Foto: Ju Matemba
Um menino, que saiu vestido de menina, foi agredido e teve seu corpo jogado nas águas dos rios da Amazônia. Ao emergir, voltou em forma da flor de mururé, uma planta aquática com características femininas e masculinas, de origem amazônica, muito comum na região do Afuá (Ilha do Marajó - PA). Essa é a lenda da “Flor de Mururé”, repassada de forma oral pelas antepassadas de Naraguassu Pureza da Costa (54 anos), uma figura lendária do Afuá, que manteve viva a tradição ancestral da pajelança amazônica.
Com inspiração na lenda e com a música “Flor de Mururé”, o grupo paraense Carimbó Cobra Venenosa lança seu primeiro videoclipe, em formato de curta-metragem, dirigido por Marcos Corrêa e Priscila Duque. A obra é uma ode à beleza, às encantarias e ao poder feminino amazônico e, por isso, é lançada no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Ele foi gravado com recursos da Lei Emergencial de Cultura Aldir Blanc (Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Pará) – SECULT -PA.
A sua narrativa apresenta um episódio ficcional de violência, tendo como protagonista Gabriela Luz, atriz e travesti, que realizou, com a gravação de “Flor de Mururé”, seu primeiro trabalho logo após a transição de gênero. A trama, permeada pelo afrofuturismo amazônico, mistura elementos documentais e ficcionais com pitadas de surrealidade. O vídeo traz também, como personagens, as Orixás femininas Iansã, Oxum e Iemanjá.
A feminilidade amazônica está presente na obra com a reunião de mulheres cis e trans cantando, juntas, pelo fim do machismo e dos crimes de LGBTIfobia. Participam ainda artistas da cena cultural independente de Belém, donas de casa, travestis, crianças, homens cis e trans, os quais, juntos, mostram que a luta por uma sociedade menos violenta é uma bandeira que precisa ser levantada por todos. As gravações aconteceram em Icoaraci e Outeiro, periferia da Região Metropolitana de Belém. A produção, realizada pela Psica Produções, reuniu uma equipe majoritariamente feminina, LGBTQIA+, preta e periférica.
“O mais valioso no processo do clipe é a questão da periferia como potência. É a reunião de pessoas de diferentes idades e gêneros na equipe e no elenco. Foi uma escolha política ter pessoas desse universo, ninguém foi levado para gravar em Icoaraci e Outeiro”, explica o co-diretor Marcos Corrêa. “Quando você coloca no Google ‘Icoaraci’, o que mais aparece são os crimes e as violências. A gente quer mostrar que nesses lugares também tem belezas: nas imagens, na praia, na natureza, mas também nas pessoas. No sorriso de uma mulher cozinhando maniçoba no quintal da sua casa, de crianças brincando. Isso é extremamente potente: mostrar o olhar dessas pessoas periféricas, exibindo a sua beleza para o mundo”, conclui.
A música “Flor de Mururé” foi criada a partir da história contada por ancestrais de Naraguassu Pureza da Costa. A composição é assinada não só por Naraguassu Pureza da Costa, mas também por Luana Peixe, Lana Beatriz Lima, Luah Sampaio Nogueira, Erika Mayane Bonifácio Ramos, Dandara Nobre de Oliveira Nascimento, Eduarda Gama Canto (fundadoras do coletivo Vacas Profanas). Com os ritmos lundu e carimbó, a música faz parte do repertório do Carimbó Cobra Venenosa desde que foi criado, em 2016, e está presente no seu primeiro álbum, homônimo, lançado em 2020. Para o clipe, ganhou uma nova roupagem.
“É mais que uma música, é um mantra de força, uma oração encantada que conecta as pessoas à questão de gênero. Os versos se desenhando em ritmo movimentam o corpo e nos estimulam uma sensação de liberdade, experimentada na cadência do lundu e do carimbó. Sentimos os tambores. Sentimos a presença da mata. Das águas. Sentimos a força dos encantados, das entidades, dos orixás, ao mesmo tempo que vibramos em uma contemporaneidade que experimentou anos de ocupações, ações coletivas, artivismo, performances e rodas em celebrações e protestos”, descreve Priscila Duque, co-diretora do clipe e líder do Carimbó Cobra Venenosa .
“Flor de Mururé” é mais que uma música. É mais do que uma lenda da tradição oral de uma família da região amazônica. É a narrativa de existências e resistências reais, mas com os sonhos alimentados com fantasia.
FICHA TÉCNICA
MÚSICA
Priscila Duque: Voz e Maracas
Yago Dias: Banjo
Héron Rodrigues: Percussão & Efeitos
Raíra Maciel: Percussão
Reebs Carneiro: Flauta
Hugo Nascimento (Ugô): Saxofone
Gravação, Mixagem e Masterização: StúdioZ por Thiago Albuquerque
CLIPE
Realização: Psica Produções
Direção: Marcos Corrêa
Direção: Priscila Duque
Direção de Fotografia: Cris Salgado e Hugo Chaves
Figurino: Labô Young, Maurício Franco, Roberta Mártires e Cris Salgado.
Maquiagem: Shayra Brotero
Designer: Mila Fraga
Montagem, finalização e Colorização: Cris Motta
Animação de Artes Digitais: Yan di Maria
Colagens Digitais: Moara Tupinambá
Drone e vídeo dos créditos: Walber Castelo
1ª Assistência de direção: Bárbara Von Paumgartten
2ª Assistência de direção: Mariana Mikaely Corrêa
Paisagem Sonora e Desenho de Som: Rafael Café
Protagonista e roteirista: Gabriela Luz
Consulta de roteiro: Greice Costa
Elenco: Dama das Chamas Circenses (Eli Pinheiro), mãe de santo Rosa de Luyara, Anastacia Marshelly, Shayra Brotero, Carmo Coutinho, Adelaide Oliveira, Maria do Socorro Rodrigues Duque, Astrum Zion, Maria José, Michely Corrêa, Zaira Maciel.
SOBRE CARIMBÓ COBRA VENENOSA
Criado no distrito de Icoaraci, território de efervescência do ritmo no Estado do Pará, o grupo Carimbó Cobra Venenosa tem atuado desde 2016 ocupando palcos diversos, desde ruas, praças, transportes coletivos, atos políticos e saraus. Com letras-manifesto, oferece ao público músicas com críticas a formas de opressão e mergulhadas em questionamentos sociais. Com o slogan “música além dos ouvidos”, traz como conceito transformar o mundo por meio da arte e levantar questionamentos contra formas de opressão, machismo e TransLGBIfobia. Carimbó Cobra Venenosa foi idealizado por Priscila Duque, cantora, compositora e produtora e, na época, Hugo Caetano, que já foi cantor e compositor do grupo. Já no protagonismo dos vocais, sendo feminino e assumido por Priscila Duque, e o tambor tocado por Raíra Maciel, traz a postura em que acredita ter na arte uma força transformadora retratando a realidade de um carimbó urbano, nascido na periferia da Amazônia. O grupo visa disseminar uma vertente mais tradicional do carimbó, pau & corda, sem utilização de guitarra, baterias ou instrumentos e batidas eletrônicas. É uma musicalidade que envolve os saberes tradicionais e seus mestres, aliando o tradicional ao moderno e com raízes na cultura negra, de resistência periférica. O Carimbó Cobra Venenosa traz ainda o apelo à preservação e conservação ambiental. E não só no discurso, também em ações como na utilização de instrumentos musicais fabricados por mestres de carimbó e feitos a partir da reciclagem e reaproveitamento de materiais como tubos de PVC, capacetes de moto, dentre outros.
Em 2018, contemplado pelo VI Prêmio Proex de Arte e Cultura da Universidade Federal do Pará, o grupo gravou seu primeiro disco, homônimo, Carimbó Cobra Venenosa, lançado nas principais plataformas digitais em janeiro de 2020 e coleciona inúmeras apresentações em municípios do estado do Pará. Também teve apresentações em cidades como Manaus, Salvador, Porto Seguro, Paraty e Rio de Janeiro.