Há dez anos, atores de comunidades carentes do Rio viraram estrelas de cinema. Com ?Cidade de Deus?, que chegou a ser indicado ao Oscar, a vida de muitos deles mudou. Mas não de todos. Há os que ainda batalham por uma nova oportunidade e têm atores como Thiago Martins e Roberta Rodrigues, revelados no filme, como referência. Há os que tiveram outras formas de ganhar a vida, sem abdicar do sonho. E quem saiu de cena de vez, em desfechos trágicos. Onze deles visitaram a comunidade carioca que deu origem ao filme e contaram como vivem hoje. Parece que foi ontem.
Edson Oliveira abandonou os cachinhos e adotou um bigode provisório para interpretar o vilão de ?Bandeira de retalhos?, em cartaz no Teatro Maria Clara Machado. Aos 28 anos, ele é um dos destaques do grupo Nós do Morro. Com os R$ 7 mil que ganhou do filme, comprou uma moto e reformou a casa dos pais, em Vidigal. Achou pouco e não poupou críticas a Fernando Meirelles por isso. "Ganhamos pouco pelo que o filme faturou", diz ele, que é feliz por morar numa comunidade hoje pacificada. "Posso andar com minha filha na rua sem se deparar com bandidos armados?.
Sabrina Rosa virou mãe logo após o lançamento do filho. Atualmente, está no ar na reprise de ?Chocolate com pimenta?. Integrou a banda Melanina Carioca, e hoje, com 33 anos, se dedica a projetos como roteirista, atriz e diretora de cinema, tendo no currículo o filme ?Vamos fazer um brinde?. ?Quando a gente não tem uma vida estável, tentamos fazer outras coisas. Sempre tenho as minhas recaídas, pelas barreiras e preconceitos que enfrentamos por sermos negros e moradores de favela. Mas amo o que faço e não vou desistir nunca de lutar. Ser artista é muito difícil. A arte é muito elitizada?, queixa-se.
Ator desde os 7 anos, Kikito Junqueira, de 23 anos, é considerado um dos mais talentosos do Vidigal. Atuou como o vilão de ?Era uma vez?, repetindo a parceria com o amigo Thiago Martins (eles integraram o bando dos Caixa D"água em ?Cidade de Deus?). "Minha mãe, uma professora artesã, é a minha maior incentivadora", diz. Entre um trabalho e outro no cinema, faz uns bicos como guardião de piscina.
Para quem não pensava em ser ator, Leandro Firmino, 34 anos, soube aproveitar bem o sucesso do Zé Pequeno, um grande ícone do cinema. Hoje ele é pai de um menino de 10 meses, Luiz Miguel, e casado há três com Priscila. Tem dois filmes para estrear (?Totalmente inocente? e ?A cadeira do pai?) e está com projetos de direção. Sua vida se divide em Campo Grande e Cidade de Deus, e, financeiramente, diz que está bem, ?mas poderia ser melhor?. ?Não largo a minha comunidade por nem um dinheiro do mundo?.
Com 32 anos, Leandra Miranda já conseguiu a estabilidade financeira ao ser aprovada no concurso como professora de uma creche no Vidigal. Mas não desistiu da carreira de atriz. Seu último trabalho foi numa participação na série ?Preamar?, da HBO. ?Minha família me cobra até hoje. Dizem que eu abandonei a carreira. Mas precisei buscar algo para me manter. No fundo, eles se realizam mais que eu?.
Autônomo numa loja de DVDs de Copacabana, Robson Rocha tem diversas peças e filmes no currículo. O jovem, de 27 anos, mora com o pai taxista e a mãe doméstica no Morro da Babilônia, no Leme. Intérprete do irmão assassinado de Mané Galinha, ele diz que jamais vai abandonar a carreira de ator. "Só não quero ser famoso".
Logo após o boom do filme, Wellington Costa, de 27 anos, foi convocado a servir o quartel. Há sete anos trabalha na área de contabilidade de uma confecção de roupas em Botafogo. "Sonho em cursar Administração e voltar a fazer trabalhos como ator", diz. Filho de uma merendeira e de um motorista, mora com a esposa e o filho de 10 meses no Vidigal.
Luiz Otávio, de 24 anos, chegou a fazer outros trabalhos como ator, mas seu negócio mesmo é cantar na banda Melanina Carioca, composta por integrantes do Vidigal, onde mora com os pais e 8 irmãos. "Estou focado na banda", avisa.
Fred Lins entrou no filme contrariando o pai, o roteirista do longa, Paulo Lins. Integrante do bonde do Cenoura, enveredou para o campo da produção. Hoje mora no Méier, trabalha numa agência de figurantes e presta alguns trabalhos como produtor na Rede Globo. "Quero ser contratado e trabalhar na Globo", diz ele, que tem 31 anos e já trabalhou em ?Tapas e beijo?.
Renan Monteiro fez apenas uma ponta como integrante da turma do Cocotas, os playboys da praia, mas emplacou diversos trabalhos em novelas como ?Gabriela?, ?Cordel encantado? e ?Caminhos das índias?. Aos 26 anos, pretende fazer faculdade e seguir dando aulas de teatro. Órfão de mãe, mora sozinho no Vidigal e só conheceu o pai há um ano, depois que uma tia o reconheceu na TV. "Ele acabou virando o meu fã número um".
Desempregado há seis meses, Peter Soares já trabalhou como servente, auxiliar de serviços gerais e de obras. Aos 16 anos cruzou a Cidade de Deus para fazer um curso de teatro em Vila Isabel. Teve a grande oportunidade ao dar vida a um dos bandidos do Zé Pequeno. Mora numa casa perto dos pais, na Cidade de Deus e tem um filho de seis anos. Hoje, com 29 anos, sonho em terminar o ensino médio (antigo 2º grau) para poder dar continuidade aos trabalhos como ator. ?É uma coisa que eu sei fazer e gostava?.
Tiozão da turma e querido na Cidade de Deus, Rui Vitório, 43 anos, detesta se ver na telona. ?Me acho feio?, brinca ele, que deu vida a um bandido no longa. Por conta disso, buscou se realizar fazendo produção em TV e cinema. Para sustentar os quatros filhos, dá expediente numa facção de roupas, próxima da sua casa e ajuda jovens da comunidade a realizar sonho como atores.
Felipe Paulino foi a criança que chorou de verdade ao levar um tiro no pé. Aos 19 anos, já trabalhou como um jovem aprendiz num hotel no Rio e hoje dá expediente num quiosque em Ipanema. Ainda mora no Vidigal.
Bernardo Silva foi do elenco de apoio, virou assaltante, foi viciado mas se regenerou. Hoje trabalha no Restaurante Popular da Cidade de Deus, onde mora com o avô.
Quatro atores do filme tiveram desfechos trágicos: dois morreram e dois estão desaparecidos
Jefechander Suplino (o bandido Alicate, do Trio Ternura) teve a carreira de ator e músico interrompida por um desaparecimento misterioso, há cerca de um ano. ?Acredito que o meu filho esteja vivo e vai voltar. Não perco a esperança?, diz a pensionista Graciene. Alguns amigos dizem que ele pode ter trazido para a vida real o mundo do crime que vivenciou em ?Cidade de Deus?. Mas o desfecho do morador do bairro de Madureira, hoje com 31 anos, é incerto.
Rubens Sabino ocupou os noticiários ao ser preso depois de assaltar R$ 26. Viciado em drogas, buscou ajuda numa clínica da prefeitura, mas abandonou o local antes de iniciar o tratamento, em junho. ?De vez enquando ele aparece pelo Vidigal. Outro dia mesmo ele estava aqui comprando amendoim pra vender. Ele tem um grande talento?, diz o cineasta Luciano Vidigal, diretor de um documentário que vai contar os desfechos de 30 atores do filme. ?Há os bens sucedidos, os que se deslumbraram, e os que continuam na batalha?, adianta.
Ator e cantor, Jonas Michel fez parte do elenco da turma do Zé Pequeno e teve um triste desfecho ao morrer esfaqueado aos 19 anos. O assassinato aconteceu porque se envolveu com uma mulher casada, em Engenópolis, há seis anos. ?O marido dela invadiu a casa e matou o meu filho. Falei tantas vezes para ele largar aquela mulher. Ainda dói demais?, lembra a mãe Vanda, que mora com o outro filho, em Vigário Geral. ?Ele tinha um grande futuro como ator", acredita.
Intérprete de um policial que é assassinado no filme, Luiz Carlos Seixas também deixou a vida real. Ele faleceu há sete meses de câncer, com 59 anos. Sua entrada no filme foi por acaso. ?Ele estava lá prestando um serviço e acabou sendo chamado para um teste?, lembra Lucio Andrey, assistente de direção de ?Cidade de Deus?, e um dos organizadores de um livro sobre o longa. O filho Zuriel, orgulha-se da atuação do pai famoso: ?Foi o artista da família?.