Quatro anos após o desaparecimento de Madeleine McCann, vista pela última vez em uma praia do sul de Portugal, os pais da menina revelam que ainda têm esperança de encontrá-la viva, rebatem as críticas sobre sua postura e admitem que em vários momentos se sentiram culpados por não estarem com a garota na noite em que ela sumiu.
"Qualquer pai se sente culpado quando algo de mal acontece aos seus filhos, nem que seja uma simples queda", afirmou Kate McCann em entrevista exclusiva ao UOL Notícias. "Nunca teríamos ido jantar num restaurante se soubéssemos que os nossos filhos não estariam em segurança. Mas a pessoa que a levou e que a tirou de nós é que é a culpada. E essa pessoa ainda anda por aí".
A conversa com a reportagem foi realizada em Portugal, na mesma semana em que o casal lançou no país o livro ?Madeleine?, no qual apresenta "sua versão" sobre a noite em que a garota desapareceu e descreve o sofrimento durante as investigações.
A obra foi também foi lançada em Londres, no último dia 12 de maio, quase ao mesmo tempo em que a polícia britânica anunciou que vai mobilizar uma equipe para rever os arquivos do caso, devido a intervenção pessoal do primeiro-ministro, David Cameron, que atendeu aos pedidos da família McCann.
Madeleine desapareceu no dia 3 de maio de 2007 na Praia da Luz (Portugal) e, após 14 meses de investigações, o Ministério Público português arquivou o caso falta de provas. Até hoje não se sabe o paradeiro da menina.
Numa entrevista exclusiva ao UOL Notícias, Kate e seu marido Gerry McCann agora contam a sua versão desta história.
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Caso Madeleine McCann
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Foto 17 de 18 - 12 de maio de 2011: Kate e Gerry McCann exibem uma cópia do livro que lançaram para mostrar a versão deles sobre o que aconteceu na noite do desaparecimento da menina Andy Rain/EFE
UOL Notícias: Este livro pretende contar ?a sua versão dos acontecimentos?. Qual é essa versão? O que aconteceu naquela noite e o que o livro revela?
Kate McCann: Eu penso que você tem razão, nós nunca contamos o nosso lado completo da história, e sempre quisemos que a verdade fosse conhecida e partilhada com o resto do mundo. Eu queria que a história ficasse escrita para os nossos filhos. Houve muita especulação e mentiras, e a razão principal para escrever e publicar esse livro é porque essencialmente precisamos angariar fundos para ajudar na procura da nossa filha. Eu penso que este livro será uma surpresa para o público em geral. Ao publicarmos esse livro e partilharmos essas informações, não só as pessoas poderão contribuir com a compra do livro, mas também com informações.
UOL Notícias: O que vocês acham que aconteceu com a Madeleine naquela noite?
Kate: Nós não sabemos. Só sabemos que ela foi levada. Não sabemos quem a levou ou para onde foi levada.
Gerry McCann: Eu acho que essa é uma pergunta importante, mas, para nós encontrarmos a Madeleine, primeiro precisamos saber quem a levou. Nós temos uma ideia da fisionomia do homem que a levou. Pessoas viram esse homem, de uma maneira suspeita, movimentando-se ao redor do apartamento onde estávamos. São essas pequenas ?peças chaves? que poderão identificar o seu raptor.
UOL Notícias: Vocês ainda têm esperança de encontrarem a Madeleine?
Gerry e Kate: Sim, sim? É por isso que ainda continuamos a procura!
Gerry: Quando as crianças são raptadas muito novas, há mais chances de seus raptores ficarem com elas. Há menos chance delas terem sido mortas ou abusadas.
Kate: Provavelmente vocês já ouviram falar de caso como ?J.C Lee Du Gout? ou ?Coline O´White?. Essas crianças foram levadas e ?desapareceram do mapa?, e anos mais tarde foram encontradas em situações que nunca foram imaginadas. Por isso mantemos a esperança da Madeleine estar por aí? E por isso, eu e o Gerry, nunca podemos desistir!
UOL Notícias: E o que as investigações descobriram até agora?
Gerry: Nós não sabemos onde ela está e muitos aspectos não foram levados adiante desde 2007. Nós temos que identificar quem tinha comportamentos suspeitos naquela noite, ou seja, o homem que foi visto levando a criança para fora do apartamento, e que, conforme a Kate documenta no seu livro, nós pensamos que seja o mesmo homem que foi visto na vila antes do sequestro. Houve também um grupo, com outras testemunhas, que também nos deu uma descrição idêntica do homem do qual suspeitamos. Por isso, o mais importante é identificarmos essa pessoa.
Kate: É difícil? porque houve muito trabalho feito nesses últimos 4 anos e a nossa equipe também está na estrada nos últimos 3 anos. E toda a informação recolhida até agora pode ser muito útil. Agora, com todo trabalho que será revisto pela polícia metropolitana de Londres, isso poderá dar frutos. Mas conforme o Gerry disse, não sei se estamos perto ou longe? não sabemos qual será o próximo passo.
Gerry: Isto é muito importante porque muitas das crianças que foram encontradas muito tempo depois, os pais nem sequer imaginavam, um dia antes, que estavam tão perto de as encontrar. Por isso, conforme a Kate disse no livro, temos que estar sempre preparados para receber a Madeleine.
UOL Notícias: Há alguma novidade sobre o caso que vocês gostariam de revelar?
Gerry: Eu acho que a notícia mais importante é que o governo britânico ofereceu os serviços da Polícia Metropolitana de Londres para rever todas essas pistas. Esse foi um pedido que fizemos há dois anos. Ao fazermos isso, temos a certeza que nenhuma pista ficará esquecida.
UOL Notícias: Mas como vocês acham que a Polícia Metropolitana de Londres [a Scotland Yard] poderá contribuir para o caso?
Gerry: Porque estes especialistas estão habituados a lidar com casos muito complexos e a ver e rever pistas. Mas os detalhes de como a investigação vai correr temos que deixar para eles, porque eles é que são os especialistas. Não queremos interferir.
UOL Notícias: A polícia portuguesa ainda está investigando o caso?
Gerry: O caso foi fechado, e já está fechado, há dois anos e meio. Esta revisão do caso não significa que ele será aberto. Estou certo de que a Polícia Metropolitana de Londres irá rever aquilo que a polícia portuguesa investigou.
UOL Notícias: Há algum investigador particular ou detetive em Portugal que ainda trabalha no caso?
Kate: Não há nenhuma investigação ativa em Portugal desde 2008. Se houvesse novas pistas, a polícia investigaria. Mas não há nenhuma busca. A única busca que há é a nossa.
Gerry: Nós não temos nenhuma equipe. A nossa equipe é formada por pessoas que venham nos dar qualquer tipo de informação que possa nos ajudar. Este processo de revisão feito pela polícia britânica pode demorar meses e nesse momento nós temos que esperar.
UOL Notícias: Como a polícia suspeitou de vocês, nós gostaríamos de saber o que vocês pensam sobre isto. O que vocês têm a dizer para aqueles que suspeitaram de vocês no caso do desaparecimento da sua filha?
Kate: A minha grande preocupação naquele tempo era que as autoridades deixariam de procurar a Madeleine. Por muito mal que fosse para nós, e foi devastador, nós não fomos acusados, mas éramos suspeitos de estarmos envolvidos, a nossa prioridade foi sempre encontrar a Madeleine. Acredito que, naquela época, nada de pior poderia nos acontecer do que ter perdido a nossa filha.
Gerry: Nós estivemos disponíveis para tudo o que a polícia necessitasse e ficamos aqui durante quatro meses para que tivéssemos a melhor investigação possível. Então começou a passar na imprensa que havia provas de que a Madeleine estava morta e que havia envolvimento da nossa parte -- o que não é verdade. O relatório do procurador foi muito, muito claro ao dizer que não houve evidências da morte da Madeleine e muito menos do nosso envolvimento! Nesse momento não queremos saber o que se passou? Só queremos continuar a procura de Madeleine.
Kate: Eu penso que se alguém tiver dúvidas sobre mim e o Gerry, por favor leia o livro e lembre-se de que a Madeleine é uma criança que precisa de toda a nossa ajuda para encontrá-la.
UOL Notícias: Então o que a imprensa não contou, ou contou de forma errada?
Gerry: Será que você tem fita suficiente para isso? [risos] Há, literalmente, centenas de coisas que foram contadas incorretamente. Algumas mentiras, algumas meias verdades e outras ?manchas? para encobrir a verdade. Eu acho que no meio disto tudo nós vimos o melhor e o pior da imprensa. Eu acho que no início nos tivemos uma esperança de que a imprensa poderia encontrar a Madeleine - e ainda pode!
Kate: Eu não me arrependo daquilo que fizemos. Nós temos que envolver a imprensa. Falamos com os especialistas do Centro Nacional de Crianças Desaparecidas em Washington (Estados Unidos), que têm muita experiência, e eles disseram que tínhamos que envolver a imprensa porque, se não, não conseguiríamos encontrar a nossa criança. Tínhamos que arranjar o maior número de pessoas para procurá-la e por isso nós não podíamos mudar isso. Mas a nossa família também podia ter ficado destruída com aquilo que passou a imprensa. É uma faca de dois gumes? Mas apelamos para a imprensa ter um pouco mais de responsabilidade e lembrar-se que estão lidando com pessoas de verdade, com vidas reais.
UOL Notícias: Em algum momento, ou de alguma forma, vocês se sentiram culpados pelo desaparecimento de Madeleine?
Kate: Em muitos, muitos momentos? Qualquer pai se sente culpado quando algo de mal acontece aos seus filhos, nem que seja uma simples queda? Mas é evidente que naquele momento nós não estávamos com ela e, por isso, naturalmente nos sentimos horríveis porque nem em um milhão de anos colocaríamos os nossos filhos em risco? Sabe? nunca teríamos ido jantar num restaurante se soubéssemos que os nossos filhos não estariam em segurança. Mas a pessoa que a levou e que a tirou de nós é que é a culpada. E essa pessoa ainda anda por aí? Eu sei o quanto eu amo a Madeleine e quanto ela nos ama, mas não posso mudar o que aconteceu naquela noite.
UOL Notícias: Qual a diferença entre a ?Kate? de hoje, e a ?Kate? antes do ocorrido? O que mudou?
Kate: Bem? Antes do 3 de maio de 2007 eu era completamente feliz, sentia-me com muita sorte por ter o Gerry e três crianças lindas. Estou muito melhor agora do que há quatro anos, estou muito mais forte? Mas a minha vida, a nossa vida, a vida das nossas crianças nunca estará completa até a Madeleine estar conosco. Através da mídia nós vimos o melhor e o pior da natureza humana. Vimos que há pessoas muito más, mas também vimos muita gente boa, que nos têm ajudado ao longo desse tempo? Mas haverá sempre uma tristeza submersa? É difícil encontrarmos paz, a completa paz?
Gerry: Falta um pedaço de nós que só ficará completo quando a Madeleine voltar. Mas estamos lentamente voltando aquilo que éramos.
UOL Notícias: Este livro será vendido no Brasil?
Garry: Soubemos que há uma oferta para o publicarmos no Brasil, mas ainda não sabemos em qual editora?
Kate: Eu espero que sim! Tivemos muito apoio vindo do Brasil, temos alguns amigos lá?
Garry: Há um grupo de oração que nos apoiou desde o início, com centenas de milhares de pessoas, e tenho um grande amigo com quem trabalhei em Amsterdã, cuja mulher é brasileira, e cujo seus pais estiveram envolvidos nisso.
Kate: Deixamos aqui um grande agradecimento ao Brasil!