A careca está ali há mais de uma década, sem esconder que ele, há tempos, é um dos mais experientes na área. Neste sábado, dia 11 de fevereiro, Kelly Slater completa 40 anos. Idade, para esse americano da Flórida, nunca foi problema ou preocupação. Com corpo de garoto, parece indestrutível: 11 títulos mundiais, dez recordes na história do surfe. No fim do mês, dará início a mais uma campanha, sempre cercado por mistério quanto à aposentadoria, rodeado de adversários até 22 anos mais jovens. O superpoder desse superatleta mistura experiência, inteligência e vigor físico. Um atleta diferenciado geneticamente, garantem os médicos.
Ao longo da carreira, Slater pouco se lesionou. Um corte no pé ali, outro acolá. Sente dores nas costas às vezes, faz longas sessões de massagem. Mas também luta boxe e jiu-jítsu.
E soube adaptar seu surfe às novas manobras, aos novos tempos. Os aéreos, marca da nova geração, foram aos poucos sendo incorporados a seu repertório.
É um caso raro de atleta que chega aos 40 como número 1. No Mundial de surfe, só não é mais velho que o amigo e compatriota Taylor Knox, que completa 41 em maio e só venceu uma etapa em toda a carreira na elite.
O mais jovem é Gabriel Medina, 18 aninhos. O brasileiro virou a sensação do surfe ? venceu duas das cinco etapas que disputou em 2011. E tem um amuleto: o sempre presente padrasto e treinador. Charles Saldanha, curiosamente, é apenas um ano mais novo que Slater.
- É muito louco pensar que o Gabriel compete com um cara que tem a minha idade. Slater pode até não ser o melhor surfista do mundo, mas é o mais inteligente - conta.
Slater já poderia estar no Mundial Masters e tentar, lá, estabelecer outros recordes. Mas sente que ainda pode evoluir e, assim, fazer o surfe competitivo ganhar novos rumos. Gosta de pensar em números, notas, ângulos, medidas. Nos últimos anos, passou a desenhar novas pranchas ? com quatro quilhas. Montou até uma empresa para desenvolver piscinas de ondas.
Segundo os médicos, todo atleta acima dos 30 anos precisa de preparação especial. No caso dele, basta se hidratar mais e manter o trabalho de força muscular em dia, com disciplina e regularidade.
- Com certeza ele é diferenciado. Possui flexibilidade acima da média normal dos indivíduos do mesmo gênero e idade. Se não me engano, logo no início de sua vida competitiva sofreu um estiramento muscular na região do quadril, mas só foi perceber algum tempo depois. Desde então, faz um treinamento rigoroso para manter sua forma física impecável, pois a melhor forma de se manter saudável é a prevenção. Mas também existe um componente genético que o torna diferenciado e o faz ter um biotipo desejável para o surfe ? diz a médica Silvia Lagrotta, especialista em envelhecimento ativo e em esportes radicais.
Ele possui flexibilidade acima da média dos indivíduos do mesmo gênero e idade"
Silvia Lagrotta, geriatra
O que os médicos comprovam, os adversários conseguem perceber de longe, dentro e fora do mar. O paraibano Fabinho Gouveia, bicampeão brasileiro e aposentado aos 40, dois anos atrás, fica impressionado ao vê-lo voar em aéreos.
- Talvez o fato de ele ter muita harmonia com a prancha, saber onde pisa, tenha ajudado bastante. Vendo aquele evento de Nova York ficou claro que ele sabe onde pisa, pois fez aéreos bem difíceis de aterrissar. O bicho também tem uma sorte danada, a sorte que acompanha campeões (risos) ? brinca o paraibano, que chamava o americano carinhosamente de ?Carlos Leite?.
A barreira dos 40 foi o limite para Fabinho. Depois de duas cirurgias nas costas, decidiu parar. Naquela época, já tinha perdido a vaga na elite mundial. Disputava a divisão de acesso (WQS) e o circuito brasileiro.
- Era a idade de meus planos, mas talvez se não tivesse me atrapalhado pela lesão na coluna, poderia até ter esticado mais um pouquinho, ou quem sabe, ter recuperado a vaga lá pelo ano de 2006, 2007...
Fabinho e Kelly eram bem próximos. O americano adorava brincar com os três filhos do paraibano quando eles, crianças, assistiam aos campeonatos dentro da área reservada a atletas e familiares. Um deles, Ian, com 19 anos, hoje disputa a divisão de acesso. Daqui a pouco vai esbarrar com o careca em uma bateria...
Desde criança, Slater (de short verde) se destacava pelo físico (Foto: Arquivo Pessoal)
Slater tem uma filha, Taylor, fruto de um namoro não muito longo na década de 90. Em sua lista de namoradas, nomes famosos: a atriz americana Pamela Anderson, a modelo brasileira Gisele Bündchen. Desde 2007, a dona de seu coração é Kalani Miller, uma californiana de 20 e poucos anos e dona de uma grife de biquínis.
Kalani o acompanha sempre que dá, é amiga de Coco Ho e das outras surfistas do Circuito Mundial. Ela se diverte com uma rotina que, para o namorado, por vezes era sinônimo de tédio. O maior dos campeões é um dos poucos surfistas veteranos que não viajam com a família, que não construíram família. Recentemente, comprou um cachorrinho.
Em treino na Barra, Slater deu um aéreo raro
(Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo)
- O tour é uma grande família. Sempre vi o Kelly como uma pessoa do bem, tendo crianças por perto, animais... Acho que ficaria bem difícil ele estar casado, com filhos e ter conseguido os 11 títulos, mesmo ele sendo ele. Acho que seu foco foi único e exclusivamente para o surfe. Aliou seu talento ao foco da competição, ou estudo da competição. Daí deu no que deu...uma carreira espetaculosa.
A carreira ?espetaculosa? começou em 1990, ainda rapazote. Em 1992, aos 20 aninhos, Slater se tornou, no Rio de Janeiro, o mais jovem surfista a conquistar um título no Circuito Mundial. O recorde é um dos dez que ele detém até hoje.
Ainda cabeludo, voltou a vencer de 1994 a 1998. E decidiu dar um tempo. Surfava aqui e ali, tocava violão com a banda ?Surfers?. Competiu o tradicional ?Tributo a Eddie Aikau?, em ondas gigantes em Waimea Bay, e faturou o título.
O pai, Steve, alcoólatra, morreu de câncer em abril de 2002. A mãe, Judy, é uma coroa enxuta e conectada. Casou-se novamente há um par de anos e passa boa parte do tempo na internet, acompanhando as competições.
Naquele ano de 2002, Slater viu o surgimento de um novo campeão mundial, que viria a erguer a taça três vezes seguidas: Andy Irons. Era o desafio que ele precisava para voltar. O troco, porém, só foi dado em 2005. A campanha arrasadora teve direito a um feito inédito na história do surfe - duas notas 10,00 em uma final, em Teahupoo, no Taiti.
Em 2006, mais um título. No ano seguinte, Mick Fanning entrou no páreo e levou a melhor. Enquanto o australiano comemorava com o caneco nas mãos, em Imbituba, ele pensava em fechar a conta, em pendurar a prancha, de novo...
Recuperou o fôlego, conquistou o nono título mundial no ano seguinte. A partir daí, parece ter se dado conta de que o Circuito não é um sacrifício tão grande, que vencer é fácil, e que os jovens, em vez de ameaça, são antídotos. Chegou a dizer que, quando se aposentar, vai iniciar uma nova carreira, no golfe. A temporada 2012 dirá...