Ney Matogrosso completou 75 anos de idade na segunda-feira (1). Figura antológica da música brasileira, Matogrosso - nascido Ney de Souza Pereira, em Mato Grosso do Sul -, aos 17 anos, deixou a casa da família conservadora para ganhar o mundo com sua voz feminina e de contratenor e seu estilo exuberante. Alistou-se na Aeronáutica, onde deixou de ser um rapaz encabulado e teve suas primeiras experiências sexuais.
Juntou-se ao grupo Secos & Molhados na década de 1970. Em plena ditadura militar (1964-1985), o trio fazia performances espalhafatosas, cheias de glitter, maquiagem e roupas justas. No palco, Matogrosso já mostrava as características que traz com ele até hoje: uma energia sexual pulsante, o ar de mistério e os movimentos quase que hipnóticos.
Após expandir as possibilidades da linguagem musical com o trio, lançou mais de 20 discos em carreira solo, emplacando inúmeros sucessos de público e crítica. Assumidamente gay - ele diz que Cazuza foi um dos amores de sua vida -, o artista nunca hesitou em viver sua vida da forma mais autêntica possível, seja na arte, no sexo ou nas opiniões fora da curva. No caso de Matogrosso, estas três áreas da vida se unem em um belíssimo legado. Sem sombra de dúvida, um ícone.
Veja abaixo alguns trechos de entrevistas com Matogrosso:
‘Fui para a cama com 15’
Sem medo de falar sobre sexo ou de viver sua sexualidade como bem entender, Matogrosso disse em entrevista em 2009 já ter participado de uma orgia. “Fiz nos anos 1970 e isso acontecia”, contou. “Se fui para cama com 15, pelo menos outras 15 pessoas faziam. Isso ainda se faz, as pessoas é que não falam.”
‘Eu tinha um namorado e tinha uma namorada. Ficávamos os três juntos’
Transgressor tanto na arte quanto nos costumes, Matogrosso, em plena época de sombras da ditadura militar, fez brilhar as cores de sua sexualidade e sua rebeldia contra a opressão. À Rolling Stone Brasil, em 2013, ele afirmou ter namorado um homem e uma mulher na década de 1970. “Ficávamos os três juntos. Era [divertido]. As pessoas colocam um tabu em uma coisa que é divertida e é agradável, sabe? Não existia essa questão. A primeira vez que trepei na minha vida foi com mulher. Eu tinha 13 anos. Lá em Mato Grosso, na fazenda do meu avô.”
‘Sou atrevido porque o Brasil está mais careta do que era’
Em entrevista ao El País Brasil, ele resumiu com simplicidade o motivo pelo qual dá a cara a tapa em sua vida e arte: “Sou uma pessoa consciente do mundo que eu vivo, da realidade da vida, da realidade dos governos, das igrejas... Sei tudo isso, sou ligado, não sou bobinho. Minha única via para poder expressar tudo o que eu penso do meu país e do mundo é nas entrevistas que eu concedo, e no palco desafio todas as regras. E eu sou ousado, sim, sou atrevido, sim, porque eu preciso ser, porque o Brasil está mais careta do que era”.
‘Eu sou o bloco do eu sozinho’
Ele expressou à Rolling Stone sua visão a respeito de sua atuação transgressora e polêmica no Secos & Molhados. “Era uma coisa política, [mas] nem de esquerda, nem de direita. Quer dizer, minha tendência foi sempre de uma esquerda mais liberal, porque eu tive a ilusão de achar que a esquerda entenderia meu papel e me apoiaria, [mas] rejeitou tanto quanto a direita. Eu me vi sozinho no mundo e falei: foda-se o mundo, vou tocar meu barco sem o apoio de ninguém. Eu não sou de turma. Eu sou o bloco do eu sozinho”.
‘Agora que me engulam’
Sobre corrupção: “Toda essa gente tem que ir para a cadeia. Você não pode deixar no poder um Governo que saqueia o país. Esse juiz Sergio Moro está dignificando a Justiça no nosso país. Não é só pobre que tem que ser preso. Eu não estou dizendo que nunca roubaram, mas eles chegaram com tanta sede ao pote que foram descarados. Eu sempre falei o que eu acho, se eu não me privei de dar minha opinião nem na ditadura porque eu vou me privar agora? Agora que me engulam, não dizem que é uma democracia? Vamos ver se é mesmo”.
'Eu sou assim e morrerei sendo'
O cantor não está e nunca esteve disposto a viver sua vida ou sua arte de uma maneira que não fosse autêntica. Ele disse em 2008: “Expressar o que se pensa e não seguir os ditames pré-estabelecidos é sempre transgressor. Eu sou assim e morrerei sendo. De uma maneira geral, acho que as pessoas não se expõem verdadeiramente e esse é o problema”.
‘Gostaria de ser lembrado como uma pessoa que defendeu a liberdade de expressão’
“Gostaria de ser lembrado como uma pessoa que defendeu a liberdade de expressão, de ser, de existir. Como alguém que ousou lutar contra a hipocrisia das coisas”, contou. Não se preocupe, Ney. Você irá. ;)