEC – Não existe base legal nenhuma. Um processo de impeachment em um sistema presidencialista como o nosso não passa só pelo juízo de pessoas que quererem que a presidente saia do seu mandato. Passa pela existência de um fato delituoso. De um ilícito imputável à pessoa da presidente da República. No caso não existe. Não há nenhum fato imputável à presidente Dilma Rousseff que possa justificar como delito ou crise de responsabilidade. Não existe. Portanto, falta o pressuposto jurídico básico para que se crie o processo de impeachment. Aí se fala das pedaladas fiscais. Em primeiro lugar isso que estão chamando de pedaladas fiscais, a própria defesa feita pela Advocacia Geral da União mostra cabalmente que não foi feita nenhuma irregularidade. Foram situações idênticas as que ocorreram nos governos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula e que o próprio Tribunal acabou não recriminando. Ou seja, são situações que já aconteceram antes e que eram aceitas. O Tribunal quer mudar de opinião sobre isso? Parece legítimo, mas que mude daqui pra frente. Eu não posso punir por uma conduta que no passado se admitia sem que se avise as pessoas que são responsáveis por aquilo. Em segundo lugar, mesmo que assim não fosse a decisão dessas situações contábeis e financeiras não estão na órbita do presidente da República. São da órbita das pessoas que receberam legalmente a missão de fazê-lo. Então não tem sentido com base nisso pretender o impeachment da presidente da República. Isso é um pretexto retórico, seja por pessoas que até hoje não se conformam com o resultado das eleições e não têm a democracia muito arraigada no seu espírito, seja por pessoas que acham que investir na crise política é bom para o país. Não me parece que tenha nenhum nexo de razoabilidade jurídica para a um impeachment.
SC – Seria golpe?
JEC – Eu diria que é uma postura anti-democrática. Quem defende impeachment não percebe que eleição tem que ser respeitada. Que governos passam momentos de crise ou de aplausos. Há situações que variam durante o governo e mandatos devem ser respeitados, salvo se existir um crime atribuído à presidente da República, nesse caso não.
SC – Qual é a perspectiva do governo diante da crise política que se tornou uma crise política? Qual é a perspectiva de sairmos desse momento?
JEC – Todo governo vive momentos de crise e de paz e tranquilidade. Nós estamos passando por um momento de crise, há de se reconhecer. Mas o governo está tomando as medidas necessárias para que possamos sair da crise. Em um país como o nosso não é uma crise como vivemos no passado. É uma crise que vemos luz no final da rua. É uma crise que dá para ser debelada. Está claro que tem pessoas que querem investir na crise política tendo a ideia de quanto pior, melhor. Isso não é bom para o País. Nessa hora pouco importa se votamos ou não na presidenta. Nós temos que buscar a convergência, temos que estar juntos para superar a crise. Disputa eleitoral tem hora certa, é no palanque. é na urna, na hora das eleições. Agora temos que pensar no país.