Regina Duarte nunca enterrou marido nenhum, mas, na ficção, seu estado civil, enquanto forem exibidas as novelas O Astro e Roque Santeiro vai ser permanentemente um só: o de viúva. E negra. Colecionadora de mocinhas "doces e débeis" nos últimos 50 anos, como ela mesma já definiu, a atriz está experimentando o lado oculto da lua com a perua Clô, da trama das 23h da Globo, suspeita em potencial de ter assassinado o milionário Salomão Hayalla (Daniel Filho).
"Desde que a novela começou, essa mulher diz que queria que ele morresse. Mas é um sentimento ambíguo. Ao mesmo tempo, ela passou 30 anos ao lado dele. Clô é complexa, levava um casamento infeliz, queria o divórcio. Agora é uma das 10 suspeitas", conta Regina, no camarim, enquanto aplica a meia peruca que não sai mais de sua cabeça, nem mesmo para fazer as fotos desta entrevista. "Uma novela inteira debaixo de secador e químicas acaba com um cabelo. A peruca é para não danificar o meu", explica.
Na verdade, Regina se apegou de um jeito à Clô, que praticamente anulou sua própria personalidade. "Depois que fui chamada e li alguns capítulos, eu não consegui mais comprar roupas para mim. Só consigo me interessar por coisas dela, que não têm nada a ver comigo. Se vejo a vitrine de uma loja de sapatos, me interesso pelo que ela usaria. Com joias é a mesma coisa", revela a atriz, enquanto ajeita o relógio dourado enorme que usa no braço esquerdo. "Estou no clima da Clô, mas essa não sou eu", diverte-se ela.
E não é a primeira vez que isso acontece. Em 1985, quando foi convidada por Daniel Filho para interpretar a extravagante Porcina, em Roque Santeiro, houve quem duvidasse de que ela seria capaz. "Diziam: "Regina Duarte vai fazer a Viúva Porcina? Ela é a namoradinha do Brasil. Como vai fazer uma mulher tão liberta, espalhafatosa?" Significou uma ruptura na minha carreira. A primeira, na verdade, já tinha acontecido com Malu Mulher (1979). Ela era o cérebro, já a Viúva, uma loba, temperamental, caprichosa. Era difícil, mas não me deixei abater", conta.
Muito pelo contrário. Regina ficou tão contaminada pelo temperamento da personagem, que chegou a incorporar os trejeitos de Porcina na vida real. "Tinha uma descrição que vinha no texto que ajudava muito. Dizia que ela era operística. Quando ela entrava em cena era para arrasar. Inconscientemente eu, numa discussão, também passei a argumentar à la Porcina. E era difícil ganhar da Viúva. Ela sempre foi muito ardilosa e sabia convencer as pessoas do que ela queria", lembra a atriz. "Os amigos e a minha família falavam para mim: "ih, baixou a Viúva, segura ela", gargalha.
Apaixonada pelo ofício, a atriz confessa que, na intimidade, se acha bem sem graça, diferentemente dessas mulheres que encarna na TV. "Regina... não tem nenhuma importância. Não tem um estilo, não tem nada. Sou muito neutra, estou sempre esperando o próximo personagem", entrega.
Talvez por conta disso, ela seja pouco assediada nas ruas. "É raro me reconhecerem. Parece que sou maior na TV, sei lá. Só quando falo é que me percebem. A minha voz é a mesma, mas os cabelos... (risos). Desde que reprisaram Vale Tudo, acho que a minha imagem está mais viva na mente das pessoas. E gosto de dar atenção. Eu faço um trabalho de sedução. É para que o público fique com a gente até o final da obra", ensina ela, que estava longe das novelas desde Três Irmãs (2008). "Foi uma novela que não decolou, não foi marcante. Mas gostei de fazer a Valdete. Às vezes, pode pintar um trabalho que não é tão interessante", analisa.
Aos 64 anos e com personagens antológicas na bagagem - a honesta Raquel Acioly, de Vale Tudo (1988), as três Helenas escritas para ela por Manoel Carlos, sem falar na doce Simone, de Selva de Pedra (1972), e a inesquecível sucateira Maria do Carmo, de Rainha da Sucata (1990) -, Regina hoje em dia só tem muito medo mesmo de uma coisa: a hora da aposentadoria.
"Eu fiquei meio assustada. Senti que estavam querendo me aposentar. E eu não tinha planejado. Comecei a ser menos solicitada. Mas, por outro lado, é bom, tenho mais tempo para ficar com meus netos", desabafa ela, que vibrou com o convite para fazer O Astro. "Adorei porque é um remake da Janete Clair, ela foi minha madrinha. E tem Daniel (Filho), amei isso", diz Regina, que já foi casada com o ator e diretor.
"Tivemos um casamento "muderno". Cada um na sua casa, nos encontrávamos nos fins de semana, acho que em 1979. Foi bom. Ele já me dirigiu tantas vezes, temos cumplicidade", elogia ela, que na ficção tem ido para a cama com Henri Castelli, seu amante no folhetim. "Não sou detentora das cenas mais quentes da novela. Mas é gostoso e eu estou lá. Afinal, é uma novela para adultos", diz ela, que já frequentou todos os horários da teledramaturgia.