ALÉM DO PAPEL

Série - À luz da lei: A luta pelo reconhecimento da dor

Na terceira reportagem da série 'À luz da lei', o MeioNews mostra como a atuação do legislativo foi preponderante na garantia dos direitos das pessoas diagnosticadas com fibromialgia.

Imagem principal sobre energias renováveis no Brasil
Giuliani Rosso comanda a Fibropi e luta pelos direitos das pessoas com fibromialgia. | Foto: Reprodução

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Ao longo de 190 anos, a Assembleia Legislativa do Piauí atuou no reconhecimento dos direitos da nossa gente, assim como de suas “dores” — dores físicas e psicológicas que são traduzidas em demandas sociais, mas também de saúde — e a “Casa do Povo”, em seu papel garantido pela Constituição, legisla.

Dados da Sociedade Brasileira de Estudos para a Dor (SBED) apontam que pelo menos 3% da população brasileira sofre com dores físicas intensas e incapacitantes da fibromialgia. A compreensão do problema e a garantia dos direitos de seus portadores, no entanto, não foram fáceis, mas, nesse aspecto, o Piauí saiu na frente, por meio da atuação da Assembleia.

Esse trabalho fica evidente na implementação da Lei nº 15.176, em julho deste ano, que reconhece os pacientes de fibromialgia como pessoas com deficiência (PCDs); esse dispositivo legal, no entanto, foi antecipado no Piauí em quase dois anos — mais precisamente em agosto de 2023, quando o Plenário da Casa aprovou o Projeto de Lei Ordinária nº 162, de autoria do deputado Franzé Silva, que continha esse reconhecimento. Apesar da anuência dos parlamentares, a lei foi vetada pelo Governo à época. No entanto, agora, com o dispositivo nacional, esse direito fica reconhecido.

Além dessa atuação, outras matérias apresentadas pela Assembleia Legislativa do Piauí tornaram-se efetivamente leis estaduais, colocando o Estado como um dos mais avançados nas garantias às pessoas com fibromialgia.

Infográfico: Elaboração/MeioNews


#PARATODOSVEREM A imagem apresenta um material informativo com o título em letras grandes e em negrito: “Ações que garantiram os direitos das pessoas com fibromialgia no Piauí”. Logo abaixo, em letras menores, há o subtítulo: “Um panorama da atuação legislativa na garantia do reconhecimento dos pacientes acometidos pelo problema de saúde no Estado.” No canto esquerdo, há uma fotografia de um homem sorridente, de óculos e terno cinza, com camisa branca e gravata vermelha. Abaixo da foto, há a legenda: “Autoria: Franzé Silva”. Ao lado direito da imagem, há três quadros verticais alinhados horizontalmente, cada um contendo o número e o resumo de uma lei: Lei nº 7.628 – “Concede atendimento prioritário a pessoas com fibromialgia nos estabelecimentos.” Lei nº 7.944 – “Institui a política estadual de proteção dos direitos da pessoa com fibromialgia no Piauí.” Projeto de Lei Ordinária nº 162 – “Reconhece as pessoas com fibromialgia como portadoras de deficiência no Piauí.” FIM DA DESCRIÇÃO.

Ao todo, nove matérias legislativas já foram apresentadas na Alepi em prol da população com fibromialgia; destas, seis foram efetivadas como leis — já aprovadas e sancionadas — e outras três seguem em análise na Casa, até o fechamento desta reportagem. São elas: o Projeto de Lei Ordinária nº 143, que prevê jornada reduzida de trabalho para os servidores estaduais diagnosticados com a doença; o Projeto de Lei Ordinária nº 144, que dispõe sobre a validade indeterminada dos laudos médicos que atestem a fibromialgia; e, por último, o Projeto de Lei Ordinária nº 299, que prevê o passe livre intermunicipal para pessoas com fibromialgia no Estado.

“Percebemos a necessidade de criar leis que garantam direitos a essas pessoas. Muitos sofriam em filas sem um meio de identificação”, constatou o deputado estadual Franzé Silva.

Diante dos dispositivos apresentados, o MeioNews mostra o porquê de eles ganharem notoriedade e um grau de importância especial, trazendo histórias de piauienses que convivem com a fibromialgia e que antes sofriam com a invisibilidade. Agora, pelo menos, eles possuem instrumentos para buscar seus direitos.

#PARATODOSVEREM  A imagem apresenta um banner informativo com fundo em tom bege claro. À direita, vê-se a parte superior do corpo de uma mulher de cabelos presos, vestindo uma blusa branca, que leva a mão à nuca, em um gesto que transmite dor ou desconforto físico. Em primeiro plano, sobre a imagem desfocada, está o texto principal em letras grandes e escuras: “3º ato >>>>> A luta pelo reconhecimento da dor.” No canto superior direito, aparece o logotipo do portal “meio news”, em letras minúsculas e na cor azul. FIM DA DESCRIÇÃO.

Em Parnaíba (PI), a pequena Isabella, de apenas 10 anos, convive com dores crônicas desde os primeiros anos de vida. Diagnosticada com fibromialgia após anos de incertezas, a menina representa uma realidade ainda pouco conhecida e, muitas vezes, invisibilizada: a dor crônica na infância — condição que, sem diagnóstico e tratamento adequados, afeta profundamente o desenvolvimento físico, emocional e social das crianças.

A mãe, Ysa Moraes, descreve um percurso doloroso em busca de respostas:

Isabella hoje tem 10 anos. [...] Aos 3 anos descobri a escoliose. [...] Isabella não tinha uma rotina normal de uma criança. Uma simples brincadeira no porquinho e ela passava mal, sentia muitas fadigas e dores.

Ysa Moraes luta pelos direitos da filha, Isabella, que sofre com a fibromialgia (Foto: Reprodução)

#PARATODOSVEREM A imagem é dividida em duas partes. À esquerda, Isabella, uma menina está em pé ao ar livre, diante de um jardim com flores vermelhas e vegetação verde. Ela sorri com naturalidade, com uma das mãos apoiada na cintura. Usa uma calça clara, sandálias e uma camiseta bege com estampa colorida. No pescoço, traz um cordão com crachá, e na cintura, uma flor amarela está presa à roupa. O cenário é iluminado pela luz do dia, com prédios, carros e uma palmeira ao fundo. À direita, Isabella aparece novamente, agora ao lado de sua mãe, Ysa Moraes. As duas estão sentadas e sorriem para a câmera. A mulher usa uma blusa branca e um colar com detalhes amarelos e verdes, enquanto a menina mantém o mesmo visual da foto anterior.  FIM DA DESCRIÇÃO.

A suspeita de fibromialgia surgiu após dois anos de investigação e inúmeras consultas com profissionais em Teresina.

Fomos para vários profissionais até encontrar anjos preparados para chegar onde chegamos. Não foi fácil. A dificuldade é muito grande. Passamos dois anos na investigação até chegarmos à fibromialgia.

“Senti vários preconceitos”

A fibromialgia, embora mais comum em mulheres adultas, pode se manifestar já na infância. Segundo especialistas, ela é caracterizada por dor musculoesquelética difusa por mais de três meses, fadiga, distúrbios do sono, cefaleias e sintomas como ansiedade ou desconforto gastrointestinal. Sua origem é multifatorial, e o diagnóstico depende de critérios clínicos, já que exames laboratoriais costumam apresentar resultados normais.

O problema é que, por desconhecimento ou preconceito, o sofrimento é frequentemente descredibilizado, como relata Ysa:

Eu, como mãe, senti vários preconceitos de alguns profissionais da saúde. Escutava coisas absurdas, como: ‘Você não acha que é você quem procura doença na criança?’.

O sonho de acolhimento e respeito

Na conversa com o MeioNews, realizada há algumas semanas, Ysa sonhava com um futuro em que a filha tivesse seus direitos garantidos, como o reconhecimento de que o paciente com fibromialgia é uma pessoa com deficiência — sonho concretizado com a nova legislação sancionada pelo Executivo.

Outro sonho de Ysa, a prioridade em filas, também é garantido pela Lei Estadual nº 7.628, originada de uma proposição na Assembleia Legislativa. Falta agora os atores se atentarem ao cumprimento da lei.

Seria um sonho saber que minha filha fosse amparada, tivesse respeito por onde andasse, mais amparo na escola, nas viagens e nos hospitais.

É para que pacientes como Isabella não fiquem desassistidos que as leis aprovadas na Assembleia tornam-se imprescindíveis — um olhar para a demanda da nossa sociedade, um olhar humanizado para o próximo.

Além dos dispositivos já elencados, Isabella hoje já pode contar com a carteirinha do fibromiálgico, garantida na Lei nº 8.122, aprovada por unanimidade pelos deputados do Piauí. Autor da matéria, Franzé Silva destaca:

Meu intuito é o acesso dessas pessoas a seus direitos. A fibromialgia causa grande dor. Propor medidas que garantam esses direitos é uma forma de diminuir o sofrimento delas.

Apesar dos avanços, o relato da mãe constata que ainda há um caminho a ser percorrido. Atualmente, a rotina da família gira em torno dos cuidados com Isabella, o que impacta também a saúde emocional e financeira de Ysa Moraes.

Isso me custou tão caro: engolir muitas coisas, engolir choro. Me preocupo demais com o amanhã da minha filha, o que ela vai enfrentar. Quero muito que ela esteja amparada para conseguirmos fazer de tudo por ela.

Franzé Silva mostra a carteirinha do fibromiálgico, que dá garantia de direitos a pessoas acometidas pela doença (Foto: Divulgação)

#PARATODOSVEREM Na imagem, quatro pessoas estão em um ambiente interno bem iluminado, com teto de forro branco e paredes em tom escuro. À esquerda, uma mulher de cabelos presos, óculos grandes e vestido claro com estampa geométrica sorri levemente. Ao seu lado, uma segunda mulher, de cabelos cacheados e loiros, usa um vestido colorido em tons de laranja, azul e roxo. No centro, uma mulher de pele negra, cabelo preso e óculos segura um documento de identificação — a carteirinha do fibromiálgico — enquanto sorri para a câmera. À direita, Franzé Silva, um homem calvo, de óculos e pele clara, veste blazer cinza sobre camisa azul clara e também sorri. As quatro pessoas estão próximas, tocando o documento que a mulher ao centro segura, transmitindo um clima de celebração e reconhecimento. FIM DA DESCRIÇÃO.

LEIS QUE DÃO VISIBILIDADE À LUTA DOS FIBROMIÁLGICOS

Giuliani Rosso, advogada e presidente do grupo Fibropi, conhece essa jornada de invisibilidade desde cedo:
Eu tenho sintomas desde muito cedo, desde a infância. Eu sempre fui uma criança mais sensível, que não conseguia fazer todos os exercícios físicos, cansava rápido.

Hoje, ela luta por mais políticas públicas para pacientes com fibromialgia e compartilha sua trajetória:
Meu diagnóstico foi bem difícil, porque eu já tinha ido a inúmeros profissionais... tratavam como se fossem outras doenças. Infelizmente, não existe um exame que você faça que dê positivo para fibromialgia.

O tratamento é multidisciplinar e individualizado e, como reforça Giuliani, deve ir além da dor física:

Quem tem fibromialgia tem uma predisposição maior a ter ansiedade ou depressão. No meu caso, eu cheguei a ter momentos de ansiedade e essa ansiedade, se não tratada, consequentemente piora o grau de dor.

Atualmente, o Fibropi possui mais de 640 integrantes no Piauí.

A importância do grupo é que a gente gera apoio mútuo... nós dividimos o nosso dia a dia com a fibromialgia. A gente se sente mais acolhido e livre para falar sobre nossas dores.

A luta agora é também pela informação:

A gente vem fazendo um trabalho de divulgação muito amplo. Quando informamos mais pessoas, ajudamos mais gente a chegar ao diagnóstico e buscar tratamento. A gente diminui o preconceito, o estigma e o assédio moral no trabalho.

Para ela, falar sobre fibromialgia é também um ato político e urgente:

Já imaginou você passar anos sem saber o que tem? As pessoas dizendo que é mimimi, que é frescura, que você não tem nada?

E não é frescura, não é “mimimi” — é por Isabellas, Giulianis e tantas outras pessoas que convivem com a fibromialgia que leis foram aprovadas no Legislativo do Piauí, dando visibilidade ao movimento.

Abaixo, Giuliani aparece com sua carteirinha de fibromiálgica — uma conquista construída após muita perseverança e resiliência. Uma conquista viabilizada pelo "braço forte" da Assembleia Legislativa do Piauí. 

Giuliani com a carteirinha de fibromiálgica; uma conquista viabilizada por lei apresentada e aprovada na Alepi (Foto: Reprodução)

#PARATODOSVEREM  Na imagem,  Giuliani, uma mulher jovem está em primeiro plano, sorrindo amplamente enquanto segura com as duas mãos um cartão de identificação próximo ao peito, mostrando-o para a câmera. Ela tem cabelo curto e escuro, usa batom discreto e veste uma camiseta branca com a logomarca do grupo “Fibro”, voltado para pessoas com fibromialgia. Ao fundo, há um grupo de mulheres, algumas também com camisetas lilás do mesmo movimento. Elas parecem estar em um ambiente fechado, iluminado por luzes fluorescentes — possivelmente uma sala de eventos ou auditório. As pessoas observam ou conversam entre si, transmitindo um clima de confraternização e conquista. FIM DA DESCRIÇÃO.

Essa carteirinha é uma grande conquista para os fibromiálgicos do Piauí, juntamente com aqueles que vieram antes de nós nessa luta. A Lei 8.122 já estava vigente há mais de um ano e meio, e agora será efetivada com a emissão desse documento, garantindo atendimento prioritário nos setores público e privado.

As histórias contadas na primeira temporada da série 'À Luz da Lei' dão o tom de uma Assembleia Legislativa pulsante e antenada às necessidades da sociedade piauiense, sendo o palco de discussões que impactam na formalização de leis que tornam o nosso Estado um lugar próspero e melhor para se viver.